Rock nacional para exportação

Na metade da década passada, o tema de uma das discussões mais acaloradas nos fanzines tradicionais da época (ainda em papel) era a viabilidade de se ter uma banda do lado debaixo do Equador tocando rock com composições em inglês. No próprio Scream & Yell impresso, edição de março de 2000, o jornalista Omar Godoy reclamava: “Alguém agüenta a velha discussão entre cantar ou não em inglês? Pois bem, o assunto deveria estar definitivamente enterrado, mas alguém sempre volta ao tema”. Seis anos depois, cá estou voltando ao assunto, mas com algumas novidades.

Antes de entrar no mérito, seria de bom grado retornar alguns anos no imaginário pop tupiniquim, ali pelo começo dos anos 90, período que marca a derrocada do primeiro grande boom do rock nacional, que foi trocado pela música sertaneja no mainstream, e viu surgir no cenário independente um grande número de bandas lançando discos com canções em inglês. É desta primeira fase “Time Will Burn” (1990), estréia dos paulistanos do Pin Ups, e “You”, dos cariocas do Second Come (1991), dois clássicos cantados em inglês do rock indie nacional.

Apesar de ter rendido vários bons discos, o cenário indie brazuca ’90 ficou a margem do público, e durante bons anos rendeu a discussão sobre “cantar em português ou cantar em inglês?”. Pelo caminho até teve banda trocando a língua inglesa pela língua pátria (Viper, Ludov/Maybees, Pullovers), e gente se dividindo entre as duas línguas (Forgotten Boys e os cuiabanos do Vanguart). Duas bandas com mais de dez anos de estrada acabam de colocar na praça seus novos trabalhos, com apenas canções em inglês, mas o momento que vivemos é bem diferente daquele dos anos 90.

Os sergipanos do Snooze e os cariocas da Pelvs lançam seus terceiro e quarto CDs (respectivamente) no exato momento que uma banda brasileira ganha destaque em listas de melhores do ano de publicações estrangeiras. Até o momento, “CSS”, primeiro álbum do Cansei de Ser Sexy, já apareceu com destaque nas listas das revistas Uncut (18º) e New Musical Express (5º). Na semana passada, Jarvis Cocker, ex-lider do Pulp, cantou com o CSS em show em Londres.

A atenção que a mídia estrangeira está concedendo ao Cansei de Ser Sexy abre novas perspectivas para as bandas nacionais que cantam em inglês, e o momento não poderia ser mais oportuno, pois agora o nível de qualidade dos lançamentos indies no país iguala o nível profissional de grandes gravadora do mercado exterior. E “Anotherspot”, do Pelvs, e “Snooze”, do Snooze, estão aí para comprovar a tese. Não que estes dois lançamentos sejam novidadeiros na linha do CSS. São apenas dois bons discos de rock.

Na verdade, um pouco mais do que isso. Tanto o Snooze quanto a Pelvs amadureceram em relação a própria música que fazem, e o resultado são dois discos de rock despretensiosos em sua essência, e cheios de energia em seu som. As duas bandas parecem fazer rock por diversão mais do que qualquer outra coisa, e isso flui nas canções dos dois álbuns.

O Snooze abre seu disco com gaita e clima rockão na excelente “Words of You”. A segunda, “Loser’s Kiss”, traz a voz de Clínio Junior enterrada no riff de guitarra enquanto a balada rock psicodélica “Love and Death (No Conclusions)” e a pop song carregada de metais “Sunshine” estão disponíveis para download no site oficial do grupo. No restante do álbum a banda desacelera a batida, coloca o violão em primeiro plano, sampleia David Bowie e Who, inclui uma faixa instrumental com altas doses de microfonia e que fez parte da trilha sonora de uma peça de teatro, e finaliza o disco com um épico de mais de 13 minutos.

A Pelvs começa ao inverso do Snooze abrindo “Anotherspot” com uma canção longa, a mais longa do CD. Após dez minutos de guitarras, “Baby of Macon” abre caminho para a faixa mais curta do álbum, (2m57s) “Indian Maracas”, com bateria marcante e clima suave pontuado por um xilofone. “Run Of The Mill” se arrasta em guitarras e vocais densos. “Beans Can’t Clap” (que está para download no site oficial da gravadora independente Midsummer Madness junto com mais três faixas de “Anotherspot”) também destaca o xilofone. “The Ballad of Tom Cody and Ellen Aim” fecha o disco de forma ensolarada.

Tanto Snooze quanto a Pelvs alcançam a maturidade musical em seus novos álbuns. Isso não quer dizer, de forma alguma, que o caminho que está sendo aberto pelo CSS deva ser seguido pelos sergipanos e pelos cariocas, mas o mercado brasileiro anda tão ao Deus dará que lançar um disco – seja em português, catalão ou inglês – não é sinônimo de sucesso. Houve um fragmento de tempo na história da música recente feita no Brasil em que a língua escolhida para as canções gerava mais discussões do que a qualidade do artista.

