A era mais criativa de Hollywood

por Gabriel Innocentini

Nastassja Kinski transava com todos os diretores de seus filmes. Quando brigava com a namorada, Robert de Niro a presenteava com um frasco de perfume. Martin Scorsese ouvia “London Calling” enquanto o set de filmagem não estava pronto. Dennis Hopper se gabava de ter introduzido a cocaína nos EUA. Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola e William Friedkin, emparelhados num sinal vermelho e dentro de suas respectivas limusines, discutiam quem tinha mais indicações ao Oscar em 1972. Coppola encerrou a conversa com um argumento simples: “O Poderoso Chefão, 150 milhões de dólares!”.

Se ficasse apenas nisso, “Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’rRll Salvou Hollywood” (tradução de Ana Maria Bahiana) seria apenas um compêndio de fofocas e bastidores do cinema norte-americano dos anos 1970. Mas Peter Biskind consegue usar todos os relatos e histórias como pano de fundo para contar a ascensão e a queda de diretores como Steven Spielberg, George Lucas, Robert Altman, Hal Ashby e Martin Scorsese, entre outros, na Meca do cinema industrial.

O ponto de partida é o filme de Arthur Penn, “Bonnie & Clyde”, de 1967. Se soubesse que a obstinação de Warren Beatty em produzir “Bonnie & Clyde” seria o começo da decadência dos grandes estúdios, Jack Warner jamais teria permitido que o filme fosse lançado.

“Bonnie & Clyde” abriu um precedente ao ter Warren Beatty como produtor. Nunca em Hollywood um ator, ou seja, alguém que não fosse dos altos cargos administrativos da indústria, teve o poder de controlar um filme como Beatty. A idéia, bem-sucedida, gerou a criação da BBS, uma empresa de cinema desvinculada dos estúdios tradicionais e poderosos de Hollywood. Capitaneada por Bert Schneider, Bob Rafelson e Steve Blauner, a BBS permitiu a Dennis Hopper realizar o seu projeto conjunto com Peter Fonda e Jack Nicholson: “Easy Rider”.

O filme que marcou a história da contracultura mostrava dois rebeldes que viajavam de moto pelas estradas dos EUA, destilando sua raiva contra a autoridade estabelecida, mostrando uma maior liberdade sexual e promovendo a celebração da cocaína na tela grande. Além disso, marcava também uma inovação no tratamento cinematográfico, ao propor uma narrativa acelerada e muitas vezes caótica, influenciada pela ascensão do documentário e pelo prestígio da Nouvelle Vague.

Mas se o sucesso de “Easy Rider” estabelecia o futuro da próxima década em Hollywood – isto é, filmes de novos cineastas produzidos por eles mesmos e com grande liberdade artística, geralmente a baixos custos –, o ano de 1969 já continha o germe da destruição: as drogas já começavam a cobrar seu preço, Woodstock se revelou uma catástrofe de desorganização (que poderia ter tomado proporções desastrosas), Charles Manson promovia a chacina histórica na casa de Roman Polanski…

O show não podia parar. Os anos 70 começaram e os novos diretores foram se estabelecendo nesse inédito contexto de produção, colocando em prática a teoria do cinema de autor, preconizada pelos cineastas franceses da Cahiers du Cinema. Segundo Truffaut, Godard e cia., o verdadeiro responsável pelo filme era o diretor, que expunha seu estilo e sua marca pessoal ao conduzir todo o processo de produção dos longas-metragens. Os roteiristas e montadores seriam apenas pessoas a serviço das idéias do cineasta, o grande autor do filme. Nomes como Robert Altman (“M*A*S*H”, 1970), Hal Ashby (“A Última Missão,” 1973), Peter Bogdanovich (“A Última Sessão de Cinema”, 1971), William Friedkin (“Operação França”, 1971 e “O Exorcista”, 1973) e Martin Scorsese (“Caminhos Perigosos”, 1973) despontaram em Hollywood.

Apesar da nova leva de cineastas, foram outros três diretores que dominaram o star system. Quem inaugurou o caminho foi Francis Ford Copolla com “O Poderoso Chefão”, em 1972. Copolla não desejava dirigir o filme, mas foi convencido pela Paramount a adaptar o livro de Mario Puzo para a telona. O resultado, como ele exultava, foi uma das maiores bilheterias da história: mais de 150 milhões de dólares. A idéia de Copolla era que sua produtora, a American Zoetrope, pudesse financiar novos diretores, libertando-os dos grandes estúdios.

