A longa marcha de Diego

Por Danilo Corci

Não há dúvidas que o Joy Division foi uma espécie de Pedra de Roseta musical na década 00. A caixa de Pandora foi aberta com o Interpol e depois não parou mais: vieram, numa primeira leva, os Editors e o She Wants Revenge. Agora, White Lies e, da Alemanha, o Diego. Em uma comparação direta, o Diego coloca o White Lies no chinelo. Os motivos são vários, mas o fato deles serem alemães ajuda – e muito -, afinal a Alemanha é terra fértil em música, ainda que o rock de veia indie não seja lá muito interessante.

Formada em setembro de 2006, o Diego lançou seu segundo álbum, “criativamente” intitulado de “Two”, no final de 2008 – o primeiro, epônimo, é de 2007. Além da estética Joy Division, o Diego parece querer ser uma banda de Nova York, exemplificada não só pela atitude em palco de seu vocalista, Andreas (um genérico de Diego Garcia, do Elefant), como também na maneira blasé de falar sobre o próprio trabalho, naquela atitude típica de rockstar de boulangerie que os nova-iorquinos cultuam.

O interessante é que o Diego pode ser uma amostra bem nítida do mercado musical dos anos 00: amigos se juntam, rapidamente gravam um primeiro disco, mais rapidamente lançam um segundo (um destes álbuns é muito bom) e depois tendem a desaparecer tão rápido quanto surgiram – o Elefant novamente pode ser usado como referência. No caso do Diego, a obra-prima é “Two”. Se vão desaparecer ainda é uma incógnita, afinal são da Alemanha e justamente por serem de fora do circuito EUA/Inglaterra há chances maiores de sobrevida.

Em uma conversa via e-mail com Andreas, ele emenda de bate pronto: “Nos comparar ao Interpol e ao Editors é pura besteira. Não crescemos ouvindo essas bandas, nosso background é outro, de coisas da época que o Interpol nem existia.”. Andreas entra, com razão, na defensiva quando falam sobre sua banda – e, especialmente, sobre como ela soa. Cutucado sobre as semelhanças inegáveis (música apoiada por baixo em evidência, guitarrinhas cruas), ele afirma: “Somos bem independentes, caminhamos por nossos próprios pés. Não preciso de uma cena ou de bandas similares. Tudo isso tem mais a ver com moda do que com música”.

“September March”, a canção que abre “Two”, entretanto parece desmenti-lo: “Não podemos marchar para o campo de batalhas todas as noites” entoa Andreas, messianicamente como um Ian Curtis alemão, enquanto o baixo penetrante corta a guitarra presa num timbre. Mais Editors, impossível. Esta canção, inclusive, tem uma peculiaridade extra: a versão remix disponível gratuitamente no site Noisedeluxe é infinitamente superior à versão original. Andreas explica “‘September March’ é sobre o papel que você tem de desempenhar todas as noites quando encontra pessoas com expectativas e ambições diferentes. A letra surgiu em minha mente quando caminhava pela noite após uma bebedeira. Foi muito rápido, uma das canções mais rápidas que já fiz”. Isto talvez ilustre a necessidade da banda de trabalhar com produtores que pensem um pouco diferente e que não tenham tanta pressa…

“Nurse” e seus versos como “um anjo à sua direita, um anjo à sua esquerda, um anjo para segurar sua mão e te guiar” dá uma pouco da ideia da formação da banda. “Nos vivemos para a banda, mas não vivemos dela. Três de nós, eu incluso, somos enfermeiros. Nosso baterista tem uma empresa e Ralf, um dos guitarristas, trabalha em uma casa noturna”. Tudo parece ser bem pessoal para o Diego, inclusive o nome da banda. “Tinha de ser um nome de pessoa. Mas na verdade, eu chamava o Ralf de Diego o tempo todo, não tenho explicação para isso. Só que ele achou que Diego soava melhor como nome de banda do que como apelido. E assim ficou.”.

