Cinema: O Segredo dos Seus Olhos

por Marcelo Costa

Benjamin Espósito acaba de se aposentar. Divorciado e com tempo livre após tantos anos de trabalho como oficial de justiça, nosso amigo decide virar escritor. Não é uma decisão que acontece de uma para outra, pois Espósito já carregava o tema de seu livro na memória durante anos e anos. Ele queria escrever um romance tendo como base a história real de um assassinato brutal em Buenos Aires acontecido em 1974, e tudo que movimentou as investigações.

Espósito é escalado, visita a cena do crime, e fica atordoado. Uma bela garota, Liliana Coloto (a jovem modelo argentina Carla Quevedo), está jogada em um canto do quarto, entre a cama e a parede, estuprada e ensangüentada. Seu marido, Ricardo Morales (Pablo Rago), estava trabalhando – e entra numa espiral lógica de decadência. A investigação começa, mas para a polícia manter alguém preso na Argentina em 1974, só mesmo se ele fosse contra o governo ditatorial (e ele não ficaria preso, desapareceria).

Os dois parágrafos anteriores cobrem apenas 10% da trama de “O Segredo dos Seus Olhos”, oitavo filme do diretor Juan José Campanella, e sua quarta colaboração com o ator Ricardo Darin (aqui como Benjamin Espósito). A película mais célebre da parceria é “O Filho da Noiva”, de 2001, indicado ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro. “O Segredo” foi além: levou para a Argentina a estatueta dourada batendo o favorito da banca de apostas de Hollywood, “A Fita Branca”.

Quer saber: o Oscar de melhor filme estrangeiro foi pouco e não dá a real dimensão qualitativa da obra, pois “O Segredo dos Seus Olhos” não foi só o melhor filme estrangeiro de 2009, mas sim o melhor filme de 2009 e um dos melhores dos últimos anos em qualquer língua. Juan José Campanella conseguiu brilhantemente o feito de unir comédia, suspense e romance num mesmo filme sem que a narrativa perdesse o fôlego e/ou descambasse para um pastiche cinematográfico.

O roteiro, excelente, leva o espectador de um lado para o outro sem o deixar perdido, e isso é um mérito. Não é fácil chocar o público com uma imagem brutal e fazê-lo rir na seqüência com uma piada infantil e funcional, fruto da belíssima atuação do ator e humorista Guillermo Francella como Pablo Sandoval, braço direito de Benjamin Espósito e bebum inconseqüente. Francella é responsável por alguns dos melhores momentos solo do filme, mas “O Segredo dos Seus Olhos” vai além.

A cena do estádio (de tirar o fôlego) e a premissa sobre vícios são brilhantes, mas o que faz de “O Segredo dos Seus Olhos” um filme imperdível é sua sobrevivência pós-sala de cinema. Dezenas de filmes se esgotam na sala escura e são esquecidos como a pipoca e o refrigerante que o acompanharam. “O Segredo dos Seus Olhos”, no entanto, é para ser discutido na mesa de bar, na sala de jantar, na fila do ônibus. A discussão pode ser longa, e dirá mais sobre você do que sobre o filme. Ponto para Campanella.

“O Segredo dos Seus Olhos” é o tipo de filme feito com cuidado extremo sem desmerecer nenhum dos preceitos básicos do bom cinema. Roteiro e atuações se destacam, mas edição e fotografia também têm seus momentos, e tudo junto prova que é possível fazer cinema de qualidade com apenas R$ 10 mil – uma cifra cômica para padrões de Hollywood. “O Segredo dos Seus Olhos” é um bom exemplo, e continuará sendo nos próximos anos, de que basta uma câmera na mão e boas idéias na cabeça para se fazer um grande filme. É só ter uma boa história para contar. Campanella, pela segunda vez na vida, tinha. Não é acaso.

Leia também:
– “Clube da Lua”, de Juan José Campanella, por Marcelo Costa (aqui)
– “A Fita Branca”, de Michael Haneke, por Marcelo Costa (aqui)

11 thoughts on “Cinema: O Segredo dos Seus Olhos

  1. É isso mesmo. Depois que saí do cinema, a cena da fazenda ficou se repetindo na minha cabeça várias e várias vezes. Digamos que foi difícil voltar o queixo para o seu devido lugar…
    E é visível a evolução do Campanella como diretor e roteirista, né?
    Eu quero ler o livro do Eduardo Sacheri… mas acho que esse será um daqueles casos em que o filme ficou bem melhor do que o livro no qual foi baseado. E, na minha opinião, isso não acontece muito!

  2. Victor, na verdade a cifra é menor: foram 2.7 milhões de euros ou 3.5 milhões de dólares para fazer o filme, o que em se tratando de Argentina é muuuuuito dinheiro (tanto que o filme é uma co-produção Argentina e Espanha). Ou seja, o valor total é uns 7 mil reais.

  3. O filme é sensacional. O interessante é que o olhar denuncia o assassino por duas vezes. Esse detalhe e mais um monte de outras particularidades, tornam o filme muito especial.
    Argentina 1 x 0 Brasil. Vai ser difícil empatar o placar do Oscar, porque as nossas produções são feitas pretensiosamente pensando nesse prêmio ou então não tem identidade nenhuma. Acho que o Campanella não pretendia nada além de fazer um filmaço.

  4. Clube da Lua é, na minha opinião, um dos melhores filmes dos últimos tempos. Se este for melhor que Clube da Lua…

  5. Nossa, fui ver sem nenhuma pretensão e saí maravilhada, extasiada, do cinema.

    Merecia, com certeza, o Oscar que Guerra ao Terror tão estranhamente faturou. Porém, sabem como é… A Academia adora renegar grandes mestres do Cinema.

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