Entrevista: Steve Albini

por Elson Barbosa
fotos: Joaquim Prado

A primeira vez que ouvi falar de Steve Albini foi em abril de 1992, na terceira reportagem de André Barcinski sobre a cena underground americana publicada em três edições da revista Bizz. Essa série viraria o imperdível livro “Barulho!”, editado alguns meses mais tarde. A parte de Albini, no entanto, ficou só na revista, uma página inteira em que o então desconhecido produtor mostrava a acidez de suas opiniões chamando o Pixies de “medíocre” e um Nirvana iniciante pré-caos de “lixo da pior espécie”.

Steve Albini produziu a estréia do Pixies (‘Surfer Rosa”) e iria trabalhar com o Nirvana alguns anos depois (nas conturbadas gravações de “In Utero”). Naquela reportagem da Bizz, André Barcinski apresentava Steve Albini assim após um almoço com o produtor em Chicago: “Cara de CDF: magro, óculos grossos. Poderia ser um físico nuclear ou um intelectual. Na verdade, ele é um intelectual, mas um pensador do submundo, do esporro. Sempre primou pelo experimentalismo anticonvencional”. 1992.

Corta para 2010. A primeira coisa que se pensa quando se entra na sala principal do Electrical Áudio, estúdio do produtor em Chicago, é: essa é a casa do Steve Albini. Um sofá enorme e desarrumado ocupa o espaço em frente a uma TV com uma estante repleta de centenas de DVDs e VHS (onde é possível perceber um exemplar de “City of Men – From the Makers of City of God”, de uma tal de Globo Films).

Restos de comida delivery, copos sujos e gatos – três ao todo – são vistos pelos cantos. Uma enorme mesa de bilhar, outra de pôquer, um computador e diversos equipamentos de áudio completam a mobília. A banda brasileira Labirinto está mixando e masterizando “Anatema”, seu novo álbum, no Electrical Áudio, com o produtor Greg Norman, o que permitiu acompanhar o cotidiano de Steve Albini, um dos maiores engenheiros de som do planeta, por uma semana.

Os dias são agitados – diversos músicos e funcionários do estúdio andam pela sala com fitas e CDs em mãos. As noites são mais tranqüilas. É quando o anfitrião aproveita para assistir a programas de pôquer e seriados gravados pelo TiVo com os pés em cima da mesa de centro. Steve Albini mora aqui.

A reportagem da Bizz, de 1992, passava uma imagem de um homem ácido e mal-humorado (e não só ela: diversas outras entrevistas ao longo dos anos corroboraram isso), mas não foi esse Albini que conversou comigo. Durante quase uma hora, ele foi atencioso e bem humorado, respondendo pacientemente a qualquer pergunta. E ele tem tanta história que valia um livro. Alguns possíveis capítulos podem ser lidos abaixo. Ou ouvidos no formato de podcast no site Sinewave, aqui.

Você esteve no Brasil em 2008 para uma pequena turnê com o Shellac. Como foi?

Foi fantástico. As pessoas foram muito legais conosco. Países na América do Sul têm uma reputação, em termos de negócios e detalhes, de não serem muito seguros, das coisas mudarem a cada dia. Você pode organizar um show e ter certos parâmetros, tipo como “o show será nesse lugar nessa data para tantas pessoas pelo preço tal”, e a impressão geral é que essas coisas mudam o tempo inteiro na América do Sul. Nunca é realmente certo. Mas não tivemos essa experiência no Brasil. Tudo foi muito estável e bem organizado.

Teve um show que vocês fizeram em um lugar bem pequeno chamado Votorantim, perto de Sorocaba. Um show gratuito no meio de uma praça.

Ah sim. Foi bem legal. Nós gostamos de tocar em lugares inusitados, mas, mais importante, a banda para nós é uma forma de fazer coisas que nos divertem. Foi uma oportunidade de ir até a América do Sul. Nós provavelmente não iríamos por nossa conta, individualmente. Muitas bandas tentam maximizar o retorno financeiro, como só tocar nas grandes cidades e fazer os grandes shows, mas nós não nos preocupamos muito com isso. Para nós a banda é uma experiência de vida, e nós queremos uma boa experiência de vida. Ajuda se fizermos algum dinheiro, mas isso não é crítico.

