Entrevista: Leo Cavalcanti

por Ramon Vitral

Leo Cavalcanti, cantor e compositor paulistano, diz tender a excessos. Segundo o próprio, “Religar”, seu disco de estréia, é um trabalho prolixo – “no melhor dos sentidos”, esclarece o músico. Leo assina as 14 músicas do álbum, um CD permeado por citações a Fernando Pessoa, Federico García Lorca e Glauber Rocha, no qual pelo menos 40 instrumentos se fizeram presentes.  O disco chegou às lojas na segunda quinzena de dezembro, um ano após o primeiro dia de gravações, e a temporada de shows do cantor terá início dia 24 de fevereiro, em apresentação no Sesc Pompéia, em São Paulo.

Filho do também cantor e compositor Péricles Cavalcanti, Leo adotou a música como profissão aos 14 anos. Além do pai, não faltam referências para o artista de 26 anos. Também professor de yoga, ele diz ser influenciado por filosofias orientais, conceitos holísticos, R&B, Jackson do Pandeiro, Michael Jackson e MTV. No meio disso tudo, ainda encontrou espaço para três participações especiais em seu CD: Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e Tatá Aeroplano (do Cérebro Eletrônico).

Em comum entre ele e seus três amigos Leo vê no máximo uma contemporaneidade. “Há essa simultaneidade de efervescência, mas as nossas diferenças estão compondo um retalho muito interessante e inédito”, avalia. Em 2010 foram apenas cinco shows, todos internacionais, em Portugal, Espanha e Inglaterra. Para 2011, as expectativas são amplas: o primeiro clipe está previsto para o começo de março e será da música de abertura de “Religar”, “Ouvidos ao Mistério”.

Ilustrado com imagens de Leo sobrepostas a traços e desenhos do artista Victor Zalma, o encarte de “Religar” sintetiza toda a prolixidade autoproclamada pelo cantor. Questionado sobre o significado dessas ilustrações, Leo resume: “Queria algo ao mesmo tempo pop, xamânico e cyber”. O Scream & Yell passou uma tarde de feriado conversando com o músico. O resultado você lê abaixo.

“Religar” foi lançado no final de dezembro. Quando começou a ser produzido?
A primeira semente foi plantada há cinco anos, quando comecei a fazer experimentos em um estúdio caseiro. Comecei a gravar minhas próprias músicas e fazer os arranjos. Daí começou a surgir a concepção musical que deu fruto ao disco. Estreei o show em 2008 e ele foi tomando outra forma com a entrada da banda.

O show de 2008 tem o mesmo repertório do CD?
Menos “Religar”, que é a faixa-título, e “Inalcançável Você”.

É o seu primeiro disco e você está começando a aparecer agora. Por que ele chama “Religar”?
Tem vários sentidos para mim. Gosto muito da palavra. É muito versátil. Quando descobri que religar em latim (religare) é a origem da palavra religião, comecei a ter outra visão sobre o que é religião, e mesmo sobre o que é filosofia e ciência, sobre a busca do homem num sentido mais amplo, sobre a necessidade de retorno que temos  – de retorno para nossa natureza. Gosto bastante dessa ideia. Acho que a gente vive num momento da humanidade que é interessante resgatar a ideia do religar: a gente se conhecer num mundo com tanta confusão, de crise de consciência individual e coletiva… Acredito que a arte tem esse sentido, da expansão de consciência, de não ficarmos estagnados nos nossos conceitos. Estudo e pratico yoga e me interesso muito pelas filosofias oriental e holísticas, que vêem o ser humano como um todo, ligado em um todo. Gosto de trabalhar essa ideia do religar para além da religião, da doutrina e da instituição que propõe o método e diz que a verdade é uma. É um assunto amplo, mas pode ter o sentido mais banal também: religar um objeto no outro, uma ideia na outra… Além do sentido pessoal, de religar ao meu jeito de fazer música anteriormente, no começo, com o que estou fazendo agora. Esse disco é bem um compêndio do que tenho feito de música desde os 14 anos.

