Blog do Editor: Entrevista a Leo Spinardi

Entrevista concedida a Leonardo Spinardi (agosto de 2002)

Por quê a escolha pelo jornalismo cultural?

Soaria tolo se eu dissesse que escolhi o jornalismo cultural. Tanto quanto dizer que o jornalismo cultural me escolheu. O lance é que há uma passionalidade em se escrever sobre música, cinema e literatura que simplesmente me atrai. Além, são áreas que gosto e que conheço bem. É mais ou menos como se trabalhar com o que gosta, ou seja, o trabalho perfeito.

Quando começou a escrever seus primeiros textos sobre cultura pop?

Em 1996. Foi nesse ano que um amigo sugeriu a criação de um fanzine, em papel mesmo. O fanzine fez um relativo sucesso no meio independente. Quando decidi “migrar” para a internet, deixei mais de 9.000 exemplares do fanzine em papel espalhados pelo cenário independente. Pode parecer um número pequeno para quem vê de fora, mas quem conhece a paixão com que as pessoas que lêem fanzines recebem um novo exemplar, sabe o real valor desse número. Depois houve algumas portas abertas por amigos, desde o pessoal do COL (grande Cardoso) até o Carlos Eduardo Lima (hoje colunista S&Y), que me apresentou a Rock Press.

Como nasceu a idéia do zine Scream & Yell? Por quê este nome?

A idéia surgiu de uma vontade minha e de um amigo já falecido (João Marcelo Gonçalves) em retratar coisas que estavam acontecendo na nossa cidade (na época eu morava em Taubaté, Vale do Paraíba, uma cidade perdida entre duas grandes capitais – SP/RJ) e que não tinha nenhuma válvula de escape. Claro, também para poder falarmos de coisas que gostávamos e que não tínhamos onde expor. O nome foi idéia do João Marcelo, uma brincadeira com duas palavras diferentes mas com praticamente o mesmo significado em inglês.

Hoje o S&Y já conta com uma estrutura bastante sólida e sempre atualizada para um zine eletrônico. Como se dá a divisão e o contato com os colaboradores?

Os colaboradores me procuram e, claro, eu já tenho os meus preferidos, aqueles com quem posso contar se precisar de uma entrevista ou de uma pauta. A divisão acontece naturalmente. A maioria dos colaboradores está começando a faculdade de jornalismo e o espaço que o S&Y tem vem ao encontro das necessidades de expor um texto e, principalmente, de exercitar o que está aprendendo em sala de aula. É claro que existem pessoas aqui que não são jornalistas, e eu não me preocupo com isso. Tento sempre me ater a qualidade do texto. E, sempre, pensar que assim estou abrindo um espaço, um canal, uma válvula de escape para este colaborador. Muitos agradecem várias vezes pelo fato de eu aceitar e publicar um texto seu, mas, na verdade, eu é quem deveria agradecer por receber tantos e bons textos continuamente.

Pode parecer apenas um hobby ou passatempo, mas existe um compromisso do S&Y com a divulgação do rock nacional?

Existe um compromisso com a divulgação da boa cultura e o rock nacional está englobado nisso. Quando falamos de um filme, de um livro ou do disco, estamos dando nosso aval, na maioria das vezes passional, a essa determinada manifestação de arte. É claro que há a idéia principal de nunca menosprezar ninguém. Assim, podemos tratar de igual para igual um banda de rock nacional iniciante com a última sensação da música norte-americana. Disso tudo fica sempre a idéia de divulgar a boa cultura.

Você acredita que a experiência adquirida nos zines acaba servindo como um laboratório para se trabalhar em publicações maiores ou não se tem tanta liberdade nestas publicações para expor as idéias da mesma maneira que em um zine?

Acredito que a experiência adquirida em um zine permite ao profissional encontrar seu estilo. É claro que ele sempre terá pressão sobre seus textos em um veículo maior, em um jornal como a Folha de São Paulo, por exemplo, mas a experiência adquirida em se escrever e escrever e escrever permitirá a este profissional abordar o assunto de uma maneira em que a sua idéia livre se encaixe nos padrões rígidos da instituição a que ele trabalha. Ou seja, ele aprenderá a fugir das amarras de um texto, ou, principalmente, de um editor chato.

Como surgiu a oportunidade de capitanear a linha editorial da nova publicação musical, a revista Zero (que veio para ocupar a lacuna deixada pela finada Showbizz), e qual o motivo de sua saída antes mesmo da primeira edição?

