O cinema perde John Hughes

Por André Azenha

“Twist and Shout”, música de Phil Medley e Bert Russell, que ficou mundialmente conhecida na gravação dos Beatles, talvez seja mais lembrada por muita gente graças a uma cena antológica de um certo filme, que mostra um garoto em cima de um carro alegórico durante desfile alemão por uma avenida de Chicago, e que leva milhares de pessoas a cantarem junto a canção.

O rapaz chama-se Farris Bueller e “o” filme “Curtindo a Vida Adoidado”, clássico do cinema adolescente lançado em 1986, reprisado tantas vezes nas Sessões da Tarde e Temperaturas Máximas da vida que, apesar de ter sido realizado durante os anos 80, conseguiu atrair a atenção de todas as gerações teen subsequentes.

Impossível não idolatrar Farris, que em apenas um dia realizou por tabela o sonho de milhões de garotos: cabular a aula e levar a namorada para passear pelos lugares mais descolados da cidade na Ferrari “emprestada” do pai de seu melhor amigo, que o acompanha na aventura. A escapulida ainda serve para deixar enfurecidos sua irmã mais velha e o diretor autoritário da escola onde estuda.

O sucesso do longa pode ser atribuído a alguns fatores: Matthew Broderick, apesar de não mais ser um garoto na época, caiu como uma luva para o papel principal, o elenco coadjuvante é ótimo, desde a bela Mia Sarah, à Jennifer Grey e Charlie Sheen, que fez pequena aparição. A trilha sonora bacana e as gags deliciosas também colaboraram. Mas principalmente, o “culpado” por tornar “Curtindo a Vida Adoidado” um clássico é o diretor e roteirista John Hughes, falecido dia 06 de agosto, cineasta que melhor soube dialogar com os adolescentes na história da sétima arte.
Chamado de Spielberg das comédias sobre jovens, ídolo de Kevin Smith (”Procura-se Amy”), Hughes, que retratou suas estórias sempre  nos arredores de Chicago, nasceu em 1950, num dia 18 de fevereiro, em Lansing, Michigan. Estudou na Glenbrook North High School e deu início à sua brilhante carreira escrevendo, na década de 70, para a humorística National Lampoon’s Magazine.

Seu talento como criador impressionava. Era capaz de escrever um roteiro em uma semana e tinha a sensibilidade necessária que muitos pais não tiveram e ainda não possuem: compreender os adolescentes, fazer o jovem identificar-se, falando de forma realista e natural para esse público. Os nerds, então, encontraram nele um amigo, um confidente, deixaram de ser o motivo de chacota para virarem heróis. Hughes nos deu esperança.

Roteirizou “Class Reunion” (1982), “Nate and Hayes” e “Vacation” (ambos de 1983), mas foi em 1984 que ele começou a ganhar o mundo, lançando ao estrelado a atriz Molly Ringwald, a “Juno” da década de 80, em “Gatinhas e Gatões”, primeiro de quatro produções celebradas e inesquecíveis: as outras três são “Clube dos 5” e “Mulher Nota 1000”, os dois lançados em 1985, e o já citado “Curtindo…”, do ano seguinte.

Todos clássicos absolutos. Filmes que jamais nos enjoam, com tramas divertidas, universais e atemporais. Afinal, não importa o ano ou a década, sempre vai haver um garoto deslocado em busca de identificação.

Fora esse “tato” para levar compreensão e felicidade à garotada, o cineasta foi pródigo catapultar a carreira de novos talentos. Revelou, além de Molly, atores como Emilo Estévez, e seu irmão Charlie Sheen, o próprio Matthew Broderick e até Macaulay Culkin, este último em “Quem vê Cara Não vê Coração” (1989).

Produziu  “A Garota de Rosa Schocking” (outro estrelado por Molly) e “Alguém Muito Especial”, filmes dirigidos por Howard Deutch, que foi lançado por ele, e ainda foi roteirista e produtor de vários longas infantis de sucesso como os três “Esqueceram de Mim” (1990, 1992 e 1997), “Dennis, o Pimentinha” “1993”, “Ninguém Segura esse Bebê” (1994), “101 Dálmatas” (1996), “Flubber” (1997) e “Nadando Contra a Corrente” (1998).

Viveu recluso nos últimos anos, longe da mídia, o que tornou maior seu mito. Ainda colaborou com roteiros de “Os Viajantes do Tempo” (2001), “Encontro de Amor” (2002) e “Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor/Drillbit Taylor” (2008).

Seu legado para o cinema é imenso. “American Pie”, “Ela É Demais”, “Nunca Fui Beijada”, “Mal Posso Esperar”, “10 Coisas que Eu Odeio em Você”, “De Repente 30”, “Ela Não Está Tão a Fim de Você” e “Juno” beberam diretamente na fonte da escola John Hughes.

No mesmo ano somos obrigados a nos despedir de duas figuras que tanto fizeram pela juventude. Dois ídolos pop. Michael Jackson, e agora Hughes. O mundo encontrará substitutos? Não dá pra saber. Mas se realmente aprendemos a lição deixada por eles, não podemos perder a esperança.

Filmografia como diretor:

1984 – Gatinha e Gatões (Sixteen Candles).

1985 – Clube dos 5 (The Breakfast Club. Molly Ringwald).

1985 – Mulher Nota Mil (Weird Science).

1985 – Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day off).

1987 – Antes só do que Mal Acompanhado (Planes, Trains and Automobiles).

1988 – Ela vai Ter um Bebê (She’s Having a Baby).

1989 – Quem vê Cara Não vê Coração (Uncle Buck).

1991 – A Malandrinha (Curly Sue).

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André Azenha é jornalista e editor do site Cine Zen Cultural

7 thoughts on “O cinema perde John Hughes

  1. Sensacional esse texto, o lendo passei por alguns segundos pela minha adolescencia e como esses filmes povoaram e me acompanharam sem vários momentos. Curtindo a vida adoidado é genial, tenho em casa, um filma pra nossa eternidade. parabéns pelo texto.

  2. Droga, não dá para evitar tristeza ao ler e lembrar de “O Clube dos Cinco”, “Gatinha e Gatões”, “A Garota de Rosa Shocking”, Molly Ringwald, Ally Sheedy, Anthony Michael Hall. Ficamos velhos, as coisas vão ficando pelo caminho. Save Ferris!

  3. Olá Thomas, obrigado! O John foi uma grande perda para o cinema e para os jovens. Fico pensando se há algum cineasta no nível dele para retratar essa fase da vida e não encontro.

    abraços,

    andré

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