É por isso que vocês gravam tão raramente com o Shellac? O último álbum é de 2007.

Nós gravamos quando temos algo para gravar. E nós trabalhamos bem lentamente para criar novo material. Muitas bandas têm uma agenda regular onde eles ensaiam duas vezes por semana ou algo assim, mas nosso ensaio é baseado na disponibilidade do nosso tempo. Por exemplo, nós vamos ensaiar nesse fim-de-semana, durante uns dois ou três dias de uma vez, e para nós isso é uma oportunidade bem rara. Talvez nós não toquemos juntos de novo por mais um ou dois meses.

Vocês acabaram de tocar no Primavera Sound, na Espanha, certo?

Sim. Acho que aquela foi a última vez que tocamos juntos. Não fizemos mais nada desde então, e já faz uns dois meses. Talvez tenha mais um ou dois meses até que nos encontremos de novo.

Eu vi vocês ao vivo no ATP New York 2008. Foi um grande show.

Obrigado.

Uma coisa que achei sensacional foram as sessões de pôquer que você organizou lá.

Sim, esse é um lance legal. O lugar do festival tem um salão de jogos que existe desde que construíram o prédio, sei lá cinqüenta anos atrás, e eles deixam disponíveis para nós. Por que não? “Vamos lá jogar pôquer, vai ser engraçado”.

E qual é a sua conexão com o pessoal do ATP? Você é algum tipo de conselheiro?

Não exatamente. Sou amigo há bastante tempo do Barry e da Debbie, as pessoas que organizam o ATP, e temos uma antiga associação com o festival. Tocamos no segundo ano, e depois fomos curadores de outra edição. Nós tocamos basicamente todas as vezes que eles nos convidam. O ATP é de fato notável. Eles mudaram a maneira como os festivais funcionam, no mundo inteiro. Antes do ATP os festivais eram desses eventos deploráveis só voltados para o lucro, e todas as bandas associadas que tocavam o faziam por alguma razão estranha voltada para o lucro. Ninguém realmente achava que os festivais tinham alguma personalidade. Era somente um caminho para fazer dinheiro fácil durante uma turnê. Ou bandas menores que não eram muito conhecidas usavam os festivais como uma forma de gerar algum interesse na banda, e eles ainda eram obrigados a pagar para tocar em alguns desses festivais. A coisa toda era institucionalizada e bastante desagradável. O ATP de fato mudou tudo. Ter uma banda escolhendo outras bandas, como curadores endossando as outras bandas, e tendo o dinheiro distribuído de uma maneira igualitária entre as bandas, e tendo as bandas e os patrocinadores convivendo juntos de uma maneira mais social… é totalmente único. Isso realmente mudou a maneira como os festivais são organizados. Como o ATP teve sucesso fazendo isso, todos os outros festivais tiveram que melhorar e providenciar uma maior variedade de artistas. Tiveram que tratar melhor as bandas, serem mais igualitários na maneira como as bandas e os patrocinadores são tratados. Eles realmente forçaram outras pessoas a competirem com eles. Tenho muito respeito por isso.

Notei que a vibe era bem diferente de outros festivais que fui.

Sim, é como sair com seus amigos. Isso que é legal no ATP. Não é como gastar dinheiro para ver algum tipo de circo. É como sair de férias com seus amigos. E é essa atmosfera a razão do ATP dar tão certo.

Você mencionou algo sobre bandas pagarem para tocar em festivais. Nós temos uma grande discussão no Brasil, de bandas que bancam para tocar em festivais, enquanto outras acham isso errado.

