Cinema: Viagem a Darjeeling

por Marcelo Costa

Três irmãos que não se falam há mais de um ano marcam uma viagem de trem pelo interior da Índia com o intuito de se aproximarem e resgatarem a amizade. Simplório, né. Sim, parece, mas tudo que não se espera de um personagem de Wes Anderson é que ele seja simplório. Wes Anderson é meticuloso na criação de seus personagens. Ele vai lá em cima, no inexplorado, e dá aos seus personagens tinturas raramente usadas no cinema. Ele é bom nisso.

No entanto, um filme precisa muito mais do que personagens divertidos e surreais para ser considerado uma grande obra cinematográfica. Dá para se dizer, tolamente, que um grande filme é uma reunião de diversos pequenos acertos. E é mesmo. A história prova que não basta um elenco estelar para se obter um grande filme. E que um bom roteiro não sobrevive a um péssimo ator. Tudo se completa, por mais… simplório que isso possa parecer (e que as belíssimas exceções ousem contrariar).

Após conquistar o mundo com o excelente “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001), Wes Anderson tropeçou em seu filme seguinte, “A Vida Marinha com Steve Zissou” (2004), mas não caiu, e cambaleante conseguiu alguns momentos sublimes entre vários superficiais ao contar a história de um lendário explorador subaquático (Bill Murray, renascido após uma gloriosa atuação em “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola) num filme dedicado ao explorador Jacques Cousteau.

A consagração de um filme muitas vezes é a ruína de um diretor, a prisão que sua obra estará eternamente acorrentada. “Tenenbaums” trouxe ao mundo um bando de personagens deliciosos em seu mundo de problemas emocionais, e os inseriu em um drama familiar interessante e, por vezes, comovente. Porém, enfiou Wes Anderson em uma rotina rocambolesca de autocópia. “Viagem a Darjeeling”, novo longa de Anderson, é um passo à frente se comparado a “A Vida Marinha com Steve Zissou”, e um tombo se tomarmos por base “Os Excêntricos Tenenbaums”.

“Viagem a Darjeeling” apresenta Wes Anderson criando (agora a seis mãos, com auxilio de Roman Coppola e Jason Schwartzman) os mesmos personagens meticulosamente – e deliciosamente – caricatos: Owen Wilson é Francis, o irmão mais velho, aquele que na ausência do pai cuidou dos outros dois, Adrien Brody (Peter) e Jason Schwartzman (Jack). Francis está com a cara arrebentada, pois enfiou sua moto em uma montanha. Peter vai ser pai e Jack está tentando fugir da namorada (Natalie Portman). Os três estão, sem saber, indo atrás da mãe (Anjelica Huston) que os abandonou para virar freira.

O filme começa com um curta-metragem, “Hotel Chevalier”, que serve muito bem para enumerar as surrealidades de um personagem de Wes Anderson: Jack recebe uma ligação no quarto do hotel que está hospedado/escondido em Paris. Sua namorada (que ele abandonou nos EUA) diz que chegará em 30 minutos. Ele arruma o quarto, prepara uma música no iPod (”Where Do You Go To (My Lovely) “, de Peter Sarstedt) e a aguarda. Ela chega com um buquê de flores, um palito entre os dentes, marcas roxas pelo corpo e cabelos curtos. E domina a situação com se fosse o homem da relação.

Essa transferência de papéis acontece em vários momentos do filme. Francis comanda os irmãos, que reclamam do mais velho dar ordens, mas sentem falta de alguém para fazer a escolha certa por eles. Principalmente por que é tudo uma encenação familiar: Francis faz tudo como sua mãe fazia. Mas na ausência dos pais, eles se chapam com xarope, compram cobras venenosas e visitam templos hindus.

São três homens mimados em busca de um sinal, uma placa que os coloque na direção correta. A caracterização dos personagens é perfeita, a fotografia é magnífica, mas a história não convida o espectador a contemplar, muito mais participar. Wes Anderson filma como se estivesse exibindo os defeitos de um homem em um circo de horrores, e como ele já havia feito isso – e de forma mais convincente – em suas obras anteriores, tudo parece menor, rarefeito, desinteressante.

E isso se agrava quando fica perceptível que não há diferenças estéticas entre o personagens de Owen Wilson em “Os Excêntricos Tenenbaums”, “A Vida Marinha com Steve Zissou” e “Viagem a Darjeeling”; que quando uma velha canção dos Rolling Stones (”Play With Fire”) invade o ambiente como personagem principal remete a outras canções dos Stones que procuram causar o mesmo impacto em “Os Excêntricos Tenenbaums” (”She Smiled Sweety” e “Ruby Tuesday”); que quando Anjelica Huston surge em cena é impossível não se deixar levar pelo deja vu dos filmes anteriores do diretor. E isso tudo apenas diminui as poucas qualidades de “Viagem a Darjeeling”.

Alguém pode dizer que Wes Anderson está criando a sua arte. Ok, eu mesmo já escrevi isso avalizando Woody Allen por se repetir tanto sem, no entanto, o poupar das verdades absolutas (a saber: “Igual a Tudo na Vida”, “Dirigindo no Escuro” e “O Escorpião de Jade” são lixo comparados a “Annie Hall”, “Hannah e Suas Irmãos” e “Crimes e Pecados”). Desta forma, Wes Anderson está criando a sua arte centrifugando o que fez de melhor, e se repetindo, gastando desavergonhadamente a fórmula que o apresentou ao mundo. “Viagem a Darjeeling” não é ruim; é só um lixo perto de “Os Excêntricos Tenenbaums”. Se tivesse sido lançado em 2000 seria um grande filme. Hoje é um pastiche. Fique com o original.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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