Os tempos agora são outros. Uma banda brasileira que canta em inglês (e português também, diga-se de passagem) é destaque nas principais publicações de música no mundo. Bandas excelentes como o Violins (Goiânia), Terminal Guadalupe (Curitiba) e Ludov (São Paulo) lançam ótimos discos cantando em português, e não conseguem o respeito e a atenção que merecem. Mais do que em qualquer outro período da história, não existe uma fórmula, mas o que os novos tempos sinalizam é que, independente da língua que a música esteja sendo cantada, o que importa é fazer o que se gosta. Pelvs e Snooze parecem estar fazendo isso em seus novos discos.

Ps 1: O Snooze colocou várias músicas para download em seu site oficial, duas do disco novo. Para baixar é só clicar com o botão direito e “salvar como” nas canções abaixo listadas. Para ir atrás das outras é só ir ao site oficial.

Sunshine
Love&Death (No Conclusions)

Ps 2: O site da gravadora Midsummer Madness está disponibilizando a integra do CD “Members to Sunna” (1997), quatro faixas do ótimo “Península” além de várias canções de singles e EPs. Tudo na página da banda no site da MM. Abaixo duas (das quatro) faixas do álbum “Anotherspot”. É só clicar com o botão direito e “salvar como”.

Beans Can’t Clap
Tupiguarani

Ps 3: Fim do ano chegando, e começam a pintar as listas de melhores do ano. Semanas atrás publiquei a lista da Uncut, que é liderada por “Modern Times”, de Bob Dylan. Abaixo a listona da NME:

1 – Arctic Monkeys – Whatever People Say I Am That’s What I’m Not
2 – Yeah Yeah Yeahs – Show Your Bones
3 – Muse – Black Holes And Revelations
4 – Hot Chip – The Warning
5 – CSS – Cansei De Ser Sexy
6 – Gnarls Barkley – St Elsewhere
7 – Long Blondes – Someone To Drive You Home
8 – The Strokes – First Impressions Of Earth
9 – Kasabian – Empire
10 – My Chemical Romance – The Black Parade

11 – Howling Bells – Howling Bells
12 – The Killers – Sam’s Town
13 – Panic! At The Disco – A Fever You Can’t Sweat Out
14 – TV On The Radio – Return To Cookie Moutain
15 – Thom Yorke – The Eraser
16 – Amy Winehouse – Back To Black
17 – The Futureheads – News And Tributes
18 – The Rapture – Pieces Of The People We Love
19 – The Longcut – A Call And Response
20 – The Streets – The Hardest Way To Make An Easy Living

21 – The Raconteurs – Broken Boy Soldiers
22 – The Flaming Lips – At War With The Mystics
23 – The Knife – Silent Shout
24 – The Secret Machines – Ten Silver Drops
25 – Mogwai – Mr Beast
26 – Jarvis – Jarvis
27 – Clap Your Hands Say Yeah – Clap Your Hands Say Yeah
28 – Morrissey – Ringleader Of The Tormentors
29 – The Spinto Band – Nice And Nicely Done
30 – Cat Power – The Greatest

31 – The Sunshine Underground – Raise The Alarm
32 – Lily Allen – Alright, Still
33 – The Bronx – The Bronx
34 – Albert Hammond Jr – Yours To Keep
35 – Forward Russia – Give Me A Wall
36 – Datarock – Datarock
37 – Be Your Own Pet – Be Your Own Pet
38 – Metric – Live It Out
39 – The Young Knives – Voices Of Animals And Men
40 – Midlake – The Trials Of Van Occupanther

41 – The Gossip – Standing In The Way Of Control
42 – The Automatic – Not Accepted Anywhere
43 – Beck – The Information
44 – Isobel Campbell & Mark Lanegan – Ballad Of The Broken Seas
45 – Bob Dylan – Modern Times
46 – Semi Finalists – Semi Finalists
47 – Wolfmother – Wolfmother
48 – Get Cape Wear Cape Fly – The Chronicles Of A Bohemian Teenager
49 – Absentee – Schmotime
50 – The Kooks – Inside In/Inside Out

Ps 4: Em texto para o Trabalho Sujo, o jornalista Alexandre Matias lista 25 álbuns fundamentais na formação de um mercado independente, tanto do ponto de vista comercial como artístico. Imprime e guarda.

Ps 5: O amigo (e parceiro de discotecagem) Carlos Freitas voltou a atualizar sua excelente Impop. Confira aqui a aldeia global de Curumin.

Ps 6: Já assistiu “O Grande Truque”, filme mais recente de Christopher Nolan (“Amnésia”, “Insônia”, “Batman Begins”). É um dos filmes do ano e termina com… Thom Yorke cantando.

Ps 7: Rodrigo Lariú é o responsável pelo selo Midsummer Madness, responsável por uma parte considerável de lançamentos do indie nacional. Lariú decidiu colocar toda história de músicas do selo para download no site da gravadora. Em entrevista ao Guia Out, Lariú falou sobre a 9ª edição do festival Algumas Pessoas Tentar Te Fuder de Novo (nome inspirado em um b-side do Teenage Fanclub) e sobre o novo site da Midsummer Madness. Confira abaixo a entrevista e veja as datas do festival no Guia Out.

