Entrevista: Juliana R

por Tiago Agostini

A fala tranqüila denota claramente que Juliana R é uma moça tímida do interior. Assim como boa parte dos moradores de São Paulo, veio para a maior metrópole da América Latina realizar um sonho. No caso dela, seguir carreira musical. Queria ter uma banda, mas não achou quem compartilhasse as mesmas idéias e estivesse disposto a embarcar na aventura. A saída foi gravar as composições, que no início tinha vergonha de cantar, sozinha.

Juliana também é espelho de uma geração cada vez mais numerosa: os artistas caseiros. Mesmo sem saber direito como funciona a indústria musical, compôs suas músicas, gravou alguns rascunhos, conseguiu um produtor, colocou as canções no MySpace e só então descolou uma banda. Tudo aos poucos, na contramão da correria da metrópole. Não parece à toa que, depois de quase cinco anos fora de Sorocaba, ela tenha trocado o Centro por uma rua cheia de árvores, com chão de paralelepípedo e quase sem carros em Pinheiros.

No final do ano passado, Juliana terminou o primeiro capítulo de sua história, lançando um disco homônimo pela YB. Mas a moça do interior não para nele e já começa a pensar em um novo trabalho. Para falar sobre carreira, a banda Wry, botecos sujos e dias em que o mundo desaba lá fora, a cantora recebeu o Scream & Yell em uma tarde chuvosa de dezembro, no amplo apartamento no térreo que divide em Pinheiros.

Desde quando você está em São Paulo?

Vai fazer cinco anos.

Foi difícil a adaptação?

Sempre quis me mudar pra cá porque o ritmo daqui tem mais a ver comigo do que Sorocaba. É difícil porque você tem que recomeçar sua vida, fazer novos amigos, conhecer os lugares. Mas isso é legal. Você quebra a cara até as coisas se acertarem.

Demorou muito para se adaptar?

Não tenho muito do que reclamar. Fiz vários amigos legais aqui, mas no início foi meio difícil, ficava muito sozinha, não conhecia as pessoas. Teve uma época que foi uma merda, porque tive que mudar de casa umas três vezes seguidas. Minhas coisas estavam todas espalhadas. Agora, não sei se me acostumei ou se como passei por isso consegui me acostumar, estou mais tranqüila com esse movimento. Estou há três meses em Pinheiros e gostando. Às vezes sinto falta do Centro, porque é muito inspirador, mas então vou pra lá, dou uma volta e volto. Aqui é mais tranqüilo: dá pra andar na rua. Eu tinha certo medo de andar na rua no meu apartamento anterior (Juliana morava ao lado da biblioteca Mário de Andrade), apesar de que o Centro é perigoso, mas não tanto. Não sei se é respeito com as pessoas que moram lá ou se é só uma ilusão, mas não é pior que qualquer outro lugar.

Você falou que o Centro é mais inspirador. Você acha que o caos te inspira mais?

É que tem mais coisa acontecendo ao mesmo tempo. Na verdade eu morava no alto, então tinha uma vista linda do Centrão, e a cada dia acontecia uma coisa esquisita na rua. Aqui é mais tranqüilo. Não é que seja mais inspirador. É só outro tipo de cotidiano. Mas eu também estava cansada de agitação, queria um lugar mais calmo. Aqui tem mais a ver. Ninguém mexe comigo, não tem ninguém fumando crack na porta do prédio. O Centro é muito bonito, os prédios, tudo, então às vezes sinto falta. Até porque sou caipira de Sorocaba, então pra mim é tudo lindo.

Acha que o Centro, as coisas que aconteciam, refletiram no seu disco?

Totalmente. Meu disco tem muito a ver com quando me mudei para São Paulo, com a questão de se adaptar. O disco ficou pronto um ano antes de ser lançado, e as letras são ainda mais antigas. É de um período da minha vida que já está distante. Até é esquisito lançar o disco agora porque não estou naquilo, mas tem a ver com quando me mudei, e as pessoas que fui conhecendo, as coisas pelas quais passei. Porque até então eu não cantava, não sabia direito o que ia fazer. Estava na faculdade…

Você veio pra São Paulo para fazer faculdade?

