Mostra de São Paulo: Na Natureza Selvagem

por Marcelo Costa

Após anos de graduação em colégio e faculdade, o jovem Christopher Johnson McCandless, de 22 anos, está se formando, mas o gesto de arremessar o barrete (aquele boné preto sem pala que os formandos usam) significa muito mais para o rapaz: Chris está livre das obrigações de uma família infeliz e de uma sociedade capitalista cuja necessidade de consumir afasta o ser-humano de si mesmo, das outras pessoas e da natureza (selvagem). Seu plano é simples: ele “pagou” o preço para a família se dedicado aos estudos, e agora quer desaparecer no mundão de Deus sem lenço, dinheiro e documento.

Chris coloca seu plano em ação doando os 24 mil dólares que guardou na poupança durante a faculdade para uma instituição de caridade. Em seguida, junta algumas peças de roupas, pega seu velho carro e sai sem destino pelas estradas dos Estados Unidos movido a leituras ininterruptas de Tolstoi e Jack London, e pelo desejo de viver em meio à natureza selvagem do Alasca. Sozinho. Em uma desventura perde o carro, e nem se importa. Sai caminhando deixando para trás o veículo e uma fogueira com notas de dólar. Chris exercita o desapego e abandona o próprio nome: agora se chama Alexander Supertramp. O filme é dividido em capítulos que mostram o amadurecimento do personagem.

“Into The Wild”, quarto filme do ator e diretor Sean Penn, toma por base o livro do jornalista Jon Krakauer, que após fazer uma reportagem sobre a história de Chris para a Outside Magazine, decidiu aprofundar sua pesquisa e o resultado se tornou um best-seller nos Estados Unidos. A busca pela felicidade de Chris ganha contornos poéticos e sonhadores nas mãos de Sean Penn, que escorrega para o piegas em uma ou outra passagem, mas que se sai muito bem como obra fechada, comovendo o espectador com uma história verídica que bate forte no lado esquerdo de peito – auxiliada pelas boas canções de Eddie Vedder e por um excelente elenco cujo destaque é grande atuação de Emile Hirsh no papel principal.

A rigor temos aqui mais um caso de família desestruturada. A mãe de Chris se envolveu com seu pai ainda quando ele era casado com outra. Os filhos nasceram sobre a escuridão dessa mentira, e as brigas constantes do casal fizeram à vida de seus dois filhos (Chris tem uma irmã) um pequeno inferno familiar. No primeiro momento em que vê livre dos pais, Chris parte sem deixar rastro nem dar notícias. Sua companheira nesta aventura será uma mochila azul e sua vida agora se passará na estrada com os diversos – e interessantes – personagens que irão cruzar o seu caminho.

Chris não consegue se apegar as pessoas. Seu maior sonho – viver na natureza selvagem do Alasca – é muito mais importante que as relações humanas ao ponto de Chris escrever em seu diário que a felicidade pode ser encontrada no mundo ao nosso redor, na natureza, e não depende das relações entre pessoas. Completamente absorto em seu ideal, Chris parte para realizar seu sonho, vivendo em um ônibus abandonado no meio de uma floresta no Alasca. Como um eremita, ele vive do que a natureza lhe proporciona enquanto o estoque de arroz não termina.

É muito difícil falar de “Into The Wild” sem citar seu final trágico (não vou falar, não vou falar). É muito difícil não pensar em Chris como um rapaz de família abastada que opta por abandonar tudo para viver em um (sub)mundo povoado por pessoas que nunca tiveram nada. Porém, sua trajetória quase hippie é uma belíssima oportunidade de rever mensagens emocionantes que foram deixadas de lado por uma sociedade capitalista cujo “eu” ocupou o lugar do “nós”. Mais do que um “road movie” em busca da felicidade, “Into The Wild” é um filme que valoriza as relações humanas enquanto incentiva o autoconhecimento. E comove. Não será surpresa se encontramos Sean Penn no Oscar. E será merecido…

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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