Acústico MTV, Engenheiros do Hawaii

por Marcelo Costa

Das dez bandas brasileiras que mais venderam discos no estouro do rock nacional pós 85, apenas três ainda não haviam aderido à etiqueta MTV: Engenheiros do Hawaii, Camisa de Vênus e Ultraje a Rigor. Das outras sete, algumas já se aventuraram pelos acústicos (Legião, Capital, Titãs, Paralamas) e outras pelo elétrico (RPM, Barão Vermelho). O Ira! já fez os dois. Para todos aqueles que sempre desdenharam o engenheiro Humberto Gessinger, não há como criticar sua investida no som dos violões sob o foco das câmeras da MTV em um cenário inspirado em um dos melhores acústicos de todos os tempos, o do Nirvana.

Os Engenheiros do Hawaii passaram praticamente seus 10 primeiros anos achincalhados pela crítica e amados pelo público, em um antagonismo que fala mais sobre a incapacidade dos jornalistas brasileiros da época em reconhecer as virtudes do grupo do que sobre a falta que Humberto Gessinger devia fazer no “chá das cinco” com os roqueiros do período. Ser estranho terá sempre o seu preço, e, clichê, o preço que se paga às vezes é alto demais, mas Humberto não deve lamentar a ranhetice dos escribas.

Lá pelo fim dos anos 90, com o jornalismo cultural no País em crise, os Engenheiros acabaram ficando à margem (como grande parte da música brasileira, vitimada pelos excessos de uma indústria incompetente), esquecidos até por seus detratores, mas com um público fiel na estrada, o que possibilitou ao engenheiro-mor reformular o grupo, e lançar dois bons álbuns de estúdio (“Surfando Karmas & DNA” em 2001 e “Dançando no Campo Minado” em 2003). O “Acústico MTv Engenheiros do Hawaii”, gravado nos dias 18 e 19 de agosto nos estúdios Locall, em São Paulo, promete colocar o grupo novamente na mídia (o disquinho já sai com 100 mil cópias da fábrica) e trazer a banda novamente ao território do “ame ou odeie”.

Antes de tudo é bom lembrar que a banda já havia gravado um grande álbum acústico, em 1993. Com sua formação clássica (Augusto Licks na gaita e guitarras, Carlos Maltz na bateria e Humberto no violão e gaita), a banda gaúcha gravou em “Filmes de Guerra, Canções de Amor” versões lindas para canções como “Alivio Imediato”, “Muros e Grades”, “Ando Só” e “Exército de Um Homem Só”, além de mostrar excelentes faixas inéditas como “Quanto Vale a Vida?”, “Mapas do Acaso” e “Realidade Virtual” e recuperar preciosidades como “Crônica”, “Além dos Outdoors” e “Pra Entender”.

O “Acústico MTv Engenheiros do Hawaii”, porém, tem outro foco. Sob a etiqueta da rede de televisão, Humberto expõe seu lado mais pop e acessível, rearranjando e reconstruindo sucessos inesquecíveis do cancioneiro roqueiro nacional. Assim, “O Papa é Pop” abre o disco com uma boa levada folk enquanto a “Infinita Highway” fica mais curta, e mais sedutora com bonitos dedilhados de violão. A maioria das canções surge irreconhecível nos primeiros acordes, caso das lindas versões para “Refrão de Bolero” e “Terra de Gigantes”, amparadas por dedilhados de piano. Entre os clássicos, ainda marcam presença “Somos Quem Podemos Ser” e “A Revolta dos Dândis”, ambas em versões que nada devem as originais.

A maioria do repertório, no entanto, é de canções mais novas, do meio dos 90 para cá. O primeiro single do disco é “Vida Real”, anunciada pela emissora como uma faixa inédita (mas só um tolo pode querer diferenciar o Humberto Gessinger Trio dos Engenheiros do Hawaii), mas gravada no primeiro disco do projeto solo de Gessinger. Outra do mesmo disco marca presença, a boa “O Preço”. As faixas que mais surpreendem são as recentes. “Até o Fim” (de “Dançando no Campo Minado”) virou folk com gaita, a letra matadora de “Dom Quixote” ganhou arranjo de piano e cordas (também de “Dançando no Campo Minado”), enquanto a roqueira “Surfando Karmas & DNA” virou uma baladaça e “Terceira do Plural” ficou deliciosamente pop.

Como em todo álbum ao vivo dos Engenheiros (e esse é o quarto), boas canções inéditas marcam presença. “Armas Químicas e Poemas” e “Outras Freqüências” levam a assinatura de Humberto Gessinger, que na primeira pergunta “onde estavam as armas químicas? Qual a lógica do sistema?”, em clara alusão a invasão do Iraque, enquanto a segunda parece ser um mea culpa pelo formato acústico ao abrir dizendo “seria mais fácil fazer como todo mundo faz / o caminho mais curto, produto que rende mais”. A terceira inédita, “Depois de Nós”, traz o ex-Engenheiros Carlos Maltz cantando e assinando a música, em uma aproximação que vem sendo feita desde “Surfando Karmas & DNA”.

Dispensável mesmo apenas a versão de “Pose”, com Humberto chamando ao palco sua filha Clara para um dueto em uma das músicas mais bonitas do álbum “Gessinger, Licks e Maltz” (1992) e, mama mia, “Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”. Engordam a versão em DVD mais duas canções: a boa “Eu Que Não Amo Você” e a bonita “De Fé”. Humberto Gessinger (voz e violão), Paulinho Galvão (violão), Fernando Aranha (violão e dobro), Bernardo Fonseca (baixo), Gláucio Ayala (bateria e vocais) e Humberto Barros (órgão e piano) não fizeram feio em um disco tendenciosamente pop, feito muito mais para o povo do que para a elite. Está longe, mas muito longe dos melhores discos dos Engenheiros do Hawaii, mas quem sabe anime Humberto Gessinger para o próximo álbum de estúdio da banda. Como a grande maioria dos acústicos MTV, deve vender muito. Tem potencial. Agora, fica a dúvida: será que a MTV um dia seduzirá o Camisa de Vênus e o Ultraje a Rigor?


Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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