Sempre quis vir pra São Paulo por causa da música. Só que nesses anos todos tiveram muitas mudanças em relação ao mercado fonográfico, e eu nunca soube direito como ele funcionava – até agora não sei. Vim pra cá fazer uma faculdade e paralelamente ir levando a carreira musical. Queria fazer cinema, mas não passei, então passei em fotografia e fiz um ano no Senac. E eu sempre quis ter banda, mas vi que era difícil encontrar gente que tivesse uma certeza do que queria fazer com a minha idade, 19 na época, e pessoas com a mesma ideia que a minha. Larguei a faculdade e resolvi fazer sozinha mesmo. Foi meu pai que me incentivou a gravar minhas músicas. Eu já as tinha em forma de rascunho. Um dia estava limpando minha casa e encontrei o disco do Mamma Cadela, ouvi e achei que tinha muito a ver com o que eu queria fazer em termos de sonoridade. As músicas me pareciam muito cinematográficas. Olhei o encarte e vi que o produtor era o Fábio Pinc. Me enrolei muito pra mandar e-mail pra ele, porque pensava: “Eu nem conheço o cara”. Vi que não tinha nada a perder, mandei pra ele os rascunhos de música, falando que tinha gostado do disco, e a gente marcou de se encontrar, conversou e gravou as quatro músicas que coloquei no MySpace. Com isso atraí pessoas que estavam a fim de tocar. Eu mostrava o trabalho: “É isso aqui, quem está a fim de ir comigo nessa?”. Por isso acabou sendo uma carreira solo. Foi o pontapé inicial.

O disco está pronto há um ano, mas quanto tempo você passou fazendo ele?

Gravei as quatro primeiras músicas e um tempo depois encontrei o Fabio e ele me convidou pra fazer um disco com dez. O que eu queria, na real, era fazer um disco sem essas quatro músicas iniciais, uma coisa que levaria muito mais tempo, mas mudei de ideia e vi que seria legal registrar elas em um disco. Como componho há muito tempo, tinha muita coisa guardada, (então) resgatei um monte de coisa. Ficou quase uma coletânea de coisas que eu já vinha fazendo. Não sei dizer quanto tempo demorou, mas tem músicas que escrevi pro disco, como “Viagem” e “Dry These Tears”. Gravamos em 2009 com algumas pausas, porque o Fábio também gravava outras coisas, não foi direto. Demorou a sair porque ficou pronto em setembro de 2009 e eu teria pouco tempo pra lançar até o fim do ano. Então veio natal, ano novo, carnaval, a Copa e atrasou tudo. Até que foi bom, porque deu pra fazer com calma e o encarte deu errado duas vezes. Eu estava descobrindo como gravar e distribuir um disco, então também me enrolei.

Você abre o disco com uma música torta, e logo depois vem um reggae mais pra cima, você vai intercalando os climas. Foi pensado?

Foi. Eu chamei o Fábio por isso, gosto muito desse tipo de coisa, um som visual. Como era o primeiro disco, não queria levar ele para um lado só, resolvi misturar cada música e depois ter algo que as unissem, que foi a sonoridade. Tem a ver com o fato de que eu não ouço apenas um estilo, gosto de explorar para não ficar muito fechada. Quando você ouve muito uma coisa, acaba compondo só aquilo. O legal da música é ir descobrindo novidades.

E você já tem material pra um segundo disco?

Já estou pensando nele, só que o problema é que até levantar uma grana pra gravá-lo, demora. Estou meio só escrevendo, (mas) já visualizo como vai ser. Não vou mais escrever em inglês, só em português, mas eu queria gravar logo, porque já faz tempo que registrei o primeiro.