Isso é utópico. Um festival deve ser organizado de uma forma que bandas que as pessoas gostariam de ver são apresentadas para as pessoas que gostariam de ver as bandas. Se alguém está pagando para tocar significa que existe um critério diferente envolvido, e instantaneamente me faz suspeitar do festival. Me faz achar que há algo fundamentalmente errado. Não necessariamente acho que as bandas que estão pagando para tocar estão fazendo algo errado, só estão fazendo algo tolo. Mas não coloco alguma consideração moral ou ética nisso. Acho que elas estão fazendo algo tolo porque elas estão pagando por algo que elas deveriam estar recebendo. E elas também estão se apresentando para um público que não gosta delas o suficiente para pagar. Então elas estão fazendo um show que talvez não valha a pena fazer, gastando dinheiro pelo privilégio de fazer um show que não vale à pena. É tolo, mas não necessariamente algo eticamente ou moralmente errado. Quem promove, o pessoal que está aceitando esse dinheiro, estes sim estão fazendo algo eticamente errado.

Na verdade existem festivais que ganham dinheiro do governo e, em alguns casos, não repassam o dinheiro para as bandas. Eles dizem não ter dinheiro suficiente. O argumento é de que: “é bom para a sua banda tocar no meu festival, mas infelizmente eu não tenho dinheiro para pagá-lo”.

Se você recebe dinheiro de alguém de fora do festival, e ainda assim perde dinheiro, então você é realmente ruim em organizar um festival e não deveria mais trabalhar com isso. Para fazer lucro com um show na verdade é bem simples. Você organiza o show, estima o seu público, e então organiza o show para que o público pague por isso. E se você fizer de alguma outra forma, então você provavelmente está sendo irresponsável. Não posso respeitar alguém que organiza um festival dessa maneira.

O que você acha de jornalismo musical? Eu estava lendo o fórum do Electrical Audio e vi um post seu com opiniões bem fortes sobre o tema.

Bem, o problema com jornalismo musical é que ele é publicado em um jornal como se fosse jornalismo de verdade, mas no qual os padrões profissionais do jornalismo não se aplicam. Em um artigo normal, se um repórter publica algo fundamentalmente incorreto, como o nome do prefeito ou de um esportista famoso, ele é demitido. Não é aceitável no jornalismo convencional encontrar fatos simples apresentados de maneira errada. No jornalismo musical, ninguém se importa. Você pode publicar um monte de coisas erradas e só rola um: “ok, não tem problema, não importa”. Não é levado a sério. Jornalismo musical não é levado a sério como jornalismo nem pelas pessoas que o praticam, nem pelas publicações que o usam. Então, um monte de informação errada é publicada e acaba virando registro histórico. Se alguém escreve algo incorreto em um jornal ou em um website e depois dez outros jornais ou websites fazem referência a essa informação errada, isso se transforma em algo inconcreto, e dali para frente vira história. E eu acho isso terrível, porque existe jornalismo de verdade que poderia ser feito. Tem um monte de assuntos que tem a ver com música. Por exemplo, o que você descreveu, de bandas pagarem para tocar em festivais, ou festivais aceitando dinheiro do governo e sendo tão ineficientes que não podem pagar as bandas, isso são pautas para jornalismo de verdade. Alguém deveria escrever sobre isso. O público de música se interessaria por isso. Poderia ser jornalismo de verdade. Mas ninguém está escrevendo esses artigos. Ao invés disso eles estão escrevendo coisas como o que essa pessoa está vestindo, ou que tipo de maquiagem esse outro está usando, quem está namorando com quem ou quem usa drogas, essas coisas. Isso é merda, pura merda. E mesmo nessa área limitada de merda, jornalistas musicais podem publicar erros fundamentais que ninguém se importa.

Eu tenho amigos jornalistas e o que eles dizem de publicar artigos estúpidos, como o que as pessoas vestem, acabam tendo mais leituras. Eles acompanham os links nos sites e portais e esses artigos são sempre os mais lidos. As pessoas realmente querem saber o que os outros estão vestindo.