Quem trabalha com jornalismo nunca fica sossegado. Trabalhando em veículos vários, eu sempre tive vários planos, muitos deles impulsionados pela ótima acolhida que o S&Y sempre teve, ou pelo envolvimento crescente com jornalismo. A idéia Zero surgiu como surgem todas as idéias, geralmente de uma necessidade. Nesse mesmo pacote tínhamos plano de fazer um programa de TV, um programa de rádio e outras coisas. A revista seguiu e o resultado está em todas as bancas do país. Um projeto honesto, independente e sonhador, o que valoriza por demais a publicação. Minha saída foi fruto de alguns desentendimentos pessoais (sempre acontecem) e de uma pequena insatisfação com o rumo que a revista poderia ter. No fim, foi bom para ambas as partes. Com minha saída, os editores que ficaram tiveram mais liberdade para seguir a linha que estão seguindo e eu posso adotar meu pensamento no S&Y. Alias, se eu seguisse na revista, provavelmente não conseguiria editar o S&Y. Então, agora eles tem uma revista e e eu tenho um site, ambos de qualidade. O público acabou ganhando.

Você acredita que a publicidade pode prejudicar a fidelidade da linha editorial de uma revista?

Sim. Infelizmente uma publicação vive de anúncios. É sonhador demais fazer um fanzine. É bonito, é livre. Mas uma revista precisa atender a várias expectativas. Dos parceiros, do público, dos investidores. Com isso, muitas vezes a parte editorial fica prejudicada. Não é o fim do mundo, desde que se tenha jogo de cintura para lidar com o mercado, com os anunciantes e com o texto final. O pensamento básico é que, sim, é possível conseguir boas pautas de onde menos se espera. Então, qual o problema de se ter um RPM na capa se a pauta for bacana. O entrevistão com o Nahim, no número 1 da Zero, prova isso.

Em uma publicação de grande porte, como lhe dar com a responsabilidade de ser um formador de opinião e antecipar vanguardas, sem se deixar cair no modismo (hypes) comprometendo a qualidade da informação e a linha editorial do veículo?

Sendo honesto, sempre. O jornalismo cultural está com muita tendência a modismos, já que cada jornalista quer ser o porta voz da próxima revolução cultural. A maneira de lidar com isso é sendo honesto consigo mesmo e honesto com o público.

O Brasil não possui uma tradição no consumo de cultura pop, diga-se rock neste caso. Qual a proposta que você adotaria para uma publicação musical de seu próprio domínio, para que conseguisse sobreviver neste tipo de mercado?

Ser independente. Em uma editora independente, uma revista pode alcançar margens de vendas que variem de 7.000 a 30.000 exemplares. Essa margem nunca seria aceita em uma grande editora. No mais, cultura pop tende a crescer, já que é uma cultura predominantemente popular, mas isso depende de toda uma engrenagem. Se uma publicação independente como a Zero conseguir sobreviver mês a mês com uma tiragem de 20.000 e que vá aumentando 10% ao mês (por n fatores), logo essa publicação poderá ter um público maior e que ninguém tem autoridade para quantificar. Pode ser 30.000, pode ser 60.000. Podem ser 100.000. Leitores existem aos montes, mas muitos não têm acesso a uma revista (outra vez, por n fatores).

Você acredita que a segmentação pode ser a solução?

Não. Acredito que a segmentação encontrará cada vez mais públicos menores porque a tendência é segmentar eternamente. Então hoje nós temos uma revista de música. Amanhã vamos ter uma revista de música, focada no rock. Depois de amanhã o foco será música/rock/anos 90/ e depois música/rock/anos 90/nacional/ e assim por diante. É uma estrada sem fim. O que é preciso é apenas escrever bem, ter boas pautas, seduzir o leitor. E, sobretudo, dar a esse leitor subsídios para descobrir que a publicação, 1) está nas bancas 2) tenha um preço acessível a esse leitor.

Como consumidor, o que você espera das novas publicações sobre cultura pop como as revistas Frente e Zero?