O que você acha que aprendeu com o processo de gravação pra melhorar pro segundo?

Você acaba aprendendo a como se relacionar com as pessoas. Quando você vai gravar um disco você tem que saber conversar, dizer pro baterista qual tipo de levada quer. É muito difícil você visualizar uma coisa que você quer ouvir e passar isso para os músicos. E também entendi toda a parte burocrática de Ecad, de edição das músicas. Eu estava muito tímida com esse disco, muito insegura. Agora tenho um pouco mais de certeza das coisas que quero fazer, de onde minhas músicas vêm e pra onde podem ir. O primeiro foi meio que um tiro no escuro, não sabia o que ia dar, e é legal ver as músicas se transformando. Tem coisas que não correspondem ao que você queria, e às vezes elas ficam melhores.

O Tatá Aeroplano diz que quando compõe uma música tem que lançar para se livrar dela. Você sente isso também?

Acho que quando você grava você não se livra, só amarra ainda mais a música a você. Porque você tem que ficar cantando ela agora. É bom porque quando você está compondo não tem uma distância daquilo e não sabe analisar se é legal pra você ou não. Ao mostrar para outra pessoa, é alguém que está ouvindo pela primeira vez. Quando componho, mostro pra algumas pessoas que me conhecem. Todas as letras que escrevo deixo guardadas por um tempo e depois pego, porque ai quase esqueço o que escrevi e revejo.

Pra quem você mostra?

Para amigos próximos que me conhecem há muito tempo e que me sinto mais à vontade. Teve uma época que eu mostrava pra estranhos na internet, mas hoje é geralmente com gente próxima.

Sendo de Sorocaba, você tem alguma relação com o pessoal do Wry e aquela cena indie dos anos 90?

Cresci vendo eles ao vivo. Não fosse por eles não estava tocando hoje. Quando eu tinha 12 anos vi um show do Wry e fiquei muito impressionada. Era uma banda muito diferente de tudo que eu conhecia. Em casa meu pai ouvia rock dos anos 80, Legião, essas coisas. Eles cantavam em inglês! Lembro que fiquei confusa se eles eram de Sorocaba ou não. Pesquisando descobri o Lado B, da MTV, que tinha um monte de banda parecida com o Wry e que eram diferentes do que eu conhecia. Então pedi uma guitarra pro meu pai e ele não queria me dar, porque “você vai desistir, é pesada, vai doer sua mão”. Até que ganhei e montei umas bandas. Vi todo mundo tocar, achava aquilo lindo. Tinha um boteco fuleiro que eu sempre ia, embaixo da ponte. Eu queria fazer parte disso, de uma coisa que eu achava legal. Isso me empolgava, vi que era possível, tinha espaço, não precisava ter uma gravadora ou estar na TV pra poder ter uma banda, lançar minha música. E tinha gente que ia querer ouvir.

E hoje que as gravadoras cada vez mais somem. Como você lida com o mercado?

Prefiro não ter uma opinião formada sobre. Não sei muito bem pra onde a música vai, e mercado nem é algo em que fico pensando muito. Acho que naturalmente as coisas vão acabar se encaixando. Nós, independentes, estamos indo pra um caminho legal. Enxergo isso de uma forma coletiva. Vai dar certo. Já está dando! Tem gente ouvindo música, mais que nos (anos) 90, tem público, tem lugar pra tocar. Claro que algumas coisas ainda precisam ser acertadas, mas isso rola aos poucos.

Você acabou de lançar o disco. Como está a divulgação?

No final do ano foi difícil de marcar shows, então quero dar um gás em 2011. Estou sem produtora, então preciso de alguém pra me ajudar. Coloquei meu disco na Livraria Cultura, e por enquanto estou levando assim, devagar. Tenho uma assessoria legal da YB. Ah, tem o show do projeto cantando o Paul McCartney (no Sesc Consolação, em São Paulo, 20 de janeiro. Infos aqui).

