Cinema: Toy Story 3

por Marcelo Costa

Antes da Pixar, desenho no cinema era – sem juízo de valor, por favor – coisa de nerd ou de criança. Simples assim. Ou a pessoa gostava muito de desenho (pela tecnologia, pelo traço, pelos efeitos) ou não tinha idade suficiente para discernir gente de camundongos. Quem alimentou esse segundo público durante quase 60 anos foi a Walt Disney, com filmes que dominaram o imaginário popular com suas historietas baseadas em contos de fadas.

A Walt Disney pariu dezenas de clássicos, e se você esmiuçar irá encontrar muita coisa que pode encantar adolescentes/adultos no cardápio da produtora, mas ela falava essencialmente de um mundo infantil – com honrosas exceções dentre as quais pode-se incluir “Rei Leão”, de 1994, que fez famílias inteiras chorarem a morte do bondoso Rei Musafa enquanto torciam para o pequeno Simba fugir das garras do tio maquiavélico Scar enquanto criava juízo para brigar pelo que era seu (um arquétipo Walt Disney tradicional).

Um ano depois de “Rei Leão” faturar 780 milhões de dólares em todo o mundo (a marca histórica para uma animação só seria batida nove anos depois por, veja só, uma parceria da Disney com a Pixar, “Procurando Nemo”) chegava aos cinemas “Toy Story”, primeiro longa-metragem da Pixar, lançado pela Disney, um filme de animação em computação gráfica com orçamento de 30 milhões de dólares.

“Toy Story” arrecadou 358 milhões de dólares no mundo todo (um retorno de doze vezes seu orçamento), o que abriu as portas para que a Pixar colocasse seu plano de dominação mundial em ação. Após 15 anos e com 11 filmes no currículo (e cinco dos nove Oscar de Melhor Filme de Animação existentes em casa – a premiação só passou a existir em 2002), é possível dizer sem errar: a Pixar é um tremendo sucesso.


A receita desse sucesso: desenhos para adultos. Mais: desenhos com alma feitos para adultos. Não que uma criança não consiga saborear suas sobremesas visuais – “Monstros S/A”, “Carros” e “Procurando Nemo” são mais acessíveis – mas “Ratatouille”, “Wall-E” e “Up” são obras tão ricas em detalhes e sentimentos que precisam de certa vivência para ser admiradas. Crianças podem se lambuzar com a cobertura, mas não chegam ao recheio.

“Toy Story 3”, o filme que fecha a trilogia aberta lá em 1995 (o episódio 2 chegou aos cinemas em 1999), é um exemplar magnífico de desenho feito para adultos. Seqüencias são na imensa maioria dos casos pura encheção de lingüiça, regurgitação de fórmula, mas “Toy Story 3” foge dessa armadilha apresentando os personagens a novas aventuras em um prosseguimento lógico da história.

O final de “Toy Story 2” já antecipava o tema desenvolvido neste terceiro filme. Andy, o dono dos brinquedos, finalmente cresceu e está de malas prontas para a faculdade. O que irá acontecer com seus velhos brinquedos é a questão discutida intensamente na caixa de papelão pelo cowboy Woody, o patrulheiro Buzz Lightyear e seus amigos Sr. E  Sra Cabeça de Batata, Jessie, o dinossauro Rex, o cachorro de mola Slinky, entre outros.

Woody não acredita que seu dono vá se desfazer de seus brinquedos, mas não consegue convencer seus amigos disso. O sótão (um local neutro) é a alternativa aguardada por todos, mas muitos temem ser levados para a lata de lixo. Eles pensam em fugir (seguindo o conselho do sargento líder dos soldadinhos, que partem em debandada), mas acabam sendo destinados para uma creche. O que parecia ser o paraíso, porém, tem outros desdobramentos.