Não existe nenhuma lei que diz que jornalismo deve ser feito para as pessoas mais estúpidas do mundo. Se o seu jornalismo é feito para atrair o máximo de pessoas de algum tipo para lerem o que você escreve, então não há razão para fazer algo específico em música. Porque se você escrever sobre outra coisa, então mais pessoas vão ler. Se você escrever sobre a Copa do Mundo, mais pessoas vão ler do que sobre música, então por que você está escrevendo sobre música? Se você decidiu que quer escrever sobre música, essa é uma decisão sua não baseada no que é mais popular. Então você tem uma obrigação de levar isso a sério, porque você escolheu escrever sobre música. O argumento de que isso é mais popular, “é isso que as pessoas gostam”, não significa nada para mim. Porque o que é popular, o que as pessoas gostam, é de McDonald’s, Coca-Cola. Isso é popular. Mas não é necessariamente a melhor coisa para comer ou beber. E se você escrever sobre comida, talvez você deva escrever sobre as melhores comidas que as pessoas podem comer ou beber, ou dizer que tipo de problema elas teriam se elas só comessem McDonald’s e tomassem Coca-Cola.

Vou listar nomes de algumas bandas com quem você trabalhou, e gostaria que você dissesse algumas palavras de como foi trabalhar com elas.

Claro.

Começando com o Mono. O que você lembra deles?

Mono é uma banda muito especial. Taka, o principal compositor, tem uma visão bem pura de como a sua música deve soar. Ele tem uma idéia completa do som na sua cabeça. A realização disso acaba sendo quase uma formalidade, porque ele já tem a música pronta. A banda é extremamente bem ensaiada, e músicos muito, muito bons. Então gravar as sessões do Mono é na verdade muito fácil. Eles são excelentes músicos, tocam bem, eles entendem bem a música, e Taka tem uma ideia muito clara de como a música deve soar. Eu tenho muito respeito por essa banda.

Eu vi umas fotos no Myspace deles gravando aqui, todas aquelas sessões de cordas, bem bonito.

A mulher que fez os arranjos é de Chicago, seu nome é Susan Vells. Ela é uma excelente violinista, e ela e Taka têm um bom relacionamento. Ele pôde explicar coisas para ela sobre orquestração das cordas, e ela pôde fazer de uma forma bastante natural e fácil. O relacionamento deles é uma parte importante do porquê os discos soam tão bem.

Slint.

Eles eram uma banda incomum. Na época da gravação eles eram bem novos, mas eram amigos desde criança, e tinham o seu próprio vocabulário, sua própria linguagem. Sabe, grupos de amigos próximos desenvolvem essa forma interna de comunicação que é realmente única para esse grupo de amigos, e a banda é bem isso. Acho que eles melhoraram com o tempo. Vi os caras ao vivo várias vezes, e eles eram fantásticos. E vi os shows da volta, e achei que a maneira como a banda recriou o som dos discos foi muito boa. Mas foi uma experiência diferente vê-los ao vivo quando eles eram uma banda ativa. Porque era algo menor e mais próximo, mais informal.

Mogwai.

Caras muito engraçados. O bom humor dentro da banda era bem alto. Eles também têm uma idéia bem clara de como a música deve soar. Eu só trabalhei em uma ou duas coisas com eles, mas gostei da companhia. Já encontrei com eles várias vezes em festivais. E eles nos ajudaram pessoalmente no passado, quando fizemos um show em Edimburgo, na Escócia, e não levamos equipamento, e eles nos emprestaram todo o equipamento deles. São caras muito legais.

Lembro que vocês gravaram só uma música, “My Father My King”. Existem outras?

Acho que naquela sessão eles gravaram uma ou duas coisas, mas não lembro exatamente. Não sei se alguma outra coisa foi usada.

Godspeed You! Black Emperor.