Há uma eloquência juvenil grandiosa no Diego que flerta com a melancolia o tempo todo. “Você acha mesmo que falamos sobre melancolia?”, me pergunta. “Sim, acho sim, Andreas. Em ‘42/43 você canta sobre começar guerra e que é apenas metade do homem que já foi, que está sem controle. Em ‘Misery loves company’ você fala da angústia de amar a companhia de uma pessoa, mas que ela desapareceu. Fica difícil não achar que não tem melancolia no trabalho do Diego.”. “É, você tem lá sua razão.”.

Talvez esse flerte com a melancolia desgarrada típica de bandas inglesas tenha influenciado na escolha do idioma, afinal a Alemanha não tem lá muita tradição neste tipo de indie rock. “Acho que o som da língua inglesa combina mais com nosso tipo de música. Mas não acredito que a Alemanha não tenha tradição no rock, indie ou não. Temos os Scorpions! E agora o The Beatsteaks, de Berlim, está tomando as paradas”.

Uma das mais bonitas canções do Diego é “Isolation”, a quinta faixa de “Two”. “Isolamento, há muita negatividade neste mundo, não há tempo para perguntas.” Obviamente, a canção, não só em sua confecção mas em seu título remetem ao Joy Division. “Para ser honesto, pouco sei do Joy Division. Vi “Control” e gostei. Nossa canção é sobre o relacionamento e a separação de uma garota. E sentir-se livre indo para qualquer direção. Acho que é um pouco diferente”. Bom, talvez Andreas ainda não tenha ouvido “Love Will Tear Us Apart”, mas isso não impede de “Isolation” ser um dos pontos altos do disco.

E o Diego parece ser isso mesmo, sentimentos e pessoas – talvez trazida pela experiência profissional dos integrantes diante da morte em hospitais. “Na verdade, até gosto de outras formas de arte, mas para mim, interessa mais pessoas do que literatura, por exemplo. Isso reflete em minhas letras”.

“Não sei bem qual será o futuro, mas vamos tocar em alguns festivais este ano e já estamos trabalhando em novas canções para mais um disco.”. Andreas parece fervilhar de ideias. “Tenho ouvido muitas coisas, coisas boas que não consigo parar de ouvir, numa mistura de passado e presente. ‘Hallutionations’, do Raveonettes, ‘Forest Families’, do Knife, ‘With Every Heartbeat’, do Robyn e, claro, ‘Radioactivity’, do Kraftwerk”. Pergunto se com tantas influências assim, a banda iria mudar de rumo. “Adoro a energia do palco, de fazer música. Como disse, rótulos não me interessam, nem caminhos. Vamos onde tivermos de ir”. Resoluto.

No todo, “Two” é um disco com cara de anos 00. Nada inovador, mas consistente. Suas doze canções tem a essência daquela melancolia pop que agrada, que soa suave mesmo que lamentosa. Agora, se o Diego vai longe, não adianta muito especular. Prefira ouvir o disco e deixar isso pra depois.

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Danilo Corci é jornalista e editor dos sites Speculum e Mojo Books

3 thoughts on “A longa marcha de Diego

  1. Eu busquei o disco pra baixar por indicação do Jorge Wagner… E só confirmou um sentimento que eu venho tendo há algum tempo com relação às bandas de hoje em dia que, supostamente, seriam influenciadas pelo Joy Division… Sou fã de JD (e de sua sucessão, o New Order) há 22 anos mais ou menos, daqueles que já não sabe mais onde guardar cada EP raro, bootleg ou single promo… E cheguei a conclusão que estas bandas novas tem muito menos em comum com o Joy Division do que se costuma alardear por aí. Conheço um bocado o pós-punk inglês daquela época também e vejo muito mais semelhanças, por exemplo, com bandas como Chameleons e The Sound. É claro que o JD tem influência sobre o indie rock que se faz hoje em dia, mas não se tem feito justiça a outras bandas… Em todo caso, bela matéria (e gostei do disco). Abração.

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