Violins lança um disco denso, tenso, difícil e dolorido

texto por Marcelo Costa

Você gosta de ler livros de auto-ajuda? Acredita no jeito Pollyana de ser? Evita ver as manchetes sangrentas dos jornais? Tenta não olhar para os mendigos na rua? Tem estômago frágil? Ouve Jota Quest e Skank? Assiste apenas a filmes românticos com finais felizes? Então fique muito distante de “Tribunal Surdo”, terceiro – e definitivo – álbum do quarteto goiano Violins, um retrato em preto e branco movido a guitarradas do mundo que vivemos (e que muitos fazem questão de não enxergar). Alguns flashs:
“Cada um é um assassino sem coração / esperando pra rir dentro de um camburão / com sangue nas mãos / nós somos delinquentes belos em mundos possíveis”;
“Tranque a porta que eu já ouvi barulho lá fora / e pode ser que queiram roubar a minha moto nova / (…) e de repente eu pensei: que puta morte bela / se eu morrer pra defender os meus bens / que eu comprei a prazo e a prestação”;
“Eles se amontoam para ver o espetáculo / e vão eleger você pra ser o novo astro / da arte de roubar carteira na praça do centro / alunos sentam calmos pra prestigiar o evento”;

“Tá faltando soco inglês / o estoque de extintor não chega ao fim do mês / não tô pedindo aqui fortuna pra vocês / a gente quer limpar o mundo de uma vez / e eu garanto que seus filhos agradecem por crescer / sem ter que conviver com bichas e michês, discípulos de Che e pretos na TV”

“E eu quero mais é te bater em paz / sem ouvir um choro, sem ouvir: socorro”

“Porque eu já me iludi tanto nesse bar / que nem sei pra onde ir se você me acordar”

“É que eu comprei uma 22 pra mim / e eu nem treinei, não sei como te acertei daqui”

“Veja os corpos pulando no ar / então atire no primeiro que olhar”

“Eu pensei na minha mãe quando a seringa beijou meu braço esquerdo”

 Para você que ainda está lendo, algumas peças do quebra-cabeças chamado Violins. A banda surgiu em 2001, em Goiânia, e lançou um álbum com o nome Violins and Old Books, mas só começou a chamar a atenção quando passou a compor em português, reduziu o nome apenas para Violins, e apresentou “Aurora Prisma” (o dito álbum de estréia) ao público. O disco chamou a atenção de uma parcela da crítica, que caiu de queixo no chão com o álbum seguinte, “Grandes Infiéis”, uma porrada conceitual que versava sobre mentiras e infidelidades.

Entre “Grandes Infiéis” e “Tribunal Surdo” algumas coisas interessantes aconteceram. “Grandes Infiéis” foi eleito o melhor disco de rock de 2005 no Prêmio London Burning de Música Independente, e ficou com o sexto lugar na categoria disco nacional do Prêmio Scream & Yell 2005. Léo Alcanfor, guitarrista da banda, anunciou que estava deixando o grupo em fevereiro de 2006. A banda anunciou que estava encerrando as atividades em maio. Na seqüência, uma comoção digna de grandes bandas tomou a internet (e principalmente as comunidades do orkut que falam sobre o Violins). Em poucos dias, a repercussão do anúncio do fim fez com que o quarteto repensasse a história toda, e decidisse se reerguer. Nascia um novo Violins.

“Tribunal Surdo” começou a ser apresentado ao público em novembro do ano passado, quando a banda postou quatro músicas (antes da fase de mixagem) em seu site oficial. “O Anti-Herói”, “Campeão Mundial de Bater Carteira” e, principalmente, “Grupo de Extermínio de Aberrações” serviram para antecipar a porrada que o álbum todo despeja na boca do estômago do ouvinte agora, mas mesmo com a previsão de um álbum difícil, barulhento e tematicamente pesado pela frente, poucos poderiam aguardar um disco tão perto da perfeição quanto este.

Irmão direto de “Grandes Infiéis”, este “Tribunal Surdo” radiografa um mundo que esqueceu de si mesmo, e cuja violência virou moeda de troca. Assaltos, assassinatos, bebedeira, drogas, racismo, guerra, violência doméstica, acidentes de carro e religião são os pratos sujos que você encontrará no cardápio indigesto das 14 faixas de “Tribunal Surdo”. Você pode até virar o rosto, mas não pode negar que esse é o mundo em que você vive. Não tente ignorar os fatos. A virtude do álbum é exatamente jogar sobre o colo do público questões que frequentemente são varridas para debaixo do tapete.