Você começou tocando com o seu pai?
Eu nasci e meu pai já era músico, muito conectado com o universo popular musical brasileiro e mundial. Cresci ouvindo desde Stevie Wonder até música erudita e Jackson do Pandeiro, Noel Rosa, jazz, flamenco e vendo MTV. Cresci ouvindo músicas de muitas culturas e sempre vi meu pai tocando. Com nove anos ele me deu um violão. Então comecei a treinar um lado indutivo da música, a tirar as músicas sozinho, de ouvido. Foi assim que comecei. Fiz alguns estudos teóricos, mas sempre quis manter uma relação intuitiva, de experimento e sentimento. Com 14 anos meu pai me deu um pandeiro, já que eu ficava sempre batucando em casa, e comecei a tocar nos shows dele. Com 19 anos arrumei um estúdio caseiro e digital. Passei a pensar a música além da composição, já com o arranjo. Casar um som de violão com a batida de uma bateria eletrônica e uma percussão orgânica. Fui criando o que deu origem ao que faço hoje, com uma influência muito brasileira, mas também do R&B. [“Religar”] Quer soar como algo do Timbaland com o Michael Jackson, sabe? Tem esse desejo pop e ao mesmo tempo esse lance orgânico brasileiro, percussivo.

Você fez uso de vários instrumentos da produção. Nos créditos do CD cheguei a contar mais de 40.
(Risos) Sem dúvida é um disco prolixo. Os próximos não sei se serão assim. É um disco que fala muito, é um desembuchar, no melhor dos sentidos. Sempre quis que fosse assumidamente de edição digital, que não poderia ser executado ao vivo. Tem 15 percussões diferentes tocando ao mesmo tempo. Uma magia específica dessa era, né? É um disco da era do digital.

Algum desses instrumentos era novo pra você?
O alaúde turco. Sou apaixonado por música árabe. Então conheci um músico egípcio e quando o ouvi tocando esse instrumento comecei a chorar loucamente. É um instrumento milenar, que traz um monte de informação. Não sei nem como explicar. Fico sem palavras. É um instrumento muito forte que trabalha com a música tonal. É muito espiritualizado. Tem uma carga transcendental muito grande. Foi lindo gravar.

Há no CD citações a Federico García Lorca e Fernando Pessoa e reprodução de algumas falas de “Deus e o Diabo Na Terra do Sol”, do Glauber Rocha. Como surgiu a ideia dessas colagens?
Considero o Fernado Pessoa o mestre dos mestres. Ele tem uma capacidade de incorporar o absurdo que é de uma beleza sem limites. Desde a primeira vez que li separava trechos pensando em utilizar. Conheci o Lorca quando participei de um sarau sobre ele. Quando montei o show gostei da ideia de trazer outras referências. O legal de fazer colagens é que atribuímos outros sentidos. O Glauber Rocha também pensei em utilizar quando estava criando o show e tive a vontade de ter uma sonoridade de cinema entre as músicas. Funcionando como vinhetas. Peguei “Deus e o Diabo” e comecei a picotar, montei uma vinheta composta de vários trechos e construí uma narrativa própria. São pessoas que sempre merecem ser revisitadas. A presença deles é como uma benção ao trabalho.

Você dá aula de Yoga e essa é uma atividade relacionada à calma e tranquilidade. O seu disco é composto de várias referências e técnicas. Como você administra esses excessos com essa ideia de serenidade?

É o excesso a serviço da leveza (risos). É o prolixo, o picotado, o fragmentado querendo se reunir. Acho que foi inevitável o disco ter sido prolixo.

As 14 composições do disco são assinadas por você. Acha fácil compor?
Não. Eu componho aos poucos e cada música é uma história diferente. Posso primeiro escrever a letra ou a melodia. Não tem regra. Mas componho pouco. É um exercício. Sou perfeccionista e, às vezes, fica aquela música batendo… Sou uma pessoa hermética no sentido de querer fazer um negócio que seja amarrado.

