Entrevista: Laerte

por Leonardo Vinhas

Conforme sua própria apresentação, Laerte é um “quadrinhista”. Porém, seu histórico engloba roteirista de programas de televisão (o saudoso TV Pirata, o infanto juvenil TV Colosso, Vida ao Vivo e outros), editor (de fanzines e revistas) e até bailarino e corista, se formos crer que o alter ego “Laertón”, integrante dos Los 3 Amigos, corresponde à sua persona real.

Que seja. O fato é que, entre as linhas que formam as páginas de quadrinhos, Laerte é mestre. Publicando suas tiras e charges em vários jornais brasileiros, o “quadrinhista” pode abordar tanto temas cotidianos como lidar com abstrações carregadas de absurdo, filosofia e surpresas (às vezes, tudo em uma tira só).

Ao longo dos seus mais de 30 anos de carreira, Laerte editou ou participou das revistas Circo, Chiclete com Banana, Piratas e outras, criou personagens já bastante notórios, como Os Piratas do Tietê (um truculento grupo de pilhadores bissexuais que devasta de várias formas o que vê pela frente), Os Gatinhos (talvez a melhor representação em papel do relacionamento homem-mulher. Bem, certamente, a mais divertida), Fagundes (irrecuperável puxa-saco), os habitantes d’O Condomínio (o Síndico, o Zelador e outros), o Homem-Catraca (além de definições), o “moderno” Hugo Baracchinni e outros, alguns deixados no ostracismo e muitos em franca atividade.

Principalmente (mas não apenas) nesses personagens notam-se as principais habilidades de Laerte para com a arte seqüencial: seu traço leve e reconhecível, a utilização de temas e linguagem cotidianos através de uma grafia próxima da fonética, a presença de questões filosófico-existenciais de forma suave, cínica e desconcertante, o humor sutil e mordaz.

Um de seus personagens que engloba todas essas características é… Deus. Sim, Laerte fez do Todo-Poderoso um personagem bastante simpático, prático e divertido, algo sério e nada cruel. Bem próximo do Deus que muitos creem, mas com mais senso de humor. No ano 2000, foi publicado o livro “Deus Segundo Laerte”, incluindo muitas tiras com “Ele, o Diabo e muitos anjos e santos”.

Laerte até já retratou a si próprio em alguns quadrinhos (com menos frequência e mordacidade que Angeli, é verdade), todavia, independente do personagem, é comum encontrarmos citações históricas, políticas, literárias e musicais (de Chico Buarque a Mozart) convivendo naturalmente com o linguajar coloquial. O resultado final é sempre coisa fácil de se ler… mas que só é feita por quem realmente pode.

Contudo, melhor que esmiuçar teorias “acadêmicas” e “criticóides” sobre a obra do cara, é deixá-lo falar sobre o que faz. Solícito, Laerte encaixou um espaço na sua atribulada agenda para responder, via e-mail, as perguntas do Scream & Yell.

Usando de objetividade e humor até com a nossa impertinência (“é um pouco meio muito de pergunta, mas tudo bem”), Laerte deixa, nesse rápido bate-papo, muito material para os fãs se deleitarem e para os neófitos para se informarem. Com a palavra, Laerte.

Como você se apresentaria para quem nunca ouviu falar de você? Cartunista, humorista, artista, ativista… ou nada disso?
Quadrinhista, ou humorista. Humorista é meio chato porque as pessoas logo esperam que você seja engraçado.

Você fundou três revistas, a Balão (com Luiz Gê), Piratas e Striptiras. Comente rapidinho cada uma delas, o conceito e o porquê de seu encerramento.
Balão era um fanzine. Acabou porque os integrantes foram à luta no mundo real. Tentou-se editá-lo comercialmente, mas rolou briga, não deu certo. Piratas era minha revista solo. Dançou por isso mesmo – fiquei no bagaço. Teve mais motivos, claro. Estou sendo sucinto. Striptiras era só pra republicar as tiras. Dançou porque a Editora Circo dançou, e porque o mercado deu uma encolhida.

Personagens como Os Gatinhos e o Hugo Baracchinni retratam situações muito comuns, ainda que às vezes de maneira incomum. Você sente que são personagens que tem identificação maior com o público?
O Hugo não, os Gatos sim. Depende muito da situação. Trabalho mais com situações do que com personagens.

Curiosidade antiga: os Piratas do Tietê foram baseados em que? Eles têm algo remotamente a ver com o antigo esquete Os Pirata (sic), dos Trapalhões?
Não me lembro desse esquete. Os meus precederam a TV Pirata, e sucederam um monte de piratas em gibis e livros e tudo mais. Nunca tentei criar figuras originais. Minha ideia de originalidade se baseia nas relações desses personagens com o cenário. Quis que eles fossem clichês mesmo, olho de vidro, perna de pau.

Alguns personagens, como o Grafiteiro e Dom Luigi, parecem ter ficado no passado. Você os abandonou mesmo? Por que?
Como disse o George Harrison, todas as coisas devem passar.

Existe algum personagem que você julgue ter sido uma criação menor, ou que você ache que não explorou o quanto podia?
Sim, o Grafiteiro é assim.

Ao trabalhar o livro “Deus segundo Laerte”, você teve algum problema com grupos religiosos?
Não. Só com alguns indivíduos. Muito poucos, em verdade vos digo.

Qual a sua visão de Deus e por que o transformou em personagem?
Vou deixar a parte complicada da pergunta pra lá. Só vou insistir que usei apenas um clichê: o velho de camisola, barba branca enorme e auréola triangular. Mitologia católica.

Quais outros livros você publicou? Como adquiri-los?
Bom, tem alguns que só no sebo, porque as editoras faliram. Tem:

O TAMANHO DA COISA
FAGUNDES, UM PUXA-SACO DE MÃO CHEIA
OS GATOS
PIRATAS DO TIETÊ E OUTRAS BARBARIDADES

(Nota: ele não mencionou, mas podem ser encontradas coletâneas de suas tiras para os Classificados do Estadão, do jornal O Estado de São Paulo, e da personagem mezzo-infantil Suriá).

Você usa muito o absurdo e a metalinguagem em alguns textos. Comente sobre isso, e se der, também sobre o uso da linguagem coloquial, que você utiliza tão bem quanto.
Bom, não vou comentar seus elogios, por favor! Metalinguagem, procuro não abusar, senão fica chato.

Recentemente, você começou a citar o Glauco, o Adão e o Angeli nas suas tiras. Eles são parceiros de longa data, há uma razão para essa referência mais constante agora?
A gente vai ficando velho, a morte vai se aproximando, vai dando aquela vontade de ficar bem na autobiografia dos outros.

Algum novo projeto concreto para breve?
Cinema, teatro, essas maravilhas.

Para encerrar, vamos a um “pergunta-e-resposta” para os fãs.
Personagem preferido no momento:
Homem-Catraca.

Personagem preferido de todo seu trabalho:
Não rola.

Influências:
É muita coisa. O pessoal do Rio, antes e depois do Pasquim, underground americano, milhares de autores de tiras, escritores, cineastas, dramaturgos, etc.

O que anda lendo
(HQ ou não): Margaret Atwood

Música (você sempre põe citações legais):
Mozart, Fauré, Beethoven, Bach, mais um monte.

Algum personagem alheio que você gostaria de ter criado:
O Anísio, d’O Invasor (Marçal Aquino)

Quem faz um bom trabalho de quadrinhos no Brasil e no mundo:
Giancarlo Berardi e Ivo Millazzo (Ken Parker)

Falou?
Falou!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell

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