A volta do Harry ou H.A.R.R.Y.

Por André Azenha
Foto: Divulgação

Nos anos 80, uma banda santista se destacou no cenário roqueiro independente concebendo um rock com forte teor eletrônico. Tratava-se do Harry, grupo criado na cidade litorânea durante 1985, cuja formação tinha Hansen (vocal e guitarra), Cesar Di Giacomo (bateria) e Richard Johnsson (baixo). No início de sua trajetória, o então trio caminhou pelo “noisy”, em canções com letras em inglês, mas após a entrada do produtor e tecladista Roberto Verta, deu uma guinada em direção ao rock eletrônico com pitadas de The Clash e Kraftwerk. O lance era unir batida marcial, teclados espaciais e letras mórbidas/depressivas, com referências literárias de Neil Gaiman (criador de “Sandman”) e Alan Moore (autor de “Watchmen”, “V de Vingança” e “A Piada Mortal”).

Entre 1986 e 1994, a banda colocou na praça quatro trabalhos. O EP “Caos” (1986) e “Fairy Tales”, seu primeiro álbum completo e último com a participação do baterista Di Giacomo – ambos os discos foram lançados pela gravadora Wop Bob. Com a saída do músico, os remanescentes passaram a utilizar bateria e bases eletrônicas e lançaram “Vessels’ Town” (1990), pela Stiletto, e a coletânea “Chemical Archives” (1994), pela Cri du Chat, compilação de faixas dos primeiros discos com algumas composições inéditas.

Em 1996, o Harry iniciou a gravação de uma nova obra, mas com Hansen morando no Ceará, Verta no Rio, e Johnson em São Paulo, o grupo decidiu dar um tempo. Em 2005, os músicos voltaram à ativa. Hansenharryebm, Di Giacomo, Verta e Johnsson deram vida ao box “Taxidermy- Boxing Harry” , com versões remasterizadas e faixas extras de “Fairy Tales” e “Vessels’ Town”, incluindo um CD recheado de raridades e algumas faixas do projeto abortado de 96. Embalado por um belo trabalho gráfico, o box foi lançado pela Fiber Records, a divisão gravadora da Fiber Interactive, responsável também pelo FiberOnline, site pioneiro da música eletrônica no Brasil. Porém, novamente a banda deu uma parada nos trabalhos. Só que Hansen, não contente, decidiu retomar o projeto numa nova formação em 2009.

O agora H.A.R.R.Y. and The Addict tem hansenharryebm, ou simplesmente Hansen (vocal/guitarra/teclado) e Ricardo Santos (teclado e programação) e surge para sacudir o cenário independente. “O retorno surgiu da necessidade. Os outros membros da formação original ou tem seus outros afazeres, ou não tem mais interesse na proposta da banda. Ou ambos. Eu continuo produzindo material. Estou desempregado, o que pelo menos significa que tenho tempo sobrando, então resolvi tocar em frente”, diz Hansen.

Para coroar o retorno com chave de ouro, a banda foi convidada para abrir o show da banda belga Vomito Negro, em julho. “O convite surgiu do Rodrigo Cyber e da Luciana, do Projeto Ferro Velho, que tem movimentado a cena, tendo trazido para cá, no ano passado, o Project Pitchfork, Plastic Noise Experience e Serpents. Agora estão trazendo o Vomito Negro. Basicamente, quem não conhece o Vomito Negro provavelmente não irá ao show. Não se ensina truques velhos a cães novos (risos)”, alfineta o músico.

Quem for ao Inferno (casa noturna de São Paulo), em 11 de julho, não irá conferir um som muito diferente daquele produzido pela antiga formação. Hansen explica: “A parte dos avanços tecnológicos, a proposta é a mesma. Algumas bandas fazem um rock’n’roll clássico tal qual se fazia nos anos 50. Outras, hard rock a la 70s. Nós fincamos o pé nos 80s e pretendemos manter assim. O show, tal como pretendemos fazer em julho, será um mix de músicas velhas e novas, e se alguém que não conheça o repertório não conseguir distinguir qual de qual, beleza, porque a idéia é essa”.

