Esse você precisa ler: “1984”, de George Orwell

Por Tiago Agostini

É impossível ser insensível ao ler “1984”. A obra-prima do autor inglês George Orwell (nascido Eric Arthur Blair em 25.06.1903 e morto em 21.01.1950) desperta um vazio imenso, medo e pânico quando reconhece-se na sociedade atual boa parte das coisas que ele previu. Escrito em 1948, o livro mostra o futuro baseado nos desapontamentos do autor com o socialismo da época. O mundo está divido entre três grandes países: Oceania, Lestásia e Eurásia. Os três vivem em constante guerra, mas a todo o momento os papéis de aliados e inimigos são trocados.

A Oceania, onde o livro é ambientado, é controlada pelo Grande Irmão (Big Bro-ther, sacou?), figura representativa do Partido que a governa, num sistema socialista. A população é dividida entre membros do Partido Interno, membros do Partido Externo, e os proles – respectivamente alta, média e baixa sociedade. A língua oficial é a Novilingua, idioma com palavras e estruturas gramaticais bem simplificadas. Os cidadãos são vigiados 24 horas por dia pelas teletelas (equipamentos que ao mesmo tempo transmitem a programação oficial do Partido e monitoram o que se passa no local onde estão instaladas, captando som e imagem).

Na história, Winston Smith, membro do Partido Externo, trabalha no Ministério da Verdade e se ocupa diariamente de modificar dados e arquivos de acordo com a vontade do Partido, para tornar o passado compatível com o presente. Tomado por dúvidas sobre as condições de vida da população e sobre a atuação do Partido, ele questiona intimamente quase todos os dogmas da sociedade em que está inserido. Assim, começa a arquitetar uma revolução secreta e particular, sonhando sempre com a existência da Fraternidade, organização clandestina liderada pelo fugitivo Goldstein que reuniria todos os insurgentes contra o Partido.

Quando se lê o livro pela primeira vez, a trama densa de Orwell conduz o leitor a viver e sentir as mesmas coisas que Winston. Os pensamentos escritos no diário secreto, as andanças pelas redondezas de Londres nos bairros dos proles, o envolvimento amoroso com a também revolucionária Julia, a esperança de que o colega de Ministério da Verdade e membro do Partido Interno O’Brien seja da Fraternidade. As vitórias e progressos se tornam uma alegria latente; as decepções e reveses viram angústia. A atmosfera sombria de Londres e as descrições de crueldades cometidas pelo Partido fazem com que se estremeça na cama, imagine e até pense sentir a dor dos personagens. A única certeza é de que ninguém merece viver em um mundo como aquele.

Uma vez conhecida toda história e suas reviravoltas, pode parecer estranho ler o livro por uma segunda vez. Afinal, qual a graça de ler algo que o final conhecemos? Com “1984” a coisa não funciona bem assim. O conhecimento da história dá ao leitor uma distância emocional dos fatos importante para entender melhor boa parte da argumentação de Orwell e de sua indignação com a situação da época. Se na primeira leitura o sofrimento e o medo prevalecem, em uma segunda oportunidade salta aos olhos a análise da guerra e dos regimes totalitários feita pelo escritor.

Assim como já havia feito em “A Revolução dos Bichos”, o autor destila acidez para criticar o totalitarismo e as relações teoricamente igualitárias de um mundo socialista. A leitura do livro secreto de Goldstein por Winston é uma verdadeira aula das relações humanas. Orwell analisa o sistema de classes, defendendo que sempre houve e sempre haverá três delas – a alta, a média e a baixa. Não importa que nomes recebam e a época da história que vivemos, a população mundial sempre poderá ser dividida entre as três. De tempos em tempos, a classe média se articula e acaba tomando o lugar da alta, mas, repetindo os mesmos erros dos antecessores, é novamente deposta. Apenas a classe baixa nunca muda de lugar – apesar de poder melhorar as condições de vida de acordo com a época.

O que mais assusta é assistir ao documentário “Farenheint 11/09” e ver o diretor Michael Moore citar o livro para exemplificar a atual situação política após os atentados das torres gêmeas. Assim como nas projeções de Orwell, hoje vivemos uma guerra constante, sem previsão de término (se é que vai acabar algum dia) e sem saber contra o que e quem lutamos. Pior: o inimigo de hoje pode muito bem ser o aliado de amanhã. É só lembrar que os Estados Unidos financiaram e ajudaram tanto Saddam Hussein como Osama Bin Laden na década de 80. É nessa hora que todas reações provocadas pela leitura vem à tona. A perda de esperança num futuro melhor que o final do livro provoca são latentes. Parece que estamos em 1984. Orwell nunca esteve tão atual.

