A caixa do The Jesus and Mary Chain

por Marcelo Costa

Eles estão há exatos dez anos sem apresentar nada de novo. O último álbum de originais foi “Munki”, de 1998, e nesse meio tempo – desde o anuncio oficial do fim em setembro de 1999 – foram lançadas três coletâneas: “The Complete John Peel Sessions” (2000), vinte e uma canções registradas em seis sessões ao vivo na BBC (incluindo sete registros com Bobby Gillespie na bateria), “21 Singles” (2002), e “BBC – Live in Concert”, com duas apresentações, uma em 1992 e outra em 1995.

Porém, deste janeiro do ano passado, quando os irmãos Reid confirmaram o retorno – que aconteceu oficialmente em abril de 2007, no Festival Coachella, nos EUA – que a espera por um álbum novo se fez urgente. Enquanto o disco novo não sai e a banda não baixa no Brasil para seu show no Planeta Terra 2008 (e em Buenos Aires, no Personal Fest), chega às lojas o box quádruplo “The Power Of Negative Thinking” (“O Poder do Pensamento Negativo”) com raridades e b-sides do grupo escocês.

A rigor, o Jesus já tinha lançado três álbuns de raridades em sua carreira: “Barbed Wire Kisses” (1988), “The Sound of Speed” (1993) e “Hate Rock N’ Roll” (1995), os três extensamente representados em “The Power Of Negative Thinking”. Do primeiro só ficou de fora “Mushroom”, versão ao vivo de 1987 de uma canção do Can. Já do segundo são duas as faixas “esquecidas”: uma versão mais longa de “Reverence” e outra – também estendida – de “Sidewalking”. Por fim, do terceiro ficou de fora o remix de gemidos para “Teenage Lust – Desdemoana Mix”.

Assim, das 81 faixas de “The Power Of Negative Thinking”, 38 já haviam aparecido nas três coletâneas de raridades lançadas. As 43 restantes englobam b-sides, covers e oito números nunca lançados. O box abre com “Up Too High”, retirada da primeira demo do Jesus and Mary Chain, de 1983. Já estava (quase) tudo ali: o vocal tristonho, a paixão por Phil Spector, teclados gélidos. As microfonias ensurdecedoras viriam logo adiante, no single “Upside Down” lançado em novembro de 1984 pelo mítico selo Creation, com “Vegetable Man”, cover barulhenta de Syd Barret, no lado B.

No CD 1, ainda, versões demo de “Just Like Honey”, “My Little Underground” e “The Living End” (as duas últimas, inéditas), a empolgante “The Hardest Walk” (que só saiu na trilha do filme “Alguém Muito Especial”, clássico da Sessão da Tarde anos 80), versões acústicas (“Taste of Cindy”, “Cut Dead”, “You Trip Me Up”) e b-sides poderosos como “Suck”, “Ambition”, “Just out of Reach”, “Boyfriend’s Dead” e a dobradinha “Some Candy Talking”/”Psychocandy”, a música, além da inédita e barulhenta “Walk and Crawl”, gravada em janeiro de 86, e nunca lançada oficialmente.

O segundo CD abre com nuvens de microfonia (“Kill Surf City”, “Bo Diddley Is Jesus” e “Who Do You Love”, cover de Bo Diddley), mas o que impressiona é o ótimo country “Shake”. Versões demo de “Happy When It Rains” (ótima) e “On the Wall” e um remix da cover dos Beach Boys “Surfin’ USA” se destacam em meio a canções que entram no clima “Darklands” como “Break Me Down”, “Shimmer”, “Swing” e “Don’t Ever Change” além de estranhezas como “Penetration” e delicias como “Subway”, “Sidewalking” e “Happy Place”. Fechando, uma cover para o hit “My Girl”.

