Especial: Virada Cultural 2010

por Tiago Agostini
Fotos: Divulgação

A Virada Cultural em São Paulo funciona geralmente assim: você faz uma programação gigantesca e no final acaba perdendo metade dos shows que queria ver pelos mais diversos motivos, entre eles a distância dos palcos e a dificuldade de se locomover com rapidez pelas ruas lotadas. E não adiantar diminuir a programação pessoal: você vai acabar perdendo um outro grande show. Paciência.

O começo da noite do roteiro Scream & Yell foi nos palcos dos independentes. O Black Drawing Chalks fez um show quente para um belo público – em todos os sentidos. Os goianos comandaram a platéia receptiva com seus riffs circulares, instigando as obrigatórias rodas de pogo e fazendo as primeiras filas baterem palma com os braços para cima durante quase toda a apresentação. A jogar contra apenas um fator, que assombrou os dois palcos montados a um quarteirão de distância na rua Cásper Líbero: os problemas sonoros. Ora embolado, ora com o PA abafado, o som foi o grande vilão da noite.

Pontual, Tulipa Ruiz sucedeu os goianos no outro palco da rua reduzindo o nível de testosterona no ar a quase zero e apresentando as músicas de seu primeiro CD, “Efêmera”, a ser lançado no final do mês de maio. Mesmo com as falhas no som, as canções que concebem desde já um dos melhores discos nacionais do ano se fizeram notar, com destaque para a belíssima “Às Vezes”, que conquistou fãs à primeira ouvida. Definitivamente, há algo de mineiro no carisma dessa paulistana que arrebata naturalmente.

Ainda deu tempo de conferir a apresentação da Camaronês Orquestra Guitarrística, que mistura referências díspares como surf e glam num rock instrumental que, apesar de bem executado, acaba não convencendo. Uma caminhadinha rápida pelo entorno iluminado da Estação da Luz para encontrar, na Praça Julio Prestes, a cantora CéU. Mais uma vez, a potência do som atrapalhou, agora em um palco com proporções bem maiores. De qualquer forma, a delicadeza do repertório suingado da cantora talvez não tenha como melhor local um show ao ar livre, onde se perdem as nuances do espetáculo. Foi tudo correto, mas poderia ser melhor.

Uma das agruras da Virada consiste em você ficar parado em algum lugar que não queria estar por culpa da muvuca. Conselho: nunca tente atravessar uma multidão no meio de um show de reggae. A chance de você perder uns 20 minutos (com sorte, só isso, se não a carteira e o celular podem ir juntos) é enorme. Enquanto isso, no Palco Brega, no Arouche, Sidnei Magal regia o coro dos embriagados. A madrugada iria bem longe.

No domingo, às 13h30, o Raimundos entrava no palco da avenida São João para aquele que deveria ser um show redentor aos olhos do agora vocalista Digão – junto com Canisso, um dos membros originais a restarem na banda candanga. Digão, de fato, logo no começo do show mandou um “eu esperei muito tempo para estar aqui”. Para uma banda que ano passado tocou no Outs, ver a avenida São João gritando “Raimundos” não podia deixar de ser emocionante. Mesmo que o público que ocupava o gargarejo pedisse insistentemente “Sol e Lua”, canção do álbum lançado na internet “Pt qQ cOizAh” e não reagisse com o vigor esperado a clássicos como “Nega Jurema”, por exemplo. Fato é que o volume do canto da platéia era bem menor do que outrora, no auge de seu sucesso.

Reações do público à parte, é preciso dizer que a banda no palco continua afiadíssima. Digão é um bom frontmen, incitando a galera a abrir rodas de pogo pela avenida. Ignorando o repertório de “Lapadas no Povo”, o show fez uma mescla das músicas dos outros três álbuns de inéditas gravados com Rodolfo (sem considerar o híbrido “Cesta Básica”). No palco é legal recordar a força das canções dos dois primeiros álbuns e a genialidade cínica de “Só No Forévis”, principalmente de “A Mais Pedida”, executada com o auxílio de Pitty.

Ao final, em êxtase, Digão teve que cortar músicas do repertório pelo tempo avançado mas encerrou o show com uma vibrante e indefectível “Eu Quero Ver O Oco”. Apesar do cheiro de naftalina no ar, foi uma apresentação divertidíssima.

Ainda tinha Arnaldo Antunes a se ver, mas sem chance. No final, Virada é meio que isso: mesmo que a programação deste ano estivesse mais fraca, o grande barato acabam não sendo os shows, e sim o clima do evento, andar pelas ruas cheias de gente e confrontar o público com o descaso do poder público em relação ao centro da cidade. Os shows são meio que coadjuvantes, você passa e vê o que dá.

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Tiago Agostini é jornalista e assina o blog A Balada do Louco

Leia também:
– Virada 2007: Paulinho da Viola, Maria Alcina, Garotos Podres (aqui)
– Virada 2008: Luiz Melodia, Vanguart, Tom Zé, Ultraje (aqui)
– Virada 2009: Wando, Odair José, Los Sebozos Postiços (aqui)
– Virada 2010: Céu, Tulipa Ruiz, Raimundos (aqui)
– Virada 2012: Man Or Astro-Man, Defalla, Titãs, Pinduca (aqui)
– Virada 2014: Ira!, Juçara Marçal, Falcão, Pepeu Gomes (aqui)
– Virada 2015: 51 shows que o editor do Scream & Yell gostaria de ver (aqui)

8 thoughts on “Especial: Virada Cultural 2010

  1. Em relação a afirmação do Tiago sobre os cuidados a se tomar no palco Reggae da Virada, acredito que o perigo seja pelo fato de que os shows desse estilo foram realizados na região da cracolândia. Eu fui com um amigo em direção ao referido palco e no caminho já sentia um clima barra pesada, bem diferente de todos que já vi em outras viradas. Antes de alcançar o local presenciamos umas três, quatro confusões, inclusive uma um jovem sendo agredido violentamente. Nem ficamos para o show do Tribo de Jah. Isso não tem nada a ver com Reggae e sua filosofia, parecia um show dos Racionais, se bem que nem sempre isso ocorre em show de rap. Acredito que o local seja inadequado, e a população da cracolândia se mistura aos verdadeiros regueiros.

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