Cinema: “Johnny & June”, de James Mangold

por Marcelo Costa

Ele era o homem cuja voz era mais forte que um trem e cujas canções cortavam mais que navalhas. Ele era o homem que, após servir o exército norte-americano na Alemanha, voltou para os Estados Unidos, gravou um disco nos lendários estúdios de Sam Phillips, e pouco tempo depois integrava o cast que continha Elvis Presley, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins e que ficou conhecido como “o quarteto de um milhão de dólares”. Ele era o homem que, no auge da carreira caiu viciado em anfetaminas, e retornou ao grupo de luxo gravando um disco ao vivo na penitenciaria mais barra pesada dos EUA. Ele era o homem que sempre se vestia totalmente de preto, como se estivesse indo para um enterro. Ele era Johnny Cash.

“Walk The Line”, que no Brasil recebeu o nome de “Johnny & June”, conta a história de Johnny Cash desde seu nascimento, passando pela marcante perda do irmão mais velho, sua saída de casa, seu primeiro casamento e o incendiário romance com a cantora June Carter, que durou anos de paquera até ser celebrado no palco com um pedido de casamento ao vivo. June Carter era, antes de conhecer Cash, a namoradinha dos Estados Unidos, mas passou a má exemplo quando se divorciou de seu primeiro marido. Nos anos 50, a instituição “casamento” era tida como algo eterno, para sempre. E June sofreu com o desprezo do público após três casamentos desfeitos.

Em “Johnny & June”, a protagonista ganhou corpo e voz na interpretação magnífica de Reese Witherspoon, que arrebatou o Globo de Ouro na categoria “Melhor Atriz Musical/Comédia” e já levou o prêmio de Melhor Atriz em vários sindicatos de críticos dos Estados Unidos, incluindo Nova York, Washington e São Francisco. Reese, que é bastante conhecida por seus trabalhos nos filmes “Legalmente Loira 1 e 2”, pintou o cabelo de preto para encarnar June Carter, e canta de verdade em várias cenas. Sua atuação a aponta como a favorita ao Oscar da categoria.

Já o papel de Johnny Cash ficou na responsabilidade de Joaquim Phoenix. O ator, também premiado no Globo de Ouro como “Melhor Ator Comédia/Musical” exibe maturidade no papel do ídolo country, e muitas vezes incorpora realmente a persona de Johnny Cash. E, convenhamos, não é uma das personas mais fáceis de se incorporar. Joaquim cresce conforme amadurece a persona musical do ídolo country, mas era certo que uma vida tão celebrada por altos e baixos quanto a de Cash renderia uma grande atuação.

Criticado pelo pai bêbado – que sempre o apontou como responsável pela morte do irmão, Cash deixou a casa da família, serviu o exército, casou-se e saiu batendo de porta em porta como vendedor ambulante. Até gravar uma de suas próprias canções e se tornar um ídolo jovem, em uma época de nascimento do rock’n’roll, cujo ato de empunhar um instrumento não era admirado pela sociedade. Ao lado de Elvis Presley, Roy Orbinson, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e muitos outros, Cash seguia fazendo shows pelo país, à base de anfetaminas e do calor do público. Uma época de ouro da música pop norte-americana.

A rotina autodestrutiva da vida na estrada levou o cantor do paraíso ao inferno, de onde foi resgatado por June Carter para viver um amor praticamente eterno, que encontrou seu fim entre os mortais após 35 anos de casados, quando June veio a falecer em 15 de maio de 2003. Cash a seguiu quatro meses depois. Filmado com extrema reverencia por James Mangold, “Johnny & June” não é só uma aula de história sobre a fase áurea do rock’n’roll, mas também uma aula de cumplicidade romântica, que comoveu mesmo o elenco: tanto Reese quanto Joaquim não ganharam um tostão por seus papeis no filme. O salário mínimo obrigatório de um ator, US$ 12 mil, foi doado para a Cash Foundation. Em algum lugar, lá em cima, o casal agradece. E o público ganha um belo filme, que emociona por retratar a grandeza de Cash, e embalar um belo romance.

Só fica a dica de que antes de conferir o filme nos cinemas, vale ouvir atentamente o polêmico e clássico álbum ao vivo “Johnny Cash At Folson Prison”, que exibe o Homem de Preto cantando um repertório barra pesada na penitenciaria mais barra pesada dos Estados Unidos. Entre as canções, “Cocaine Blues”, “Busted”, “I Still Miss Someone”, “The Legend of John Henry’s Hammer” e o hit da vida atrás das grandes, “Folson Prison Blues”. Gravado em 1968, o disco traz vários diálogos de Cash com os detentos – alguns diálogos usados no filme, dois duetos com June Carter e serve como abertura e fechamento de “Johnny & June”, um belo retrato do amor na idade de ouro do rock’n’roll, babe.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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