Blog do Editor: Bill Graham e Otis Redding

por Mac

Trecho sensacional do livro “Bill Graham Apresenta: Minha Vida Dentro e Fora do Rock”, lançado no Brasil pela Editora Barracuda (aqui):

“Havia um grande músico que todo mundo queria ver. Todo mundo dizia: ‘Este é o cara’. Otis. Otis Redding. Ele era o cara. Para todo mundo que falava comigo. Para fazer Otis vir tocar no Fillmore, eu fui de avião até Atlanta para depois ir até Macon, que ficava no meio do nada. Acho que acabei impressionando o cara por ter ido tão longe. Mas eu pensava: ‘Como é possível explicar para alguém que eu realmente quero que ele vá tocar para mim?’. Eu poderia ter oferecido dez mil dólares, o que significaria a minha morte. Meu negócio quebraria. Na época, eu não podia pagar tanto dinheiro. Ou então eu poderia dizer que quando eu falava com artistas que respeitava, Paul Butterfield, Michael Bloomfield, Jerry Garcia, e perguntava quem era o cara, quem era o número 1 de suas listas, eles sempre diziam que era você.

Tentei ser humilde com ele. Nada de ‘você tem que vir tocar no maravilhoso Fillmore’. Foi o contrário. ‘Todo mundo me diz que eu preciso convencer você a tocar. Eu sou fã de música latina e não conheço a sua música. Sou fã de Carmen MacRae’. O pessoal dele me perguntou sobre os jovens que iam ao Fillmore e as drogas que tomavam. Só faltava acharem que havia rituais de vodu no lugar. Aquelas tintas, as luzes, as roupas malucas. Era uma coisa estranha para eles. E esse foi outro motivo por que ir até Macon ajudou. Porque eu era um cara supercertinho que não se vestia de um jeito maluco. Finalmente, ele concordou em vir com sua banda, chamada Robert Hathaway Band. Ele tocou em dezembro de 1966. Otis Redding foi o talento mais extraordinário que eu já vi na vida. Disparado. Não havia comparação. Nem naquela época, nem agora.

Todo artista na cidade pediu para abrir o show do Otis. Na primeira noite foi o Grateful Dead. Janis Joplin chegou às três da tarde no dia do primeiro show para ter certeza de que conseguiria um lugar na frente. Até hoje, acho que nenhum músico conseguiu fazer com que todo mundo viesse para um show como ele fez. Todos os músicos apareceram. Ele era o cara. O VERDADEIRO cara. Gostasse de rhythm n’blues, rock de brancos, rock de negros ou jazz, a pessoa sempre ia ver Otis.

Ele tinha uma banda enorme. Dezoito músicos. Na primeira noite usou um terno verde, uma camisa preta e uma gravata amarela, com uma corrente de chaveiro pendurada no cinto. Tinha um metro e noventa. Era um Adônis negro. Ele se movia feito uma serpente. Uma pantera à espreita da presa. Ciente de que era o dono do universo. Belo, brilhante, negro, suado, sensual, apaixonado. Era o predecessor daquele que finalmente conseguiu tocar diante de uma platéia de fãs de rock and roll negros e brancos. Foi só quando Jimi Hendrix apareceu que me dei conta de que Otis esteve lá antes. Jimi foi o primeiro a ter mulheres brancas o desejando abertamente sem nem se dar conta disso. Mas Otis foi seu predecessor.

No palco o homem não parava de se mexer. Ele tocava uma música e, no fim, andava pelo palco. ‘Yeah! Uff! Hey! Oh! Yeah! Vamos lá! Oh! Yeah! Uff! Um, dois…’. e ai entrava na música seguinte. Três, quatro músicas depois do set da primeira noite, eu já estava em pé ao lado do palco. Eu não conseguia acreditar no quanto ele era bom. Ele começou a andar para cima e para baixo. ‘Yeah! Uff! Hey! Oh! Yeah!’. Enquanto fazia isso, uma mulher estava debruçada na frente do palco. Uma jovem negra belíssima num vestido decotado. Ela começou a suspirar como se não pudesse se conter. ‘Otis! Ah! Oh!’. Ele viu. Ele andava para cima e para baixo e dizia: “Yeah”. Estava com o microfone na mão. Ele a viu e ela disse: ‘Uhhh’. Ele atravessou o palco, se debruçou, pegou o microfone e fez uma coisa que nunca ninguém fez igual. Ele olhou para ela, e era um cara grandão e bonito, e ela estava toda animada. E ele disse olhando bem dentro dos olhos dela. ‘Essa vai com tudo para você, querida. Um, dois…’ e todo mundo fez ‘Hah!’ juntos.