“1984”, de George Orwell (Companhia Editora Nacional)

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Tiago Agostini é jornalista e assina o blog Balada do Louco

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10 thoughts on “Esse você precisa ler: “1984”, de George Orwell

  1. Engraçado, no inicio achava q seria mais um livro que lia pela suposta importancia na cultura “pop”. Ao terminar posso dizer q um pouco de mim mudou ao terminar o livro.
    Caramba é impressionante como Orwell esteva lúcido em seus apontamentos sobre nosso tempo e natureza.
    Legal ter citado a novilíngua, já que é parte importantíssima no processo de dominação que ele esmiuça. É de atentar para o fato que domesticando nosso modo de falar, simplificando absurdamente a lingua de um povo se impossibilita toda uma geração perca toda a capacidade subjetiva de expressar seus sentimentos, que logicamente incorreriam num desconfortável sentimento de insatisfação.
    E muito forte o final tbm não? A discussao entre o algoz e vítima. Me arrisco a dizer q é simbolicamente o diálogo definitivo entre o Dominador e o Dominado.

  2. Li esse livro faz uns 4 anos, e é um dos livros mais fascinantes que já li, quero ler a Revolução dos bichos tb…tenho, falta pegar pra ler…

    otimo texto.

    =]

  3. O que mais assusta é assistir AO JORNAL E VER O PRESIDENTE FALANDO . Assim como nas projeções de Orwell, hoje vivemos uma guerra constante (DO OLHO AZUL CONTRA O OLHO PRETO, DO INDIO CONTRA O ARROZEIRO, DA ZONA SUL CONTRA A FAVELA, DO SEM TERRA CONTRA O FAZENDEIRO, DOS POUPADORES CONTRA OS GASTADORES, DOS REVOLUCIONÁRIOS CONTRA AS OLIGARQUIAS, DOS COTISTAS E SEM COTAS, DOS BRAÇAIS CONTRA OS INTELECTUAIS) , sem previsão de término (PQ A ESTABILIDADE NÃO INTERESSA ) e sem saber contra o que e quem VÃO POR COMO NOSSOS NOVOS INIMIGOS. Pior: o inimigo de hoje pode muito bem ser o aliado de amanhã. É só lembrar DO SARNEY, DO RENNAN, DO STEPHANES, DO FMI, DO DANTAS, DO PMDB, DO JEFERSON. É nessa hora que todas reações provocadas pela leitura vem à tona. A perda de esperança num futuro melhor que o final do livro provoca são latentes. Parece que estamos em 1984. Orwell nunca esteve tão atual.

    *coloquei o presidente por ser ele o supra sumo da novalingua/duplipensar, mas abra o jornal e faça a sua brincadeira! Com o Obama tá ficando também muito fácil!

  4. um dos pontos mais sutis na percepção de winston enquanto personagem é a função dele no sistema em que vive. a história sendo reescrita deveria ser um conceito assustador, mas não é: cansamos de ver os grandes ideais de uma época serem ridicularizados em outra, e os execrados repentinamente serem abençoados por gerações muito após aquelas em que viveram suas curtas vidas.

    no conjunto da obra, entretanto, enxergo algumas falhas, provavelmente produzidas pela gana de orwell em achicalhar seus desafetos. como escritor, huxley é bem superior, e demonstra isso em seu brave new world, onde a realidade é opressiva embora possa não parecer. no mundo de orwell ninguém gostaria de viver, no way!, mas no de huxley até que não parece ser tão ruim assim.

  5. Já que estamos em um site de “cultura pop” é importante lembra também o tratamento que Orwell dá às músicas nessa sociedade…..fabricadas com letras tolas e sem sentido, mas que fazem a população cantarolar facilmente sem pensar no significado da letra.

  6. Li, é bem bom.

    Tenho esse aí do Site, comprei a alguns anos.

    Valhe a pena para quem quer enteder sobre o mundo em que vivemos e muda com os séculos e do sistema que muitas vezes somos subjulgados…

    Para quem estuda história e quer entender sistemas totaliristas é uma ótima pedida.

    OBS: Até onde fui informado este livro é leitura obrigatório para os alunos do ensino médio nos EUA.

  7. Li A Revolução dos bichos quando tinha uns 13 anos e nunca mais me esqueci. Hoje estou com 52 e não entendo por que não tomei aquilo como absoluta e eficaz observação do ser humano,pois se tivesse trazido confiante para a vida NUNCA teria acreditado em um Partido Político chama do PT! Se é possível sim generalizar temerosa a politicagem, atestamos hoje que o pior de todos é o político que engana covardemente,apunhala pelas costas covardemente se utilizando do desejo mais puro de um povo trabalhador,corajoso,honesto, por um REPRESENTANTE VINDO REALMENTE DO POVO! Ainda prefiro, principalmente agora,do alto, sim do alto de minha experiência de vida,aqueles que deixam tão evidentes suas máscaras que ao menos podemos saber com QUE TIPO DE GENTE estamos lidando!!!

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