O roteiro genial de Michael Arndt (“Pequena Miss Sunshine”) – a partir de um argumento escrito por John Lasseter, Andrew Stanton e pelo diretor Lee Unkrich – é o grande trunfo de “Toy Story 3”. Ele leva os personagens para cá e para lá na trama amalucada usando de forma consciente e extremamente bem humorada todos os detalhes que as características dos brinquedos salientam. Nada parece forçado (e o primeiro minuto do filme choca exatamente a ilusão do fantasioso com o drama da vida real – dos brinquedos).

Há pelo menos uns cinco momentos antológicos no quesito comédia em “Toy Story 3” (Buzz e Ken comandam as duas melhores gags, desde já cenas antológicas), mas o filme também tem momentos tensos (para os quais muitas crianças não estão preparadas), se transforma em drama (mas sempre com um q de humor) e sugere tragédia em uma das mais assustadoras, líricas e emocionais passagens que você, adulto, irá assistir em uma grande tela em 2010.

“Toy Story 3” fecha – com chave de ouro – um ciclo na história da Pixar, uma produtora que se notabilizou em usar desenhos computadorizados para desvendar a alma humana. A trama de Woody, Buzz e seus amigos fala da criança que você foi, e que você deixou para trás junto com seus brinquedos. Discute amizade, lealdade, bondade, trauma e o destino daqueles que ficam esquecidos. É apenas um desenho, e também o melhor filme lançado em 2010 no Brasil até o momento.

Leia também:
– “Carros” é semelhante a qualquer boa história da Disney, por Marcelo Costa (aqui)
– “Wall-E” é melhor do que “Up”, por Marcelo Costa (aqui)

Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne

12 thoughts on “Cinema: Toy Story 3

  1. Vi hoje o filme com meu filho e meu sobrinho de 7 e 6 anos respectivamente e digo que eles não aproveitaram o filme como eu, isso tenho certeza. A trilogia como foi dito em seu post é para nós adultos, é disparado um dos melhores filmes do ano. O relacionamento da trupe de brinquedos, lealdade amizade, os conflitos, incerteza quanto ao futuro, união e superação para enfrentar as grandes adversidades são demais. Não me envergonho de dizer que me emocionei ao ver o filme, torci muito , dei grandes risadas.
    TOY STORY mesmo uma das grandes trilogias do cinema, cada um dos três filmes tem o seu lugar o seu valor e são brilhantes sem encher linguiça ou fugir do foco do tema. vale muito a pena ver e rever.
    Ao infinito e além.

  2. Concordo muito, Mac! Toy Story 3 é brilhante para adultos/adolescentes(?), porque traz uma visão adulta da coisa toda, traz saudade, traz amizade/lealdade e, com certeza, nós fomos muito marcados pelo filme que as crianças. Achei brilhante e muito, muito emocionante!

  3. Alguém falou que a grande vantagem de ver esse filme em 3D é que os óculos te permitem chorar sem que ninguém perceba. Mas esse cuidado é desnecessário: todo marmanjo que viu o filme se emocionou.
    Filmaço.

  4. Legal o texto, Marcelo. Bom ver você escrever com tesão.

    Mas como não poderia ser diferente, tenho minhas críticas.
    Não a seu texto, impecável. Mas aos comentadores de plantão, como eu…

    Tarantino e Pixar, não tem erro. Comparar obras de artistas admirados é bobagem.
    Isso é função de gente falsa, como críticos culturais…

    Tudo da Pixar é do caralho. Tudo do Tarantino é do caralho.

    Uma estrelinha a mais ou a menos, foda-se. Estrelas são incontáveis.
    Esses críticos que durmam com seu arrependimento idiota e contínuo.

  5. Uma amiga me disse para não levar minha filha para ver Toy Story 3. Que a história era emocionante demais e com momentos dramáticos demais para uma criança de 6 anos. Concordo, concordo e discordo. Eu a levei para ver Toy Story: eu amei o filme e ela também. Mas vimos filmes diferentes. Eu vi um filme sobre o fim da infancia, sobre despedida, medo da morte, abandono, sobre descobrir-se substituível. Minha filha viu um filme sobre brinquedos que se perdem e acham uma nova vida e novos amigos. Acho que a inocencia acaba “filtrando” coisas que a criança ainda não consegue digerir….

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