O CD 3 vem no clima dos álbuns “Automatic”/”Honey’Dead” com bateria à frente em “In the Black”, um q de Beatles perdido sobre o peso dançante de “Terminal Beach”, e covers de Leonard Cohen (“Tower of Song”), Jerry Reed (“Guitarman”, imortalizada por Elvis), Roky Erickson (“Reverberation”) e Willie Dixon (“Little Red Rooster”). Boas canções são recuperadas como as barulhentas “Snakedriver”, “Sometimes”, “Something I Can’t Have” (de riff forte e inesquecível) e “Write Record Release Blues” além das calminhas “I’m Glad I Never”, “Drop”, “Why’d You Want Me” e uma versão acústica de “Teenage Lust”.

Fechando o pacote, o CD 4 centra foco na fase final do grupo com grandes canções que mereciam muito mais destaque. São o caso de “Perfect Crime”, “Little Stars”, uma regravação de “Drop”, o delicioso folk “New York City”, “Ghost of a Smile” (de Shane MacGowan, do Pogues), “Bleed Me”, “Hide Myself”, “Easylife, Easylove”, “40,000K” e duas canções do guitarrista Ben Lurie, que integra a banda desde 1989: “Taking It Away” e a pungente “Rocket”. Há ainda a inédita “Till I Found You”, versões demo para “Dirty Water” e uma estranha cover para “Alphabet Street”, de Prince.

Além dos quatro CDs, “The Power Of Negative Thinking” ainda traz um livreto de 64 páginas com entrevistas com os intregrantes da banda e um pôster que mapeia a arvore genealógica com todo mundo que passou pela banda de 1983 até a turnê de divulgação do álbum “Munki”, em 1998. Mais do que compilar b-sides e raridades, “O Poder do Pensamento Negativo” mostra que a Corrente de Jesus e Maria fez muito mais do que seis álbuns brilhantes em 25 anos de carreira. Muito daquilo que você não conhecia está reunido aqui. Pegue uma cerveja e ajoelhe-se.

“The Power Of Negative Thinking”, The Jesus and Mary Chain (Rhino)
Nota: 10

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

9 thoughts on “A caixa do The Jesus and Mary Chain

  1. Faaaala Mac!

    Cara, enquanto lia aqui sua resenha dessa caixa sagrada, pensava: “se ele der menos de 10 estará cometendo uma heresia imperdoável!” hahahaha

    O Jesus é a única banda de rock q se dizia à época ser a melhor do mundo e q dava pra assinar embaixo completamente! hehe

    E não creio q seja arrogância dos irmãos Reid pensar assim, mas uma perfeita visão autocrítica e demonstração clara de puro [ou sujo] conhecimento musical. hehe

    ‘my little underground’ é a minha favorita de hoje, mas ontem era ‘happy when it rains’ e amanhã com cerveja será outra clássica, talvez ‘head on’.

    Há muito para se buscar deles no “velho e novo testamentos do noise rock”, que são as suas obras.

    Uma pena não poder vê-los agora no planeta terra [foi um trocadilho isso? não sei,,, hahahaha].

    Se não estivesse devendo até a alma iria fááácil pra sumpa o pa buenos aires querida, pero sem pensar duas vezes!!!

    E é a primeira vez desde o inesquecível show do Wilco q me dá ganas de morrer numa grana pra enfim comprovar ao vivo e a cores [branco e preto] algo tão celestial: de que Ele, Jesus, realmente existe e,,, sim, irmãos, estará entre nós.

    Pena eu ter q “quebrar a corrente”,,, hehe

    Entonces,
    Aproveitem aí o culto ébrio em louvor ao verdadeiro rock, afortunados fiéis!

    Abraaaaaaço!

  2. Excelente texto sobre uma de minhas bandas prediletas.
    Parabéns!!

    ” Pegue uma cerveja e ajoelhe-se”
    vc disse tudo

  3. o box realmente faz jus à grandeza de Jesus and Mary Chain. Como já dito, sonho de consumo!!

    pena que eles só se apresentam em São Paulo – bem que o Planeta Terra poderia ter edições mais aqui pro sul, como o Tim Festival…

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