Nesse esforço todo, tem algum composição do CD que é a sua preferida?
Queria que tivesse, mas não (risos). Talvez goste mais de umas do que outras. Talvez “Ouvidos ao Mistério” seja o meu grito de guerra. É uma invocação, né? “Os seus conceitos já não servem mais” quer dizer: saia desse lugar de estagnação. Gosto de cantar isso no palco, quando faz muito sentido. Palco é o lugar no qual me permito viver mais do que na vida cotidiana. Onde as coisas fazem sentido, onde o senso de justiça se estabelece através da música.

Como tem sido sua rotina de shows?
Acho que cheguei a fazer uns 20 shows entre final de 2007 e o final de 2009. Em 2010 eu fiz uma turnê de cinco shows na Europa e foram as únicas apresentações no ano. Espanha, Portugal e Londres. Foi animal. Importante para treinar a comunicação. Senti que a música comunica mais que as palavras em si. Tive uma resposta muito boa.

E qual resposta você tem tido no Brasil?
Aqui está recomeçando, pois fiquei quase dois anos sem fazer show, em função do disco. Tinha decidido que só voltaria ao palco depois de lançar. As pessoas estão começando a absorver a densidade do trabalho. Vou gravar dois clipes agora e quero estender ao máximo as possibilidades de interpretações visuais desses vídeos. Brincar com o visual.

Já sabe qual será a primeira música a virar clipe?
“Ouvidos ao Mistério” e depois “Acaso”. O primeiro vai ser um clipe com dança, gravado em estúdio com um pouco de flamenco – que danço tem quase um ano. Um lance pop, meio Michael Jackson, mas também meio experimental e solto, sem ser poser. Será frenético (risos). Comecei a fazer a coreografia agora.

Como será sua rotina de apresentações para divulgar o CD?
Quero fazer o máximo possível de shows. É no palco que a música se manifesta pra mim. Preciso tocar para as pessoas, fazer a música vibrar e acontecer. O disco é uma coisa, mas o show está vivo, se transformando. É para além do disco. Quero rodar muito, mas existe a grande confusão do mercado fonográfico. Não é fácil. Ainda estou tentando entender como fazer, como ganhar dinheiro com isso. Trabalhei com yoga e massagem e agora estou querendo focar em música. Mas vamos ver se vai ser possível. Tanto em São Paulo quanto no Rio tem pouquíssimos lugares pra fazer show legal. Poucos lugares têm uma estrutura, uma programação legal, que pagam. É Sesc ou quase nada.

O disco conta com a participação de Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e Tatá Aeroplano. Junto com eles e mais alguns outros, você acha que compõem uma cena?

Não vejo um padrão no que fazemos e não acho que é um movimento. Vejo algo nascendo que não sabemos bem o que é. É uma simultaneidade de trabalhos autorais e originais. Pessoas que buscam caminhos próprios. Estamos num movimento de não querer mais reproduzir o que foi feito e fazer uma coisa autêntica, sincera e nova. Temos isso em comum. As nossas diferenças estão compondo um retalho muito interessante e inédito. Não vejo homogeneidade e acho que é muito cedo para falar de geração ou de cena. Há essa simultaneidade de efervescência.

Você acabou de lançar o primeiro disco, mas já tem algum plano para o próximo?
Sinto que o segundo vai ser completamente diferente. “Religar” é um despacho, no bom sentido (risos). É uma entrega do que quis fazer de música até agora. Mas já estão surgindo outros interesses. Tudo indica que vou caminhar para uma simplicidade. Estou numa fase de coleta. Ouvindo muita música hindu, muita canção simples, Dorival Caymmi… Tentando ir pro sintético. Mas sinto que esse primeiro CD é pop e quero viver o potencial que ele tem. Gosto disso. Do que o pop pode possibilitar de universal. De quando você vê um clipe do Michael Jackson e arrepia, sabe? Eu gosto dessa força.

http://www.myspace.com/leocavalcanti

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– Ramon Vitral (@RVitral) é jornalista e assina os blogs Despautado e RVitral

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