Música: “Simulacro”, China

por Marcelo Costa

“Heim, Chico, tu tá ligado no que é simulacro? É aparência, imitação; é reprodução imperfeita, visão sem realidade; é o mesmo que o cara tá vendo, mas já é outra coisa, que o cara não vai ter nunca na mão, entendesse? É como se fosse falso, ao mesmo tempo original, ao menos tempo fantástico, ao mesmo tempo fantasioso. (…) É conversa pra doido; É do mimeografo até a máquina de xérox. É fingimento, disfarce, simulação, artificial, nada do que é concreto, tá ligado. (…) Eu quero é seguir simulando o que é humano”. “Pastiche”, China

“Pastiche” é a décima faixa de “Simulacro”, primeiro álbum cheio do cantor recifense China. Ela encerra o disco de forma conceitual, e joga na mesa as cartas com que o cantor decidiu (re)trabalhar sua musicalidade aberta inicialmente com o Sheik Tosado e o álbum “Som de Caráter Urbano e de Salão”, em 1999, levada adiante com o EP “Um Só” (2003), e consagrada com as boas releituras do Del Rey para canções de Roberto e Erasmo durante noites de baile por todo o País.

Se em “Um Só”, China avançava quilômetros em relação ao Sheik Tosado, mas ainda respirava influências de Nação Zumbi e Mundo Livre S/A (mais o segundo) em sambas experimentais com poderosas guitarradas – cujo destaque é uma belíssima versão de “Samba e Amor” (Chico Buarque), “Simulacro” bate em um liquidificador as bandas supracitadas e também psicodelismo, Jovem Guarda, samba, programações eletrônicas e rock dos sessenta e setenta. A mistura joga a isca sobre o passado e pesca futurismos em um álbum dançante que é ao mesmo tempo falso e original (o que o coloca em perfeita conexão com o mundo atual).

A produção de Pupillo (Nação Zumbi) é brilhante. Pupillo já havia co-produzido a estréia de China com o Sheik Tosado, e sua produção cuidadosa é uma das responsáveis pela alta qualidade de “Simulacro”. Outro ponto que ajuda ao produto final é o repertório que aposta em refrões ganchudos e faixas dançantes na medida entre o pop e o esquizofrênico. Junto com China e Pupillo estão Rafael B. (Bonsucesso Samba Clube), Spok, Erasto Vasconcelos, Rica Amabis e os amigos do Mombojó (Chiquinho, Marcelo Machado, Felipe S. e Vicente Machado), que dividem com o vocalista o projeto Del Rey.

“Um Dia Lindo de Morrer” abre o álbum de forma inspirada. China joga seu corpo no espaço enquanto os guitarristas Marcelo Machado e Bruno Ximarú contaminam a melodia de efeitos e riffs enquanto Pupillo faz marcações precisas na bateria. O mesmo trio (acompanhado do baixista Hugo Gila e dos teclados de Chiquinho) acelera na excelente “Jardim de Inverno”, cujo refrão lembra Tim Maia dos bons tempos. “Sem Paz” segue a linha das anteriores: instrumental perfeito e um refrão matador com China cantando: “Cansei de ter razão demais / cansei de ser um perdedor sem paz”.

“Asas Nos Pés” lembra Nação Zumbi e abre as portas para a poderosa “Câncer” e seu verso de abertura chapante: “Acendo um cigarro e o vício é tudo que você deixou pra mim / Você virou fumaça em meu peito, nicotina em meus dedos”. Erasto Vasconcelos declama a abertura da declamada “Colocando Sal Nas Feridas”, que avisa: “O meu caminho é um só e eu preciso seguir”. Os teclados fazem a cama para “Durmo Acordo” enquanto o samba bossa serve de base para as deliciosas “Canção Que Não Morre No Ar” e “As Ondas Não Chegam Nos Pés”.

“Simulacro” foi lançado no primeiro semestre pelo selo independente Candeeiro e se insere numa cena de jovens músicos que usam o passado como ponte para o futuro, não dispensando o conhecimento adquirido muito menos as novas tecnologias. É um álbum poderoso irmão dos dois discos do Mombojó, do lançamento homônimo do Fino Coletivo (e dos discos de Wado), do projeto Maquinado, do guitarrista Lúcio Maia (Nação Zumbi). Traz um repertório para dançar e se encantar.

8 thoughts on “Música: “Simulacro”, China

  1. Marcelo,
    não vou falar do disco do China, apesar de ter gostado de saber da novidade e vou já escutar.
    Na verdade estou escrevendo para parabenizá-lo sobre o seu Mojo Book do Doolitle, adora o disco e a banda.
    E outra coisa é que também sou do Vale (especificamente, de Cruzeiro).
    Abraço e força!

  2. um dia lindo de morrer é uma das melhores músicas que eu ouvi este ano, aliás o disco todo do china tá bem legal, e o interessante é que foi feito todo aqui em recife. Minha expectativa agora é com o lançamento da OCO- orquestra contemporânea de olinda, outra promessa pernambucana.

  3. um disco lindo de morrer. justo hoje, que cai agua do ceu depois de quatro meses de sol. vou escutar ate o dia clarear

  4. Disco para ser consumido com uma cerveja, em um domingo de manha, batendo um papo leve e acreditando que as coisas sao bem melhores do sao…
    E o Maquinado é bem interessante tambem… 🙂

  5. Puxa Mac, sempre vou atrás das suas dicas, mas quando clico nas músicas para abaixar dá “página não encontrada”, só eu não tô conseguindo?

  6. Valeu pela atenção, como sempre. Tô doido pra ouvir o disco, como bom fã do Mombojó e mais recentemente, por indicação sua, do Fino Coletivo, disco-do-ano até agora na minha lista particular.
    Abração…

  7. Marcelo, acompanho a SandY há alguns anos. É um dos poucos lugares seguros do fetichismo indie na internet.
    Mas enfim, baixei o disco do china (acho q tem o punch inconfundível das bandas de recife) e gostaria de saber se vc tem a letra completa de Pastiche. Sou estudante de comunicação e farei um video no meu tcc que trata de simulação e simulacro. Nem preciso dizer o qnto essa crítica e essa faixa veio a calhar …
    valeu.

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