Havia um monte deles. Tinha uns nove ou dez da banda. Nós não terminamos o disco, só gravamos aqui e eles mesmos mixaram no Canadá. Deu muito trabalho. Lembro de dias longos em que a banda fazia um take, e cada um fazia algo adicional. Quando eu fechava com um cara, ele saía para comer ou dormir e outro cara vinha, e quando eu fechava com ele, outro cara aparecia. Então tinha um ciclo de pessoas aparecendo no estúdio, saindo e entrando. E eu basicamente não fiz nada além de sentar na técnica, dormir, acordar e voltar a trabalhar. Então teve muito trabalho. Mas eu acho sensacional o fato de como uma banda pode ter tanta gente e conseguir chegar a algum resultado. Chegar a um consenso ou acordo com tantas pessoas envolvidas é incrivelmente difícil, então tenho muito respeito por eles. Desde que trabalhei naquele disco, Morrow, o baixista, abriu uma casa de shows em Montreal, o La Sala Rossa, onde o Shellac tocou, e foi uma ótima experiência. Um cara muito legal e uma ótima casa de shows.

Eles estão voltando, você viu?

Sim, eles estão fazendo um All Tomorrow’s Parties. E o line-up parece ótimo, bem interessante.

Você sabe se eles têm planos de gravar algum material novo?

Não ouvi falar nada, não sei.

Om.

Om é uma banda bastante contemplativa. Eles pensam no que fazem de uma forma bastante séria. Mesmo se for algo bastante simples, eles querem que seja tudo perfeito e bem específico. E às vezes é ilusório ter algo realmente simples. O seu primeiro instinto é que se é simples então deve ser fácil fazer. Mas sendo simples, as menores imperfeições se tornam aparentes, e se essas imperfeições incomodam isso pode se tornar um grande problema. Eles levam a música muito a sério e acho que é ilusoriamente simples. Parece muito simples e minimalista, mas na verdade existe muito esforço para chegar nessa simplicidade.

Eu fiz um top 5 de melhores discos de 2009 para um website [Scream & Yell], e notei que nesse top 5, três deles foram gravado por você – “God Is Good”, do Om, “Hymn To The Immortal Wind”, do Mono, e o terceiro foi “Further Complications”, do Jarvis Cocker.

Um disco diferente dos outros.

Sim. Como foi trabalhar com ele?

Jarvis é um cara muito engraçado. Muito esperto e genuíno. Tenho muito respeito por ele. Tenho que admitir: eu não tinha nenhuma familiaridade com a sua banda, o Pulp. Acho que ouvi algo deles talvez uns vinte anos atrás. Mas não conhecia nada da sua música. Então quando ele veio gravar foi como conhecer alguém sem nenhuma expectativa. E a gente se deu muito bem, tanto que o considero um amigo. A banda era muito calibrada, excelentes músicos. E ele tinha um ótimo relacionamento dentro da banda, dando muito espaço para que todos se expressassem. Ele nunca criticou algo, “não faça isso, você tem que fazer dessa forma”. Ele era mais gentil e indulgente, e acho que trabalhava muito bem com a banda.

The Jesus Lizard.

Eu trabalhei com eles há muito tempo (entre 1989 e 1994, quando a banda lançava discos pelo selo Touch and Go). Eles voltaram recentemente para uma turnê, e fiquei totalmente satisfeito com a reunião. Percebi que eles ainda eram dignos de confiança. Vê-los em 2009 era praticamente o mesmo que vê-los em 1994 ou 1995, basicamente a mesma experiência. Com a exceção de que o público não estava surpreso. Nos primeiros anos, eles às vezes abriam para alguma outra banda – o Sonic Youth, por exemplo – e encontravam um público inesperado. E esse público algumas vezes era inicialmente insultado, e logo depois eventualmente convencido. Vi isso acontecendo noite após noite nos anos 90. E depois eles se tornaram algo como uma banda heróica, com seu próprio público. Foi legal vê-los voltando e tocando para um público 100% compreensivo e a favor da banda. E acho que fizeram um grande trabalho na reunião. A escolha das músicas, a execução, tudo foi muito legal.

Fugazi.

Fugazi era uma grande banda. E eram também pessoas tremendas, muito generosas com as bandas com quem eles tocavam. Nós fizemos alguns shows juntos pelos EUA, Austrália e Inglaterra e eles eram sempre generosos, super divertidos e legais para andar junto. Eles tinham uma reputação de serem sérios e frios, mas em um nível pessoal eles não são assim. Na verdade são muito divertidos e calorosos. Me diverti muito tocando junto com eles. Pessoas muito legais.