Espero que elas cresçam e durem. E, principalmente, inspirem. Eu estou aqui, hoje, porque era leitor da revista Bizz. Hoje eu trabalho com jornalismo porque pessoas como Ana Maria Bahiana, André Forastieri, André Barcinski, Marcel Plasse, José Augusto Lemos, José Emílio Roundeau e outros me inspiraram. Por isso existe uma seção como a “matérias antológicas” aqui no S&Y. É um reconhecimento, mesmo. E eu espero que essas novas publicações façam com a juventude de hoje o que a Bizz, o caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, a Som Três, fez comigo no meio dos anos 80: ter vontade de ser jornalista.

Para você, que trabalha diretamente com o cenário do rock alternativo brasileiro, como você vê a estrutura deste espaço?

Está melhorando, aos poucos, como tudo que acontece em um país subdesenvolvido. Alguns selos independentes começam a se firmar no mercado, como a Monstro Discos de Goiânia, a Midsummer Madness do RJ e o selo Bizarre em São Paulo. Ainda faltam lugares para shows, mas as bandas brasileiras precisam dar a cara a tapa. Precisam começar a tocar em qualquer lugar, como a turma de Brasília fazia em 1983, como os punks em São Paulo faziam nessa mesma época. Muitas bandas estão acomodadas achando que só de gravar um disco já está ótimo. Não está. Disco qualquer um grava hoje em dia. Mas só vai vingar aqueles que tocarem e tocarem muito. Porque o fato de tocar ao vivo melhora o som da banda, além de criar uma união com o público. A cena independente deve melhorar ainda mais. Não digo que ela será mainstream um dia, mas que ela poderá sobreviver com a cena norte-americana ou inglesa, sim.

O surgimento de festivais como o Goiânia Noise (GO), o Porão do Rock (DF) e o Mada (RN) pode ser considerado uma evolução para o cenário alternativo. Como você enxerga esses festivais e quais as principais bandas que tem se destacado?

Festival é sempre um celeiro de boas bandas. O Los Hermanos, para mim, a principal banda da atualidade do cenário nacional, despontou em um desses festivais, o Abril Pro Rock em Recife. Muitas boas bandas tocam nestes festivais. Eu mesmo tenho uma dúzia de bandas preferidas. Das que já vi ao vivo, o Wonkavision de Porto Alegre tem um teor pop de primeira. Vi eles no Upload Festival 2001 (que terá sua segunda edição este ano) e foi muito bom. Algumas semanas atrás presenciei a estréia do Supertrunfo (ex-Maybees) que trocou o nome e a língua (eles cantavam em inglês, agora cantam em português) para tentar alcançar um público maior e o show foi sensacional. Tem a Walverdes (de Porto Alegre também) que está lançando seu primeiro cd (o anterior era um ep) e a gravação está excelente. O som deles é bem cru, porrada mesmo. Não acredito que toquem em rádio FM normais, mas em rádios rock eles deveriam tocar, e já. E o Momento 68, um som meio anos 60, que lembra Beatles, The Who, psicodelia. Tecnologia, o disco que eles estão lançando agora e já é um dos melhores do ano. E eles serão distribuídos no exterior pelo selo Voice Print, o que é uma ótima noticia. Eu poderia ainda citar o Blemish e a Wacko, duas bandas que cantam em inglês mas que tem uma sonoridade e uma pegada totalmente pessoal. A Wacko, inclusive, partiu para tentar a sorte no mercado europeu. A banda está residindo em Londres e não me surpreenderia nada se a New Music Express falasse deles amanhã. O show deles é caótico, violento, excelente. Das bandas que recebi CD mas não vi show, adoro a Lasciva Lula do RJ e tenho ouvido muito uma banda de Curitiba chamada Lorena Foi Embora.

Na sua opinião, o jornalismo musical deve ser encarado com distância e imparcialidade ou com paixão e contundência como no jornalismo gonzo?

Nem um e nem outro. Jornalismo cultural implica passionalidade. Mas há maneiras de se ser passional e ser critico. É só deixar a razão controlar a emoção. Há muita diferença entre “O Los Hermanis fez um show excelente” e “o Los Hermanos fez um show que eu achei excelente”. No primeiro caso, observamos a imparcialidade, já que a frase excelente vem carregada de emoção. Mas vem carregada também de critica. Na segunda temos uma conotação masturbatória de um jornalista que se julga mais importante que a noticia. Jornalismo gonzo é muito bacana, mas não é jornalismo, é literatura. Como dizia Lester Bangs (vide o filme Quase Famosos), um dos jornalistas mais passionais que já existiu: “Estrelas do rock são cool, jornalistas não”. Pena que muita gente por ai não tenha entendido esse recado.

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