Polêmico, Hansen não poupa críticas ao mainstream brasileiro, lista suas bandas preferidas na cena independente e fala, entre outros assuntos, sobre os projetos da banda para este ano.

Como surgiu a idéia de retornar com o H.A.R.R.Y. em nova formação?
Surgiu da necessidade. Os outros membros da formação original ou tem seus outros afazeres, ou não tem mais interesse na proposta da banda. Ou ambos. Eu continuo produzindo material. Estou desempregado, o que pelo menos significa que tenho tempo sobrando, então resolvi tocar em frente. Se não morrer de fome até lá (risos).

O som ao vivo da banda hoje tem algo diferente em relação às músicas clássicas do grupo?
Não muito. A parte dos avanços tecnológicos, a proposta é a mesma. Algumas bandas fazem um rock’n’roll clássico tal qual se fazia nos anos 50. Outras, hard rock a la 70s. Nós fincamos o pé nos 80s e pretendemos manter assim. O show, tal como pretendemos fazer em julho, será um mix de músicas velhas e novas, e se alguém que não conheça o repertório não conseguir distinguir qual de qual, beleza, porque a idéia é essa. Posso não estar pensando em evolução, mas de qualquer modo fazemos parte de uma corrente muito a frente de qualquer bosta que se faça nessa “Zambia lat(r)Iná”.

A banda está gravando material novo. Há alguma previsão de lançamento das novas músicas? Será no formato CD? Via internet?
Não dá pra responder com certeza agora. Lançar CDs não somos nós que decidimos (risos). Se alguém se interessar… e alguns selos já manifestaram interesse. Selos pequenos, claro, mas será que existe algum grande hoje? Meu novo parceiro, Ricardo Santos , tem vários projetos próprios e toca em um sem número de outros, inclusive com o Ciro Pessoa (Titãs, Cabine C), então é um cara que já tem boa moral em algumas cenas (claro que, como eu, é um absoluto desconhecido naquela dimensão onde só é famoso quem tem jabá pago pelo papai/cafetão/”viado” mecenas), então o simples fato dele se juntar comigo, que também tenho uma reputação (não cabe aqui se é boa ou má, apenas que ela existe) já está provocando frisson por aí. Então, se pintar um disco, ótimo. Mas estou mais preocupado no momento em ter um MySpace bem trabalhado. E se possível, shows, muitos shows, coisa que ficamos um bom tempo sem fazer (o ultimo foi em dezembro de 2006, no Centro Cultural) por não termos quem nos vendesse, mas agora temos.

Vocês irão abrir o show de uma banda belga em julho. Como surgiu o convite? E para quem não conhece o Vomito Negro, o que esperar da banda estrangeira?
O convite surgiu do Rodrigo Cyber e da Luciana, do Projeto Ferro Velho, que tem movimentado a cena, tendo trazido para cá, no ano passado, Project Pitchfork, Plastic Noise Experience e Serpents, shows que pareciam apenas sonhos irrealizáveis dez anos antes. Claro que, quem se atualiza à base de Folha, Rolling Stone ou NME, não faz a menor idéia de quem sejam. Agora estão trazendo o Vomito Negro, e a idéia deles, que acho sensata, é não tornar o evento linear demais, o que aconteceria se pusessem alguma das excelentes bandas de EBM que temos aqui. Nosso som, synthpop, portanto mais light, dará a dinâmica e contraponto necessários, ou pelo menos assim espero. Basicamente, quem não conhece o Vomito Negro provavelmente não irá ao show. Não se ensina truques velhos a cães novos (risos).