Porém, foram Steven Spielberg e George Lucas, os dois nerds, os dois caçulas da turma, os dois criados pela cultura televisiva, que ajudaram a reeguer a indústria cinematográfica hollywoodiana. “Tubarão”, de 1975, e “Star Wars”, de 1977, criaram o conceito de blockbuster, gerando um nível de lucro nunca antes visto na história de Hollywood. A exibição simultânea em centenas de cinemas, aliada a propagandas na televisão, tornava impossível a competição de filmes mais complexos, como os de Scorsese, Altman, Ashby e Bogdanovich. Enquanto isso, Copolla se afundava em dívidas para produzir “Apocalypse Now” (1979) e via a Zoetrope naufragar.

É claro que este é um breve resumo da história contada por Biskind. A ganância, a megalomania, o egoísmo, os excessos – está tudo lá, em detalhes, muitas vezes nada honrosos para seus personagens, mas que dão um panorama claro e devastador da máquina de sonhos chamada Hollywood.

Hoje em dia, apenas George Lucas e Martin Scorsese continuam na ativa. Enquanto o primeiro adota o discurso, cínico ou ingênuo, decida o leitor, de que os blockbusters permitem a exibição dos chamados filmes de arte em grandes cadeias de cinema, Scorsese segue sua vida, tendo sido agraciado com o Oscar de melhor diretor em 2006 por “Os Infiltrados”. Quanto aos que sobreviveram, para a indústria do cinema, é quase como se estivessem mortos.

por Ismael Machado

“Sem Destino”, “O Poderoso Chefão”, “O Exorcista”, “Chinatown”, “Um Estranho no Ninho”, “Bonnie and Clyde”, “Shampoo”, “Guerra nas Estrelas”, “Um Dia de Cão”, “Caminhos Perigosos”, “O Franco Atirador”, “Touro Indomável”, “Taxi Driver”: a lista pode ser maior. É maior. Mas estes filmes listados acima são alguns dos longas que acabaram por revolucionar o cinema hollywoodiano na década de 1970 e que são uma referência básica a quase tudo o que ainda vemos de bom e de ruim atualmente nos telões.

Por trás desses filmes jovens diretores que estavam entre o idealismo, a porra-louquice, a genialidade, o egocentrismo elevado aos píncaros e uma vontade danada de fazer cinema de um ‘jeito diferente’ do que até então era feito no que chamavam de ‘Velha Hollywood’.

Denis Hopper, Warren Beatty, Jack Nicholson, Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Robert Altman, William Friedkin e mais um punhado de outros nomes que viriam a se tornar legendas do cinema são os protagonistas desta história que por si só renderia um excelente roteiro cinematográfico.

E quem conta os bastidores de tudo isso é o jornalista Peter Biskind no excelente livro “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock and Roll Salvou Hollywood”, que mais de dez anos depois de lançado nos Estados Unidos ganha uma edição brasileira, cortesia da editora Intrinseca. A tradução é da jornalista Ana Maria Bahiana, o que por si só já confere um carimbo de qualidade.

“Como a Geração Sexo, Drogas e Rock and Roll Salvou Hollywood” é um livro que disseca de forma alucinada como alguns diretores e atores chutaram o balde dos velhos esquemas de se fazer filmes e foram, entre uma cheirada de cocaína e uma transa orgiástica, criando clássicos atrás de clássicos, naquele que pode ser considerado como o mais criativo período hollywoodiano (principalmente se você não engole aquela conversa de críticos ranhetas de que o período de ouro do cinema foi o da época dos musicais dos anos 40 ou dos filmes chatíssimos e moralistas de Frank Capra).

O mais interessante é que o livro detalha como esses filmes foram feitos a partir das entranhas de seus bastidores. Por exemplo, como Coppola odiou ter de fazer “O Poderoso Chefão”, porque achava que era o filme que desvirtuaria toda a ideia romântica que ele tinha de ser um diretor ‘autor’. E como quase ninguém da produção confiava nele, o filme foi literalmente uma jornada infernal. Coppola não acreditava no sucesso e sequer foi ver a estreia do filme.

Louco de pedra, Dennis Hopper quase leva todo mundo junto na sua insanidade durante todo o período de pré-produção, roteirização, filmagem e montagem de “Sem Destino”, o filme que melhor representa a geração Woodstock, um longa-metragem que custou uma ninharia e encheu os bolsos de quase todo mundo. Mas também quase arrastou para um abismo sem fim quem esteve nele envolvido, tamanha a quantidade de drogas, paranóia, traição, violência e alucinações que o cercaram. Consta que Hopper e Peter Fonda deixaram de se falar por anos após esse sucesso.