O disco acabou não saindo?

Eu fiz uma sessão com eles… eles estavam trabalhando em músicas que acabaram virando o “In On The Kill Taker”. Eles tinham acabado de compor algumas faixas do disco e gravaram tudo imediatamente. Depois de alguns meses eles fizeram algumas mudanças nas músicas, tomaram algumas decisões de como elas deveriam ser gravadas, e então regravaram o álbum. Eu fiquei bem contente com o álbum regravado, não tenho nenhuma reserva deles não terem usado as sessões que fizemos. Eles melhoraram o material e melhoraram a própria banda durante esse período de alguns meses, então achei legal. Foi uma grande experiência. Eles aprenderam algo com isso, e também se tornaram mais auto-suficientes. Acho que foi uma grande coisa.

Pixies.

Devo admitir que nunca fui um grande fã dos Pixies. E quando ouço a música deles hoje, continuo não achando grande coisa. Acho que eles são uma boa banda, não tem nada de errado com eles. São genuínos, bons músicos e etc. Mas a música deles não me diz nada. Sou meio surdo para isso. Mas eu tive uma boa experiência trabalhando com eles (no “Surfer Rosa”), estou feliz que eles se tornaram um sucesso.

Eu estava lendo aquele livreto do ATP Nightmare Before Christmas e tinha uma história engraçada sobre a Kim Deal ter botado fogo em um roupão que você deu a ela.

Ela estava passando por um período no qual bebia e se drogava muito. Ela estava meio que dando uma festa para ela mesma, e acabou botando fogo no chalé (risos). Eu não sei os detalhes, mas foi só um episódio e acho que não deu em nada. Ela certamente não se comporta dessa forma hoje.

Mas então foi uma história séria? Lendo pareceu uma história engraçada.

Foi engraçado! Digo, ela botou fogo no apartamento. Foi engraçado.

Ela mencionou que ela botou fogo no roupão que você deu a ela.

Sim. Eu não lembro mesmo dos detalhes. Mas enfim… Pixies era uma boa banda. Fico contente que as pessoas gostem deles. Uma das coisas legais de ter feito esse disco com eles é que desenvolvi uma relação com a Kim (Deal), e desde então trabalhei em vários discos do Breeders (entre eles “Pod”, “Title TK” e “Mountain Battles”). Acho esses discos incríveis. São discos muito estranhos, e são produtos do processo de raciocínio dela, que é único. Ela realmente pensa como ninguém mais que eu conheço na música. Acho que existe um paralelo entre ela e o Slint. O som específico da música deles é familiar, mas a organização, a apresentação, os detalhes, as pequenas diferenças entre eles e as bandas que soam como eles, fazem a música do Breeders e da Kim única, assim como a do Slint. Não acho que existe necessariamente uma correlação do fato de que Britt (Walford), do Slint, tocou num breve período com o Breeders. Digo que a percepção musical e a execução da Kim é única, e o mesmo acontece com o Slint.

Jimmy Page & Robert Plant.

Trabalhar em um disco com esses dois caras foi uma experiência sensacional. Porque eles são superstars famosos, e sair com superstars famosos por quatro ou cinco meses é algo louco. Porque você ouve grandes histórias todos os dias, e poder ver como esse mundo é – mesmo por um curto período – é muito legal. Por uma perspectiva de fã mesmo. Eu fiquei bastante feliz com o disco que eles gravaram (“Walking into Clarksdale”, de 1998). Acho que é um bom disco e tem qualidade. Fiquei contente de vê-los trabalhando juntos em algo, porque teve um período em que Robert Plant foi meio que um funcionário do Jimmy Page. O Led Zeppelin dava essa impressão. E quando o Led Zeppelin terminou, Jimmy Page se tornou meio recluso e trabalhou pouco com música, enquanto Robert Plant se tornou um vocalista solo de sucesso. Então ver que eles conseguiram botar essa história de lado para trabalhar novamente juntos foi uma coisa muito legal. Para eles e para o legado de sua música. O disco que eles fizeram será inevitavelmente comparado com os discos do Led Zeppelin, e quase todos os discos diminuem comparados aos discos do Led Zeppelin. Inevitavelmente existirá alguma crítica comparativa, então não deveria ser surpresa que as pessoas não achem o disco do Page-Plant melhor que os discos do Led Zeppelin. Mas eu ainda acho que é um grande disco. Fiquei contente com ele.

