Especial: A nova cena portuguesa

por Pedro Salgado, de Lisboa

Desde o boom dos anos 80 que não se via uma diversidade, criatividade e atividade de novas bandas tão grande em Portugal. A tão propalada quebra da indústria da música –graças a fenômenos como os downloads e o surgimento de programas P2P como Napster ou mesmo o Myspace – abriu o caminho para diversos projetos em que a palavra de ordem é criar novos modelos com base nas novas soluções da informática buscando exprimir diferenças estéticas.

Se é certo que se pode falar em panorama, soa mais acertado falar em panoramas da nova música portuguesa, de uma música pop/rock inteligente e de uma eletrônica saudável. Um dos músicos extremamente interessantes é B Fachada, capaz de recuar no tempo e ir buscar elementos da música tradicional do país tornando-os seus. Mas não para por ai: a ‘one man band’ The Legendary Tiger Man nos blues, a pop do Peixe:Avião, a costela soul do Orelha Negra ou o indie rock do Linda Martini são outros bons exemplos de novos nomes da cena atual de Portugal.

Uma das explicações para este fenómeno surge da modernização do acesso aos meios de produção através dos estúdios ou das plataformas digitais. Para Mário Lopes, crítico de música do jornal Público, existem outras razões: “Estes artistas começaram a procurar algo que os distinguisse e há uma série de bandas que estão redescobrindo uma ideia pop com marcas portuguesas”. É o caso do repescar de memórias pop dos anos 80 de Tiago Guillul, da electrónica pop do Aquaparque ou da estética tradicional e percurssiva portuguesa do Diabo na Cruz.

Na cidade de Barcelos (uma hora ao norte de Porto), um festival, “Milhões em Festa”, criado por um pequeno núcleo de “ativistas” independentes, reflete uma cena local animada pelo conjunto Black Bombaim. E no Barreiro (muito próximo a Lisboa), grupos como Act Ups, Nicotine´s Orchestra ou Fast Eddie & The Riverside Monkeys agruparam-se ao redor do selo Hey Pachuco, criador do festival “Barreiro Rocks”, já com dez anos de história. Segundo Mário Lopes, “A vitalidade atual do pop portugues reflete em outras áreas e tem tradução nos Tornados a recuperar o yé yé da década de 60 ou (os grupos) Tigrala, Frango e Branches na música mais experimental”.

O principal canal de divulgação dos novos artistas têm sido a rádio, alguns selos e a imprensa. No que se refere à radio, importante citar o papel da Antena 3 e Henrique Amaro, apresentador do programa “Portugália”. No projeto radiofónico de cultura pop que dirige convivem novos valores portugueses e brasileiros com uma preocupação de coerência estética. “O que me interessa é conseguir contextualizar e colocar Otto ao lado do Hipnótica (banda de Lisboa) fazendo sentido”, explica. O apresentador lisboeta aponta no hip hop os nomes de Valete, “um nome genuíno e forte”, e de Sam The Kid, como peças fundamentais de um género musical que já conheceu melhores dias em Portugal.

A importância de apostar na música alternativa

Na imprensa ganha destaque a maior revista portuguesa de música, Blitz, que tem acompanhando a emergência destes artistas, e o suplemento Y do jornal Público. Em ambos os casos há a preocupação de refletir a realidade emergente. No entender de Mário Lopes, “Tem que se dar destaque ao que está aparecendo e mostrando potencial para marcar uma época”. A mesma ideia é defendida por Vitor Marçal, A& R do selo Iplay: “Estamos atentos aos novos projetos e investimos em quem acreditamos, como é o caso do grupo A Caruma.

Um pouco à margem está a televisão que embora ainda traga programas como “Top +” no canal RTP 1, “Câmara Clara” na RTP 2, e algumas atrações do canal SIC, exibe uma formatação menos atenta às novas realidades. O cenário dos selos independentes ainda não assume posição de aposta maciça em lançamentos, embora possua um raiz própria. De acordo com Henrique Amaro, “o selo Lovers & Lollypops vai lançar dois discos, mas insere-se mais na produção de festas e festivais”. O locutor da Antena 3 destaca ainda outro projeto, o Groovie Records: “Eles fazem uma espécie de arqueologia do vinil recuperando o espólio do rock lusófono da década de 60”.

Os selos estão cada vez mais conscientes da importância da exploração da música alternativa, tendo em conta a fuga para a Internet e os downloads ilegais por parte do público jovem. Para Paula Homem, Diretora Geral de lançamentos da gravadora Valentim de Carvalho, “é importante reconquistar essa faixa de público mais jovem, (que faz downloads ilegais de discos), mas continua a ir aos shows e a identificar-se com os artistas”. Um desses exemplos é a feliz passagem da banda Os Pontos Negros para uma major, neste caso a Universal Music. De resto, e no primeiro semestre de 2010, o share da música portuguesa ultrapassou a marca dos 35%.