Filmes como “O Exorcista”, “O Poderoso Chefão” e “Stars Wars” iniciaram o que viriam a ser a era dos blockbusters. Só que, ao contrário dos atuais, esses traziam inovações no roteiro e na direção. Um sopro de novidade e ousadia que paradoxalmente marcou o apogeu e o declínio do poder dos diretores sobre suas próprias obras. Hollywood tremeu nas bases, sentiu seu poderio diminuindo, mas com a força da grana falando mais alto, domou tudo e o que se vê é o cinema que se faz hoje onde para cada Tarantino, existem mil Camerons. É a roda da vida.

Peter Biskind é jornalista, ex-editor executivo da revista Premiere, e autor de inúmeros livros que descrevem a vida em Hollywood, incluindo “Seeing is Believing” e “Gods and Monsters”. É editor contribuinte da Vanity Fair e já escreveu na revista Rolling Stone e nos jornais The New York Times e The Washington Post. “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock and Roll Salvou Hollywood” revela a história secreta da era mais criativa de Hollywood num bate papo com diretores, produtores, estrelas, agentes, roteiristas, executivos dos estúdios, esposas, ex-esposas e namoradas. Para ler e sentir saudade.

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– Ismael Machado é jornalista e mantém uma coluna semanal no jornal Diario do Pará
– Gabriel Innocentini cursa jornalismo na Unesp de Bauru e assina o blog Eurogol

13 thoughts on “A era mais criativa de Hollywood

  1. Havia lido o livro em inglês quando saiu e reli agora a ótima tradução da Ana Maria Bahiana. Essa é a minha fase favorita do cinema mundial, apesar de não concordar que os filmes do Capra sejam chatos, poucos diretores possuem o ritmo dele, e muito menos moralista, pois seus filmes são mais críticos do que os de muitos cineastas independentes e malditos. Mas isso é outra história. O livro é maravilhoso mesmo, um trabalho de pesquisa fenomenal do Biskind, mas ainda não considero o filme definitivo sobre essa geração. Esse livro ainda está para ser escrito. Primeiro, ele se apega mais às fofocas: os filmes estão lá mais para servir de pano de fundo às traições, cheirações e acumulação de dinheiro. O sucesso artístico de um filme parece ser intimamente ligado com o financeiro. É o caso do Coppola. Em nenhum momento ele fala que A Conversação é considerado um dos melhores filmes da história do cinema, pois ele não teve o mesmo sucesso dos dois primeiros Poderoso Chefão. O Fundo do Coração é apenas o filme que levou o Coppola à falência. Ele não escreve uma nota sequer sobre as qualidades artísticas do filme, que são inúmeras. E dá a entender que depois do Apocalipse Now! ele perdeu totalmente o toque. Esquece também de O Selvagem da Motocicleta, um filme antológico. Brian De Palma parece ser apenas um guru e amigo da galera, um sujeito inteligentíssimo, mas que não fazia filmes. Isso ocorre porque o De Palma contrariaria a tese do Biskind, de que nos anos 1980 apenas o tipo de cinema praticado por Spielberg/Lucas conseguiu ver a luz do sucesso. Pois foi exatamente nessa época que o De Palma viveu sua época de ouro: Um Tiro na Noite, Vestida para Matar, Scarface, Dublê de Corpo, Os Intocáveis e Pecados de Guerra. O Franco-Atirador parece ter nascido do nada, ele simplesmente aparece. E seria muito interessante saber dos seus bastidores, com o John Cazale morrendo de câncer durante as filmagens e sua noiva Meryl Streep eo Cimino tentando segurar os produtores para não substituí-lo por outro ator. Um ator que só atuou em obras-primas: O Poderoso Chefão 1 e 2, A Conversação, Um Dia de Cão e O Franco-Atirador. E então ele morre, muito cedo e nem aparece no livro. Os filmes do Altman também só valem quando fizeram sucesso e/ou concorreram ao Oscar. Obras-primas como Três Irmãs e James Dean não recebem muito destaque. Entendo que ele fez um recorte, mas o interessante dessa geração é que ela mudou tudo e todos que estavam em sua volta. Mas tirando o Kubrick, que é citado como uma entidade à parte, os demais diretores de outra geração, que acabaram fazendo filmes tão bons, quando não melhores, ficaram de fora. Cineastas como Sidney Lumet e Sam Peckinpah. Sem contar o próprio Woody Allen. Essas são algumas das ressalvas que eu faço à obra. Mesmo assim, o livro é obrigatório para quem se interessa pelo período e também pela história do cinema. Os capítulos que têm como foco o Scorsese são emocionantes. Também conseguiu explicar, de certo modo, como essa geração perdeu o poder após ter conquistado. Sempre imaginei que os grandes autores haviam sido esmagados pelos estúdios. Muitos acusavam a dupla Spielberg/Lucas, para mim, uma injustiça. Eles perderam o poder em muito por conta dos próprios excessos e megalomania. E também porque o público do final dos anos 60 e início dos 70 era diferente do que o final da década. Resumindo, um livro fundamental, mas que deve ser lido com ressalvas. Ele já virou um documentário, que vale a pena ser visto também. Além dele, outro documentário, esse mais calcado nas obras, A Decade Under The Influence, também deve ser conhecido.