E o último deles, Nirvana. Talvez seja um dos mais polêmicos que você gravou.

Quando eu trabalhei com eles, eles eram uma banda totalmente normal. Caras da minha idade, mesmo grupo, fãs do Killdozer – e eu era um fã do Killdozer. Não tinha mesmo uma diferença muito grande entre nós. Mas eles tinham ficado super famosos por mais ou menos um ano, e suas vidas mudaram completamente. Acho que eles ainda estavam se acostumando com o quanto eles estavam famosos, e ainda se sentiam desconfortáveis isso. Acho que consegui me comunicar com eles no estilo deles, da maneira como eles viviam dois ou três anos antes, quando eles eram somente uma banda qualquer. Acho que eles gostaram de eu não tratá-los como uma pessoa da indústria da música os tratava. Eu os estava tratando como um cara de uma banda os trataria. Eu não era um grande fã do Nirvana quando começamos o disco, mas com o tempo comecei a ser mais complacente com a música deles. Acho que eles eram totalmente honestos e genuínos, e os respeito.

Tem algum disco que você gostaria de ter gravado? Você ouve o disco e pensa “eu gostaria de ter feito isso”?

Bem, tem discos que foram importantes para mim, e seria legal ter estado envolvido para ver como foram feitos. Como os primeiros do Ramones. São grandes discos, e eu teria adorado estar lá enquanto tudo aquilo estava acontecendo. Não muito pelos discos em si, mas mais por fazer parte daquele mundo, quando os Ramones eram uma banda iniciante, e eram a primeira e única banda daquele jeito. Teria sido bem legal ver isso. Eu ouço muitos discos de classic rock, e acho que deve ter sido uma grande experiência estar por ali enquanto estavam trabalhando neles. Como os discos do AC/DC, Alice Cooper, ZZ Top, Neil Young & Crazy Horse, qualquer um desses discos clássicos. Você consegue imaginar a banda tocando algumas dessas músicas e vindo para a técnica para ouvir a gravação e todo mundo achando muito bom. Além de tudo você está próximo do Neil Young, você está sentado próximo do Neil Young, isso seria muito legal. Mas eu não fantasio muito sobre isso. Não penso muito em coisas desse tipo. Estou bastante contente com as bandas com quem trabalho. Sou bastante complacente com as bandas que vem aqui e fico feliz que eles querem que eu trabalhe nos discos deles.

Você recusa bandas? “Eu não gosto da sua banda, eu não deveria fazer o seu disco”?

Basicamente não. Acho que já recusei uns dois discos na minha vida, mas isso aconteceu há muito tempo. Hoje eu acho que não recusaria ninguém (risos). Acho que meu trabalho é mais ou menos como um barbeiro, ou algo parecido. Se você entra em uma barbearia, “eu gostaria que você cortasse o meu cabelo”, e o barbeiro dissesse: “não, eu não gosto do formato da sua cabeça”, isso seria um insulto. Acho que não seria uma boa conduta profissional do barbeiro. Eu sinto da mesma maneira sendo um engenheiro de gravação. Se alguém quer vir aqui e gravar a sua música e quer que eu o ajude, eu devo fazê-lo. É simples assim.

Esses dois discos que você recusou foram por razões artísticas ou de negócios?

Principalmente por questões malucas de negócios. E como eu disse, faz muito tempo e não me sinto confortável falando disso.

Você conhece algo sobre música brasileira?