O design gráfico e o som do álbum seguem a risca a temática das letras. Preto, cinza e guitarras barulhentas dão o tom. Musicalmente, a saída do guitarrista original diminui o alcance instrumental proposto por “Grandes Infiéis”. Beto Cupertino assumiu as guitarras, aumentou os volumes e fez com que a banda deixasse o Radiohead de lado (mas só um pouco) e se aproximasse definitivamente do Muse. Paradas bruscas, quebras de andamento, pratos de bateria na cara, vocais e teclados fazendo a cama melodiosa enquanto o mundo desaba em forma de distorção e desilusão.

A reflexão proposta por “Tribunal Surdo” se aproxima em alguns momentos das telas de cinema e dos grandes livros da literatura universal. “Campeão Mundial de Bater Carteira” é puro Oliver Twist, de Charles Dickens. “Saltos Ornamentais Árabes Para Treinamento de Atiradores Americanos” atualiza as mensagens dos filmes de guerra (e traz à mente a dobradinha de Clint Eastwood sobre a invasão norte-americana em Iwo Jima). A influência maior, porém, são os noticiários da televisão. Jovens que atiram em outros, homens que espancam mulheres, racismo contra gays, negros e prostitutas. Está tudo aqui em forma de relato, sem pré-julgamento, sem crítica social. Funciona como trilha sonora de foto jornalismo.

“Tribunal Surdo” é denso, tenso, difícil e dolorido. Chegou as lojas sem nenhum alarde, e não precisava mesmo: não vai vender muito (se nem Lobão, com jabá, vende), não vai tocar nas rádios, não vai levar o Violins ao Faustão, nem ao Silvio Santos e nem ao Tim Festival (ops, neste último, quem sabe). Mas é o grande disco do rock nacional nos anos 00. Enquanto as “grandes bandas” do mainstream brasileiro fazem música como se estivessem batendo cartão de ponto (o rock como profissão, grande farsa), a cena independente nacional exibe mais um exemplo de inteligência, coragem e qualidade. “Tribunal Surdo”, como toda grande arte, propõe uma nova forma de olhar (e ouvir) o mundo. Sem máscaras, sem falsidade, sem meias-palavras. Quando aceitarmos o mundo que vivemos, poderemos dar o próximo passo. Por enquanto, vivemos em um tribunal surdo. Sinta-se em casa.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

25 thoughts on “Violins lança um disco denso, tenso, difícil e dolorido

  1. acho muito coerente essa ponte com o Muse! não que seja igual, mas a questão do “Radiohead pesado” é pensada de forma semelhante.
    o único senão do texto, para mim, é que eu assito a filmes românticos com final feliz ! heheh

    o pódium dos grandes discos de 2007 fica com Violins, Alice (vai por mim… espera pra ouvir o Ruído!) e Terminal.

  2. Já conheço Violins e dentro do meu repertório musical é sem dúvida a melhor banda brasileira atual.

    Não é surpresa que mais uma boa resenha sobre a banda saia. Violins é algo que todo brasileiro necessita ouvir!

  3. Bem… eu imaginava ter um estômago forte pra coisas pesadas, detestava livros de auto-ajuda, batia papo com os mendigos na rua, só não engolia Jota Quest ou Skank. Mas após ouvir Tribunal Surdo continuamente por uma semana, minha vida mudou. Não consigo mais ouvir música, minha paciência pra leitura acabou. Minha capacidade de concentração se foi, até mal no trabalho estou. Enfim, não sou %!@$&@# preto, discípulo de Che e nem %!@$&@# mas acho que eu devo me enquadrar em uma outra categoria de “aberrações”. O Tribunal surdo é um discaço, mas acabou comigo. Adeus Mundo Cruel!

  4. Os caras parecem com Muse? Cacete, isso parece assustador. Parecer com um genérico do Radiohead…. Sinceramente, não me pareceu muito animador….

  5. kra, parabéns pela resenha, foi %!@$&@# já havia falado pra um amigo que esse cd se aproximou do muse, mas tmabém do silver chair.

    ótima resenha,

    cheersssssss

  6. Quando falas em uma relação com “Muse”, a ficha cai e eu concordo. Mas quando falas em um desvencilhamento de “Radiohead”, eu discordo. Acho que melodicamente ainda faz referência à “Radiohead” sim.
    Grande disco! Um dos melhores em termos de bandas nacionais independentes, senão o melhor.
    Inté!
    Beijinhos

  7. Cara,confesso que estava descrente com a música nacional e nem me importava mais em ouvir as bandas,mas quando despropositadamente li a critica feita ao cd dos Violins e ouvi as músicas postadas no site a 1° coisa que me veio a cabeça é que ainda existe esperança.Belíssimas músicas.Como faço pra comprar o cd,já que em lojas aqui no Rio acho impossivel que se encontre pra vender.