A banda volta num momento diferente dos anos 80, quando o H.A.R.R.Y. surgiu. Nesse tempo você teve um projeto solo. Qual sua opinião sobe o cenário musical brasileiro independente atual? E como inserir o H.A.R.R.Y. nesse contexto?
O Bad Cock (projeto solo do Hansen) surgiu em 1990, com o Harry ainda em atividade. Eu tinha mostrado uma musica pro pessoal da banda, e na outra semana, mostrei outra nova, e me disseram: “Mas você já mostrou essa musica a semana passada” (risos). Então formei meu projeto solo para dar vazão às minhas musicas iguais. Era um som simples, mas muito agressivo, creio que o primeiro projeto Aggrepo (Aggressive pop) do país. Com o tempo, o Harry tendendo para uma levada mais rock, o Bad Cock era onde eu liberava o lado mais synthpop. Já nos últimos anos, foi uma necessidade para se manter a chama, já que sendo apenas eu, era um show mais viável de se levar para outros estados, e o fato de metade do repertório ser do Harry ajudava mais ainda. O cenário independente brasileiro está fervilhando, muitas bandas, festivais, mas poucos espaços para tocar, o que não acontecia antes, embora tivéssemos muito menos eventos de maior porte do que agora. Como e se vamos inserir o H.A.R.R.Y. and The Addict nesse contexto, descobriremos nos próximos meses.

Você irá conciliar o H.A.R.R.Y. com shows solo?
Não. Dois membros é um formato enxuto, então por enquanto não vejo essa necessidade.

Quais bandas valem a pena atualmente? E na Baixada Santista?
Hoje há bandas para todos os gostos, e para aqueles que não têm gosto, dependendo de mídias que lhes impinjam também. Em âmbito brasileiro, eu citaria o 3 Cold Men, de SP (embora o vocalista seja francês), o Dawnfine, acho que de Goiás, o Scarlet Leaves, do interior de SP – Sorry, guys, esqueci de qual cidade. Isso apenas para citar quem está lançando ou prestes a lançar trabalho novo. Há muitos outros (Hatech, Dead Jump, Aindustrya, Klaustrophobik, Downward Path, In Auroran, Wintry, Homicidal Feelings, Modem, Aire´n´Terre, Plastique Noir, Montage, Serious Voices, Mobius Project, Synthetic Form, Nobody Else, Syntetik, Republika, By G.O.N., Elegia e muitos outros, sem esquecer o nosso contemporâneo, o grande Simbolo, que ainda está na ativa e com um show tão bom ou melhor do que na época). Aqui na baixada, eu destacaria o Serious Voices, que embora já exista de forma esporádica há mais de dez anos, só agora está começando a ter o destaque que merece. Infelizmente somos boicotados mesmo dentro da cena “indie” brazuca, mas bandas como Montage e Plastique Noir tem furado esse bloqueio com êxito, participando de festivais.

Há um tributo ao Harry para download. Será seu principal projeto? Há o intuito de viver apenas dá música?
A coletânea “The Sky is Grey”, que na verdade não é uma coletânea do Harry, e sim um tributo com as bandas tocando nossas musicas,foi lançada pelo selo virtual Phantasma 13, e pode ser baixada com capa e encarte no site www.phantasma13.com. Viver de musica aqui no Brasil fazendo música a sério? Só se eu começasse a enrabar um desses viados enrustidos que pipocam no mainstream. Deveria ser mais sensato tentar encostar em alguma das cantoras, mas pão com pão não faz sanduíche. Deve ter cantoras famosas que não sejam sapatas aqui, mas no momento não consigo lembrar de nenhuma (risos). Ainda restam cópias do box “Taxidermy”, que traz toda a nossa discografia anterior, além de quase 30 faixas inéditas, num luxuoso box com livreto bilingue, e preço bem acessível, isso pode ser conferido no nosso site www.harrynet.com.br.

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André Azenha é jornalista e editor do Cine Zen Cultural.

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Leia também:
– “E por que o synth pop é bom?”, por Danilo Corci (aqui)

2 thoughts on “A volta do Harry ou H.A.R.R.Y.

  1. Nao é o Harry que esta inserido no cenario. É o cenario que foi construido em volta dele.
    Faça um teste. Nao avise pra ninguem e inclua “phoenix” no seu set list.
    Seja bem vindo a casa Hansen!

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