Não tenho muita familiaridade com música brasileira, para ser honesto. Minha namorada é uma grande fã do CSS, e é só o que eu conheço. Alguma outra coisa sobre música brasileira contemporânea… Tom Cary gravou aqui.

Quem?

Uma banda chamada Tom Cary.

Do Brasil? Não conheço essa.

Acho que são do Brasil.

Teve uma banda do Brasil chamada Debate.

Teve o Debate. Mas tenho que checar para ver se não estou confundindo. [Verifica no Myspace]. Desculpe, é da Espanha. Confundi-os com alguma banda da América do Sul. Não tenho familiaridade com música brasileira.

Uma última pergunta – você mencionou que vai ensaiar com o Shellac. Vão gravar material novo?

Eventualmente, sim. Nós temos algumas músicas que não foram gravadas que queremos gravar.

Legal, obrigado pela conversa, foi muito legal.

Sem problema. Como eu digo “goodbye” em português?

“Tchau”, “obrigado”.

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– Elson Barbosa toca baixo no Herod Layne e é um dos capos do selo virtual Sinewave. Essa entrevista foi publicada originalmente no formato podcast no site da Sinewave. Ouça aqui.

39 thoughts on “Entrevista: Steve Albini

  1. Pessoal de bandas e festivais deveriam ler alguns parágrafos aqui tipo MANTRA e para de inventar desculpa para tudo. Tomara que essa entrevista tenha tanta repercussão quanto a carta aberta do João Parahyba…

  2. Muito boa mesmo a entrevista. Gosto muito da figura de Albini, apesar de ter algumas (poucas) ressalvas a ele como produtor.

  3. Caramba, o cara gravou Godspeed!, Fugazi, Mono, Mogwai, Nirvana e Slint! Produtor fundamental da historia recente do rock.

  4. Steve Albini é foda. Algo parecido com o jim o`rourke.

    É incrível ver o rumo que ele dá ao disco, mesmo que se considere técnico
    de som e não produtor. Vide In Utero e resto do Nirvana, Calcination da Scout Nibllet,
    entre outros.

  5. Bacana, mas o Barulho é importante apenas por ter relatado em português o que estava acontecendo no cenário roqueiro. Reli o livro tempos atrás e o texto é tenebroso, sem contar a mania do autor de em todos os textos sacar um “banda tal é a trilha sonora dos carrinhos de cachorro-quente”. O trecho citado no início mostra bem a pretensão porralouca vazia. Quanto ao Albini, um grande produtor, que alcançou o auge justo com as duas bandas que não gostava.

  6. Realmente eu tinha visão dele ser meio babaca, mas foi uma ótima entrevista e ele pareceu atencioso e simpático. Valeu por compartilhar =)

  7. elson, o debut do pixies é ‘come on pilgrim’
    penso que albini tem muita inveja do sucesso do pixies.
    nevermind

  8. Elson, excelente matéria!!!

    Acho que eu perguntaria as mesmas coisas que você perguntou (hehehe).

    p.s: queria saber como ele gravou as baterias do In-Uter o e do Walking into Clarksdale. Isso tupergunta depois… ; )

  9. acompanho o trabalho do cara há tempos também.

    ele já gravou mais de mil discos de mil bandas. gênio. ele tem um um texto foda chamado ‘the problem with music’, essencial pra quem quer montar ou acabou de montar uma banda.

    e tem um site fodasso com bastante material dele, site de fã, http://petdance.com/actionpark/

    leiam o ‘our band could be your life’, essencial. é como se fosse um ‘please, kill me’, mas com mais conteúdo, sem fofoca.

  10. Tenho algumas (poucas) ressalvas em relação ao Albini como produtor. Mas admiro muito a personalidade dele como pensador do underground americano e esta ótima entrevista me surpreendeu, pois sempre o via como um cara mal humorado que atacava todo mundo que fazia qualquer concessões sonora.

  11. Tenho 35 anos e comecei a escutar música em 1991 (óbvio), nesses 23 anos, nunca encontrei uma alma viva que não gostasse de Pixies também…

    Achei, e é o Steve Albini!!

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