9ª Edição do festival. Como será o evento neste ano?
“O ‘Algumas Pessoas Tentam te Fuder’ deste ano vem maior e mais gostoso. No início, o festival era só para bandas do midsummer madness, mas para não ficar repetindo as bandas e também porque tem um monte de banda maneira fora do mm, este ano o Algumas Pessoas tá pulando a cerca e tentando fuder pessoas novas. Então, esta 9ª edição é a que tem mais convidados. No sábado (16/12) inclusive estamos fretando um ônibus para trazer as bandas de São Paulo… quer dizer, banda de SP mesmo não vem nenhuma: duas são cearenses, uma é do Paraná e outra do Pará. Mas, para compensar, este ano, pela primeira vez, o festival chega a SP. Dia 17 de dezembro, domingo, em conjunto com o Projeto 2emum, tem show com La Pupuña, Motormama e The Charts no Copolla. Outra coisa bem bacana é que pela 3ª vez a gente está escalando atrações internacionais dentro do Algumas Pessoas… A primeira vez foi em 2000 com Stereolab (em conjunto com a Motor Music), depois foi em 2002 com Mogwai (em conjunto com a Motor Music e o CEP20Mil) e agora são os suecos em conjunto com o Coquetel Molotov. Algumas Pessoas adoram suruba”

Quais os destaques da programação para você?
“Estou muito ansioso para o show de domingo que vem aqui no Rio e o de SP. Aqui no Rio porque será um show no melhor estilo dos festivais da All Tomorrow’s Parties, com o The Cigarettes tocando o primeiro disco deles, ‘Bingo’, na íntegra dentro da festa Sundae Tracks, na Casa da Matriz. Este show marca os 10 anos do lançamento do 1º CD do mm (em 1997) e também a volta do Cigarettes ao midsummer madness pois em 2007 vamos lançar junto com a Slag, no melhor estilo menàge, o 3º cd do Cigarettes. E em SP vai ser o revival do The Charts, outra banda fabulosa que volta a fazer shows. Além disso, Jens Lekman está sendo muito aguardado aqui no Rio, assim como La Pupuña, Fóssil e Grenade.”

No flyer há um protesto contra a meia-entrada. Fale um pouco sobre isso
“Aqui no Rio a lei é diferente da de SP. Aqui não há um limite para quantidade de ingressos à meia-entrada que os eventos são obrigados a vender. Isso torna as contas da produção um exercício de adivinhação e no final quem se fode mesmo é o público. Por causa da lei que nos obriga a dar meia entrada, tivemos que jogar o ingresso de quinta feira (suecos) para R$80. O protesto que resolvemos fazer é colocar escrito na filipeta o seguinte: ” meia entrada para carteiras de estudante verdadeiras, falsas ou com qualquer pedaço de papel que você achar no chão”. Além disso, incluimos uma promoção de ingressos pelo mesmo valor da meia-entrada para os primeiros 600 pagantes que não apresentarem carteira de estudante, só que 600 pessoas é a lotação total do local do show. Toda esta quantidade de informação tem confundido o público. Eu não sou contra a meia entrada mas acho que teria que ser como em SP, onde o produtor do show é obrigado a vender até 30% da lotação por meia entrada. A partir do momento que vc sabe quantos ingressos meia entrada vai vender, fica mais fácil fazer as contas. Além disso, se as carteirinhas de estudante fossem ‘infalsificáveis’, ou, se esta grana fosse revertida em prol de mais shows, dai eu apoiaria a causa. Por enquanto é apenas mais uma grande zona.”

O site da MM está disponibilizando MP3 de alguns artistas de seu cast. O que tem de bom por lá para os leitores baixarem?
“Tudo. De verdade, não tô puxando peixe pra minha brasa não… Aos poucos estamos disponibilizando todas as fitas cassete do nosso catálogo que vêm desde 1994, ou seja, tem uma boa parte da história do independente brasileiro lá. Ainda tem poucas bandas mas a intenção é esta mesmo, queremos disponibilizar aos poucos, devagarzinho, bem gostosinho, para as pessoas terem tempo de ouvir com calma cada lançamento ou re-lançamento. Das bandas que vão tocar no festival, quase tudo já está disponível: Pelvs (demos, o disco novo), Luisa Mandou Um Beijo, Nervoso e os Calmantes (que inclusive tá com um ep novo com 5 músicas inéditas), acabamos de lançar o THE ALBERTO, Motormama, Cigarettes (todas as demos, o Bingo na íntegra) e vamos colocar ainda esta semana o Supercordas (uma demo lançada com o mm em 2001) e o Mr. Spaceman (que é a banda do Régis, ex Velouria – uma banda do midsummer madness da década de 90- e atual guitarrista do Cidadão Instigado). Para janeiro vai ter uma coletânea em MP3 chamada Fim de Século, organizada por Gabriel Thomaz do Autoramas só com os hits lançados em fita demo por várias bandas obscuras da época, tipo un Nuggets’ Brasil do udigrudi 90. Espero que o mmrecords.com.br passe a ser um ponto de referência na internet para boa música.”

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