Eu esperava algo especial, mas não aquilo. Aquela coisa animal. Ele fez algo naquela noite que ninguém conseguia fazer. Todo mundo batia palma enquanto ele falava ‘fa fa fa fa’ andando pelo palco. Quando terminou as pessoas estavam loucas, gritavam, ‘Yeah! Yeah!’, aplaudindo loucamente, e pouco antes do aplauso morrer tocou ‘I Been Lovin Too Long’. Ele sempre recomeçava logo antes do ânimo morrer. Logo antes de a platéia se acalmar. Vocês estão nas alturas? Vão cair? Eu ainda estou aqui. Não fui embora ainda. Ninguém nunca conseguiu isso. Até hoje eu nunca vi ninguém fazer isso. Quando Richard Pryor estava no ápice não dava para parar de rir. A gente ria, ria, ria de novo, e doía. No caso de Otis, nunca doía. O negócio é que ele era calmo. Era um cara relaxado. Mas se mexia também. Era o verdadeiro Tom Jones. A pessoa que Tom Jones sempre quis ser.

Foi uma maravilha. Otis terminou o show. Ele estava lá em cima, no camarote. Eu estava do lado de fora e ele me chamou: ‘Bill! Bill’. Eu entrei e ele disse: ‘Eu amo essas pessoas!’. Estava sem fôlego e suava loucamente porque tinha acabado de pôr o lugar abaixo. Estava lá sentado com um monte de toalhas, e eu disse: ‘Otis, nem sei o que dizer, meu deus’. E ai eu desatei a falar. A primeira coisa que ele me disse foi: ‘Muita mulher bonita aqui. Mulheres muito bonitas’.

– ‘Meu Deus’, eu disse a Otis. “Mais duas noites. Existe algo que eu possa fazer por você?’.
– ‘Não, não’, disse ele.

Quando eu estava saindo, ele disse. ‘Espere, Bill. A gente acabou de chegar da Inglaterra, e quando você faz shows lá nunca tem gelo. Será que você pode me arranjar um negócio grande com gelo e 7-Up’.

– ‘Sem problema’, eu disse.

Desci correndo as escadas até Denise, que trabalhava atrás do balcão. E falei:
– ‘Denise, preciso de contêineres grandes com gelo e 7-Up’.
– ‘A máquina quebrou’, ela me disse.
– ‘Como assim, quebrou?’
– ‘Bom, a gente continua servindo as bebidas, mas não tem gelo’.

Então sai de lá. Sai correndo de lá, possuído. Desci a Geary e fui até um mercado que ficava a um quarteirão de distância. Comprei um saco de gelo. Subi correndo a Geary de volta e entrei no Fillmore. Quebrei o gelo no balcão. Quando entrei estava resfolegando. Aí coloquei o gelo nos copos e coloquei o 7-Up. Quando cheguei lá em cima, comecei a pensar: ‘Como posso fazer o Otis saber que fiz isso por ele?’. De propósito, comecei a resfolegar de novo. Comecei a respirar como se tivesse corrido. ‘Aqui está o 7-Up’, eu disse. ‘Está bom de gelo?’.

– ‘O que houve?’, perguntou Otis.
– ‘Bom’, eu disse, ainda tentando respirar calmamente. ‘Não é nada demais… eu…. a gente… hm… a máquina de gelo quebrou. Eu tive que descer a rua para pegar gelo para você. Mas não foi nada’.
E ai Otis fez algo grande. Ele agarrou a minha camisa e disse: ‘Você fez o que? Você desceu a rua para pegar gelo para mim?’.
– ‘É. E o que que tem?’
Ele me deu um grande abraço. Depois se afastou e disse: ‘Deixa eu falar uma coisa, cara. Quando eu tocar aqui, a partir de agora, vou tocar para você’.

Se alguém quisesse saber como era o mundo dos negócios na música, eu sempre achei que aquela noite respondia. Como eu podia deixar claro que eu queria que ele voltasse a tocar para mim? Com 7-Up com gelo.”

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