Cinema: O Lutador

Por Marcelo Costa

Antes de qualquer coisa: o wrestling profissional (conhecido no Brasil como luta livre) é um esporte em que tudo o que se desenvolve durante as lutas é predeterminado pelos lutadores nos camarins. Há uma combinação entre os participantes dos golpes a serem usados, dos objetos que vão fazer parte da luta (cadeiras, escadas, martelos, grampeadores) e também do vencedor, que geralmente já tem o seu golpe de misericórdia. Ou seja: é quase uma encenação. Quase, pois os golpes (cadeiradas, paneladas e outros) são reais.

Bom, esse é um texto dirigido ás mulheres. Pois, “O Lutador” (“The Wrestler”) , longa que coloca a carreira do bom diretor Darren Aronofsky (“Pi”, “Requiem For a Dream”) no ringue novamente após o fiasco inenarrável de “A Fonte da Vida”, soa muito masculino, mas ok meninas, não percam o interesse pelo texto e nem pelo filme. Também não dá para dizer que a nova encarnação de Mickey Rourke vá conquistá-las como fazia em “9 ½ Semanas de Amor” ou “O Selvagem da Motocicleta” e, zuzu bem, nem Marisa Tomei desfilando nua seu corpinho quarentão enxuto vá causar suspiros femininos (só alguns). Esqueça tudo isso.

“O Lutador” se apodera de certo grupo social para mostrar a poesia marginal da vida dos losers, pessoas que achavam que tinham (e muitas vezes tiveram) o mundo em suas mãos, mas quando deram por si já estavam sozinhas tendo que acordar todos os dias em uma vida cujo corpo já mostra as marcas do tempo. Mickey Rourke (em atuação consagradora) é Randy “The Ram”, um lutador de luta livre cujo auge se deu 20 anos atrás. Marisa Tomei é Cassidy, uma stripper que continua na noite após os 40 anos e é chamada de mãe por garotões na balada. O tempo passou, eles ficaram.

Darren Aronofsky não inventa e filma com simplicidade um roteiro extremamente funcional. A história é aquilo mesmo: um lutador em fim de carreira que não se dá bem com a filha (Evan Rachel Wood ok) e é apaixonado por uma stripper, que tem um filho e que já gastou todas as fichas que tinha na tentativa de ser feliz. O encontro desses dois losers é o momento reluzente da película, porém, a vida quando quer complica, e é nessa hora de abandono que “O Lutador” se aproxima do filme mais deprimente (e não menos sensacional) da história recente do cinema mundial: “Despedida em Las Vegas”.

A atuação de Mickey Rourke é sensacional e redentora. Deve fazer pelo ator aquilo que “Pulp Fiction” fez por John Travolta. Sua atuação deixa um pouco a desejar em algumas partes dramáticas (principalmente nas cenas com a filha), que se fossem maiores poderiam comprometer o filme com pieguice, mas se consagra no restante da obra. Já acumula os cinturões do Globo de Ouro de Melhor Ator Dramático e do Bafta da Academia Britânica (o Oscar inglês) e está ali, na briga por um Oscar. Marisa Tomei corre (bonito) por fora e o filme ganhou o Leão de Ouro em Veneza, mesmo lugar em que Aronofsky ouviu uma dolorosa sessão de vaias para “A Fonte da Vida”, em 2006. Isso se chama volta por cima.

Porém, abusando da ironia e brincando com estereótipos, é bem provável que todos os homens já tenham se convencido que “O Lutador” merece ser visto nos dois primeiros parágrafos. Pancadaria e mulher pelada fazem o gosto dos machões (e também dos machinhos), mas há uma beleza tristonha escorrendo da tela em boa parte do filme que provavelmente só as mulheres, mais delicadas e espirituosas, talvez percebam. É um filme que investe na sobriedade e pode conquistar muitos incautos, sejam homens ou mulheres. As últimas, caso fiquem constrangidas, podem fechar os olhos nas cenas de (fake) violência. O que importa não são as feridas no corpo, mas as da alma.

Ps. A piada com o Nirvana é sensacional…

Leia também no Scream & Yell:
– “Pi”: a angústia sentida pelos personagens persegue o espectador
– “Requiem For a Dream”: mensagem anti-drogas num filme inesquecível
– “mother!”:  Violento, terrível e assustador, não veja apenas uma vez. Veja duas!
– “Cisne Negro”: a falta de certeza faz deste filme um clássico contemporaneo

4 thoughts on “Cinema: O Lutador

  1. Cara, já vou começar o post dizendo que devo ser a única pessoa a gosta de A Fonte da Vida. Acho um baita filme sobre amor e perda.
    Acho o Arenofsky muito corajoso de pegar um roteiro em que pelo metade do filme é sobre luta livre e ainda conseguir a atenção das pessoas. E todos os filmes deles pra mim são bem tristes se você pensar. Não sei sobre Pi, mas sobre os outros tenho essa impressão.
    Discordo de você sobre as cenas piegas do Randy com a filha. Acho um dos pontos altos do filme e ele tinha que ser piegas, ele não é um cara com estudo e gosta de metal farofa dos anos 80. É cliche, é estereótipo, mas pelo menos pra mim, serve a personagem.
    Fora que tem uns diálogos muito bons. Quando ele fala que a vida lá fora, a real, é que o machuca, todo mundo sabe do que ele tá falando e ainda assim é sensível (piegas?), e verdade.
    Não assisti a todos os filmes que concorrem ao Oscar, mas tô torcendo pro Rourke pra ator. E o Arenofski ganhar ia ser legal também.

  2. vi o filme um dia antes do Oscar e apostei minhas fichas no Mickey Rourke, mesmo sabendo que Sean Penn provavelmente levaria o prêmio.
    Ele passa toda aquela angústia de um cara solitário e acabado, mas que ao mesmo tempo é tão gente boa que (quase) não consegue explodir de raiva.

    OBS: Alguém sentiu falta da música “the westler” de Bruce Springsteen no Oscar? Ganhou uma do “Quem quer ser um milionário?”, mas concorreu só com duas outras, do Wall-e e outra do mesmo filme. Só três opções ><
    Será que a canção “The Westler” ganharia?

Deixe um comentário para Diego Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.