Magnólia, de Paul Thomas Anderson

por Marcelo Costa

Texto publicado originalmente no Scream & Yell em 10 de julho de 2000

Tudo simplesmente acontece. Não há como fugir, negar, comprar o inevitável. Há, sim, como ignorá-lo, mas o preço geralmente é alto, pois não existe mentira tão perfeita que engane a si mesmo.

É certo, também, que o mundo não é exatamente como a gente quer, que a sociedade é feita de aparências e que essas aparências são, quase sempre, 90% do que importa na história. Ou seja, vivemos em um mundo sustentado pelo irrealizado.

Inevitavelmente, tudo acontece porque tem que acontecer e o que é real, irreal, verdadeiro, sonho, fantasia e fuga acaba esbarrando sempre na vontade pessoal de cada ser querer que tudo dê certo. Mas todos erram, por medo, tolice ou gosto. E apesar de todos saberem que errar é humano, ninguém quer assumir que errou, preferindo que a dor o consuma vorazmente num primeiro momento para, num segundo, ficar observando até onde o inevitável consegue chegar sozinho.

Os personagens da pequena obra-prima recente “Magnólia” são assim. Vivem fugindo de alguma coisa que os persegue, persegue, persegue até que, num momento de sublime percepção descobrem: estão fugindo de si mesmos. O filme é uma prisão cinematográfica. Seus personagens se esbarram, se relacionam, se misturam, se amam e se odeiam, mas são incapazes de apagar seus erros, e o passado.

“Magnólia” é o terceiro longa de Paul Thomas Anderson que, aos 28 anos, já é colocado no mesmo patamar de Scorcese e Coppola. Não é à toa. E “Magnólia” comprova isso. É o tipo de filme que merece ser assistido várias vezes, merece ser analisado na mesa do bar com os amigos, discutido com seu amor na cama após o sexo, e merece textos perdidos no tempo, como este. Ganhou o Festival de Berlim 2000 e deu a Tom Cruise o Globo de Ouro de ator coadjuvante e uma indicação ao Oscar.

Inicia com um sensacional prólogo em que, em off, Tom Cruise explica que as coincidências existem, mas, inevitavelmente, as coisas acontecem porque tem que acontecer. Três pequenas histórias que já valeriam o filme, caso o que se seguisse fosse ruim. Não é. As próximas três horas serão embebidas em lirismo, mágicas e chuva. Daí em diante teremos uma distribuição farta de personagens profundos, tão profundos que cada um poderia ganhar um parágrafo especial. E são muitos, todos se relacionando numa trama intrincada.

Perfilando fracassos, loucuras, fantasmas pessoais, busca pelo amor, por remédios, e rãs, temos um professor machista (Tom Cruise), o pai que o abandonou (Jason Robards), seu enfermeiro (Philip Seymor Hoffman), sua esposa oportunista (Julianne Moore), um veterano apresentador de TV (Philip Baker Hall), sua filha viciada (Melora Waters), um gênio mirim (Jeremy Blackman) e o pai que o explora, um fracassado gênio mirim (William H. Macy) e um policial (John C. Reily).

Cada um tem sua história que, claro, não são lá muito alegres. Todos eles, assim como nós, erram. E todos eles sofrem, menos pelos erros, mas mais pela falta do dom de perdoar. Magnólia não é um filme sobre pecados, como muitos tacharam. É, ao contrário, um filme sobre perdão, mas o perdão demora a vir e quando vem surge ancorado numa referência bíblica, estampada por alguém numa plateia de um game show que leva ao alto um cartaz: Exodus 8:2.

“Aarão estendeu a mão sobre as águas do Egito, e as rãs saíram, cobrindo o Egito”.

Não chove à toa. Aliás, chove o tempo todo no filme, mas a grande chuva só vai ocorrer quando o ápice de melancolia de todos os personagens se encontrar, coincidentemente, na mesma rua: Rua Magnólia. Como uma catarse. Como um desabafo coletivo. Como um sorriso e um abraço e um grito parado no ar. Chove. Chove muito. E não adianta ficar parado pensando. Está chovendo, e pronto. E por mais estranha que seja a chuva, acontece. Tudo pode acontecer.

Paul Thomas Anderson diz que o filme é baseado em personagens reais, em pessoas que ficaram presas no passado. Num trecho significante o filme diz – e explica-se: “O passado saldou suas contas conosco, mas nós não o deixamos para trás”. Com trilha sonora sublime e melancólica de Aimee Mann, cantora preferida do escritor Nick Hornby, e um final arrebatador, “Magnólia” é o mais belo filme dos últimos tempos.

Tudo simplesmente acontece, a toda hora. Filmes maravilhosos assim, não.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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