  2. Vou procurar o livro. Parece ser muito interessante. Também, discutindo a “feitura” e os bastidores de tanto filme bom, de tanta gente que legou coisa boa, não dava pra ser diferente…

  3. Eu costumo duvidar de livros, versões e filmes definitivos sobre um tema. Portanto, concordo com o que o Rogério diz, lembrando, no entanto, que é necessário entender ou analisar qual o enfoque que o autor pretendeu dar ao livro. De qualquer forma, no mínimo ele desperta um olhar mais atento e curioso para esse período que é um dos mais criativos do cinema

  4. Concordo, Ismael. É óbvio que o Biskind fez um recorte, que eu não concordo, mas respeito. Ele também possui o espírito investigativo do jornalismo norte-americano, então acaba preferindo se ater a fatos inéditos – as fofocas dos bastidores. Acho complicado Amy Irving e Margot Kidder terem mais espaço do que Brian De Palma – não vou falar em Lumet ou Peckinpah, pois faz parte do recorte. É como reclamar do Antonio Candido por não ter abordado o barroco no A Formação da Literatura Brasileira. Ele explica o motivo. Curiosamente, no documentário inspirado no livro, o Peckinpah é abordado ao lado dos demais, como se fizesse parte da turma. O importante é que essa década seja analisada por outros autores. A Decade Under The Influence é um documentário bem bacana que ilustra bem o período, nesse caso, sem se preocupar com quem foi estudante de cinema ou não, com isso Woody Allen e Sidney Lumet não ficam de fora. Mas que fique claro que Easy Riders é um dos melhores livros sobre os bastidores do cinema que já li, ao lado de A Cidade das Redes, do Otto Friedrich. Uma leitura obrigatória mesmo.

  5. Lucius, o Evans é ultracitado no livro. O Biskind explica como ele ajudou a salvar a Paramount, brigou para levar o romance do Mario Puzo para as telas, a briga de uma vida inteira com o Coppola etc. Poderiam aproveitar e traduzir a autobiografia dele, The Kid Stays In The Pictures. Eu vi o documentário que fizeram, narrado por ele mesmo. Excelente. Outra produtora que caiu em desgraça após muito sucesso foi a Julia Phillips, que havia produzido Golpe de Mestre (primeira produtora a vencer um Oscar), Taxi Driver e Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Ela também tem uma autobiografia, You’ll Never Eat Lunch in This Town Again. Mais uma que eu gostaria de ver traduzida.

  6. ontem revi Todos os Homens do Presidente, do Alan Pakula. E me convenço cada vez mais de que foi uma década muito boa. E boa lembrança a do Selvagens da Motocicleta, um dos melhores filmes do Coppola.

  7. Então, Ismael, o Pakula mal foi citado no Easy Riders. Além do Todos os Homens do Presidente ele dirigiu Klute e o clássico do thriller paranóico, A Trama, com Warren Beatty. Foi uma década maravilhosa. Cara, aquela trilha sonora que o Stewart Copeland fez para o Selvagem é antológica, assim como a fotografia em preto e branco do Stephen H. Borum.

  8. […] e “Essa Pequena é Uma Parada”, tinha orgulho do seguinte fato: entre os 12 e 30 anos assistiu de seis a oito filmes por semana. Não só viu como também escreveu fichinhas com dados técnicos e o que achava de cada filme. No período totalizou 5.316 filmes. […]

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