Você foi ao show do Paul?

Não, mas fui no Lou Reed. Gostei muito, sabia que ia ser o “Metal Machine Music”, mas foi muito legal. Parece uma peça de teatro, toda amarrada. E foi legal que ele tocou “I’ll Be Your Mirror”. Eu vi a Lulina subindo no palco… ela disse que pegou na mão dele.
Falando em Lulina, o Brasil é conhecido por ser um país de cantoras, mas seu som acaba não se encaixando no estereótipo. Com quem você acha que se encaixa?
Difícil isso. Eu gosto muito da PJ Harvey…

Eu acho que tem muitos ecos dela no álbum.

Você acha mesmo? Que bom. É porque eu não sei se tem a ver, adoraria que tivesse.

A pessoa não ouve e fala PJ de cara, mas tem algo ali.

Gosto muito (também) da Cat Power, mas sou apaixonada pela PJ Harvey. Tem a Juana Molina, que é uma cantora argentina que eu acho muito legal. Mas que eu me encaixe… Já me compararam à Kate Nash, mas nunca a ouvi. É parecido?

Não.

E do Brasil me identifico muito com a Laura Wrona, que não é muito conhecida. Ela é minha vizinha, tem ideias legais e a ver com o que eu gostaria de fazer. Gosto muito da Karina Buhr, da Tulipa, da Lulina, mas é engraçado porque nunca me vi como cantora. Comecei a compor antes de cantar, queria cantar para mostrar minhas coisas, e fui aprendendo. Nunca me vi muito como cantora, nem como compositora, apesar de escrever (músicas). Demorei pra dar conta disso. Porque sempre acabam comparando, e tem bastante cantora no Brasil.

Logo que você surgiu te colocaram na cena folk de São Paulo. Você acha que existe essa cena folk?

Nunca existiu (risos). Mas acho engraçado. De início fiquei um pouco incomodada, porque pensava: “Onde está o folk aqui?”. Tudo bem, “Since I’ve Met You” é um folk, até engraçadinho, mas acho que tem a ver com a Mallu Magalhães. Ela apareceu e se agarraram nisso, junto com o Vanguart. Mas nem eles se dizem folk. O folk já passou, hoje são resquícios. É só uma coisa de influência. Não acho que exista nenhum movimento, não tem nada hoje como a Bossa Nova, a Tropicália.

É que em todos esses movimentos alguém limitava os parâmetros: a Tropicália teve um disco, o Mangue Beat um manifesto, por exemplo. Na cena atual tem muita gente que faz muita coisa parecida, mas não tem ninguém que organize isso.

Se a gente parar pra analisar vai encontrar muitas coisas similares, mas acho que não precisa essa coisa de movimento. Eu iria achar esquisito se alguém chegasse um dia, reunisse a galera e falasse que a gente era alguma coisa e que ia escrever um manifesto. Tem que ser algo com o tempo. Talvez daqui a cinco anos alguém olhe pra trás e consiga organizar melhor do que nós que estamos cantando hoje.

O músico Giancarlo Rufatto, em um texto antigo, dizia que suas músicas são “para terças, quintas e domingos, dias em que só canções nos salvam de um mundo que desaba lá fora”. De que dia você acha que suas músicas são?

Depende da música, mas acho que de domingo. Você teve aquela noite de sábado estranha, bebeu muito, no dia seguinte acorda e ouve o disco. Acho que também é um disco de trânsito. Pode ser um monte de coisa.

http://www.myspace.com/juliana.r

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– Tiago Agostini é jornalista e assina o blog A Balada do Louco.
– Ariel Martini é fotógrafo e você pode ver mais fotos no http://arielmartini.com/

5 thoughts on “Entrevista: Juliana R

  1. Gostei muito do Cd dela, mas depois fica um pouco cansativo no final, o cd tem boas ideias que acho que serão melhor aproveitado num proximo disco.

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