  8. O grande disco dos 00 não acho que seja, mas Grupo de Extermínio de Aberrações sim talvez com o tempo seja vista como uma das melhores desta década. Se bem que Gênio Incompreendido é tão boa quanto e nem entrou no álbum! Faltou falar dessa grande música deles, hein! Abraços.

  9. Pois é, as músicas postadas anteriormente no site da banda já haviam me impressionado muito. Há tempos não tinha vontade de ouvir uma música (4 no caso) tantas vezes seguidas sem cansar.
    Acredito que uma das diferenças do Violins do Tribunal para o Muse, é que o Muse toca como se o mundo estivesse acabando (e isso nem sempre é bom), e o Violins toca para um mundo que já está acabado.

    Viva Violins

  10. Bicho,então me indica as bandas legais como o Violins.Me surpreenderam demais as músicas,coisa que em se tratando de música brasileira é difícil de acontecer.Pra vender hoje parece pré requisito ser besteirol ou coisas melosas demais,bandas com qualidade assim não tem mas espaço.Aqui no Rio nem radio rock tem mais(a que tinha aqui era fraca e comercial,mas ainda se salvavam algumas coisas).Tô precisando conhecer bandas legais que cantam em português.

  11. Caro MAC,
    A intensidade desse “Tribunal Surdo” realmente impressiona, o discaço que o Violins ensaiou (e quase conseguiu) nos ultimos anos se consolida com ele.
    “Grupo de Exeterminio de Aberrações” já nasce como clássico no rock nacional.
    Só acho que deste uma aloprada em colocar o Skank no mesmo bolo do Jota Quest, mesmo entendendo o conceito explorado.
    No mais, “Tribunal Surdo” é o disco do ano e um dos melhores da decada.
    Abraços!

  12. Gostei muito de resenha. Sugiro que assistam os caras ao vivo.

    Existem excelentes bandas no cenário da nova música brasileira, e o Violins é uma dessas bandas, disso não resta a menor dúvida. Poderíamos fazer uma lista com dez ou vinte nomes? Sim poderíamos. Mas mesmo assim o quarteto de Goiânia se destacaria dos demais. Essa banda está sempre alguns passos a diante das outras. Impulsionada, em muito, pelas letras pra lá de inspiradas de Beto Cupertino. Estudando um pouco de história da arte agente aprende que o verdadeiro artista, ao contrário do que pensam alguns, não é aquele que está à frente do seu tempo, mas aquele que consegue com melhor precisão captar o espírito do seu próprio tempo, que tem melhor leitura de mundo, como diriam meus professores. O mundo bizarro do Violins é o nosso mundo. Estava ai, na nossa cara, mas foi preciso um artista de verdade para nos fazer enxergar.

  13. Enfim, mais uma porcaria que nos vendem como coisa boa: comum, simples, mais do mesmo só que meio ruim e emocore até o último fio de cabelo.
    Pior ainda, procuram nos convencer de que vale a pena e que quem não gostou é um alienado, besta e não sabe nada de música. Quer dizer, por favor… Não precisa ser gênio pra saber o destino do Violins (nada de tim festival, oras): é a MTV, mesmo.

  14. “radiografa um mundo que esqueceu de si mesmo, e cuja violência virou moeda de troca.”

    por favor. o mundo é assim desde o tempo que descemos das árvores e passamos a caminhar. já ouviu falar de roma, pártia, mesopotâmia, saladino, etc? canibalismo indígena no brasil, guerras incas, aztecas, maias?

    pleeeeeeeease.

  15. O cd é simplesmente perfeito!
    Foda é que nem todo mundo entende…
    visto a denúncia ao MP feita sobre o “Grupo de exterminio de aberrações”… povo q não entende a ironia e as críticas das letras…

  16. Não dá para colocar o Skank e o Jota Quest dentro do mesmo saco de @#%&
    Não há “banda de rock” mais jabazeira que o JQ . Eles são horríveis e não fazem nada de relevante. Quanto ao Skank produziram um grande álbum Maquinarama, nada comparado a um Los Porongas , p.ex., mas um grande álbum. “Diga com quem andas que eu te direi quem és”. Tocar com a Ivete Sangalo foi demais não deu para engolir.
    Banda de rock tem tocar com banda de rock. Imaginem o Led Zeppelin dando canja com o Bee Gee, não dá!!!
    Samuel Rosa vê que lado você está?
    Quanto ao Violins estão sobrando no meio dessa mulambada.
    Fui.

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