O tão desejado sucesso internacional ainda é um previlégio de poucos. Embora a fadista Mariza, a banda de fado pop Deolinda e Moonspell no heavy rock já o tenham conseguido. Segundo Paula Homem, existe uma forma mais adequada de tentar o sucesso no exterior: “Aquilo que um país pequeno como Portugal pode ter para oferecer é muito mais a “diferença”, a característica própria (portuguesa)”.

Uma das apostas fortes da Iplay é a cantora Rita Redshoes, antiga vocalista das Atomic Bees e teclista de David Fonseca. O seu projeto a solo encontra-se num bom patamar junto do público português a nível de concertos e de discos. No entender de Vitor Marçal, “Há algumas hipóteses de internacionalização que estão a ser exploradas pelo management da artista, o qual espera obter os primeiros resultados dentro em breve”.

Embora os ciclos de vida dos grupos musicais sejam cada vez mais lentos, aquilo que a nova geração portuguesa já fez é legado suficiente para ser recordada daqui a 10 ou 15 anos. A questão das vendas de discos ou da crise internacional será sempre secundária em face de uma ética de criação e de construção. A grande conquista da nova vaga passará indiscutívelmente por colocar a música na vida cotidiana de Portugal, ou como diz Henrique Amaro: “pôr os portugueses a olharem-se no espelho”.

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Pedro Salgado (@woorman) é jornalista, reside em Lisboa e irá contar as novidades da música lusitana aos leitores do Scream & Yell.

Veja também:
– Assista também a vídeos de outros artistas citados no texto como Hipnotica (“Soulrise”), Orelha Negra (“A Cura”), B Fachada (“Monogamia”), Aquaparque (“Saude”), Black Bombaim (“Complication”), The Act-Ups (“Alive, Again”), Nicotine’s Orchestra (“Oh, Night”), Fast Eddie & Riverside Monkeys (“Bending Spoons”), Os Tornados (“Catraia”), Tigrala (aqui), Valete (“Educação Visual”), Sam The Kid (“Poetas de Karaoke”), Deolinda (“Um Contra O Outro”), Moonspell (“Night Eternal”) e Rita Redshoes (“Choose Love”).

Leia também:
– Os Pontos Negros: “É bonito falar em triunfar fora de Portugal”, por Pedro Salgado (aqui)
– Os Lábios: “O nosso objetivo é tocar ao vivo”, por Pedro Salgado (aqui)
– A tradição inovadora de B Fachada, por Pedro Salgado (aqui)
– Orelha Negra: “Nosso som funciona mais para tomar um copo”, por Pedro Salgado (aqui)
– Deolinda ao vivo em Lisboa e o triunfo do fado pop, por Pedro Salgado (aqui)
– Peixe : Avi]ao: “Queremos experimentar diferentes abordagens”, por Pedro Salgado (aqui)

24 thoughts on “Especial: A nova cena portuguesa

  1. peixe : avião (eu nunca sei qual é o jeito certo de escrever o nome dessa banda) é uma ótima banda! lançaram o segundo cd deles esse ano, o “Madrugada”.

  2. Nunca se ouviu música de tanta qualidade e diversidade em Portugal. Recomendo irem já, já ouvir o “Oh Night” dos Nicotine’s Orchestra – o Nick Cave do Barreiro. É uma grande música em qualquer parte do Mundo.

  3. Pedro, eu queria te agradecer e parabenizar MUITO por isso! Já tinha pirado no post sobre Os Pontos Negros, baixei tudo deles que consegui achar no google e não parei de ouvir mais…Seu relato da cena musical lusitana me deixou tão feliz e orgulhosa que a empolgação nao cabia mais em mim, então quis vir aqui comentar! hahaha
    eu sou brasileira paulistana até doer, mas minha familia é portuguesa, vieram pra cá nos anos 60 e na minha casa a cultura lusitana é muito forte e valorizada. A última vez que pude visitar Portugal foi há dez anos (eu tenho 21) e na época não tinha idade ainda pra ver shows e ir atrás das bandas de lá, mas desde que eu era adolescente e comecei a tocar, ter bandas e me apaixonar de verdade por musica e pela cena underground tentava achar essas coisas na internet, sem mto sucesso…por isso fiquei felicíssima com os seus textos e dicas aqui!
    Por favor continue escrevendo! Tá tudo muito bacana e me ensinou muito!
    Um grande abraço!

  4. Caramba! Como falar da música em Portugal e nem sequer citar Tiago Bettencourt? Ele tem ótimos trabalhos, tanto na carreira solo quanto nos tempos do Toranja.

  5. Gosto demais do som da Margarida Pinto, poderia comentar dela também 🙂 E o peixe : avião alguns ousam até a dizer que é o Radiohead português, ouvi o disco deles só uma vez, mas vou dar uma segunda chance.

  6. Este artigo revela uma ignorância atroz … Como falar da nova cena portuguesa sem referir a editora amor fúria?!, provavelmente ao selo mais importante para a revitalização da pop rock portuguesa!

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