Aquele estranho Dia Que Nunca Chega - de Luís Fernando Veríssimo
por Leonardo Vinhas 
Autor explica o Brasil em 238 páginas

Por anos a literatura e a restrita classe de analistas políticos vêm tentando entender e explicar o que acontece no Brasil, contudo, sem desmerecer aqueles que até chegaram perto de seu intento, ninguém havia conseguido fazer algo convincente ou satisfatório - para si próprio ou para os leitores.

É irônico que Luís Fernando Veríssimo tenha obtido esse feito. Não por suas inegáveis qualidades literárias, mas por ser ele, essencialmente, um cronista. Crônica é um gênero subestimado pelos catedráticos no Brasil, visto como literatura menor. E é através de crônicas que Veríssimo analisa e esclarece boa parte da recente história política brasileira em Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega (Editora Objetiva, 1999).

Não pense, contudo, que se trata de um texto impenetrável cheio de comparações pedantes e afirmações categóricas. O maior recurso de Veríssimo sempre foi e continua sendo a combinação de simplicidade e humor. A diferença é que aqui esse humor surge bem mais cáustico que o habitual, incomodando bastante quando percebemos que estamos rindo de nossa própria apatia e incipiência social.

A tônica do livro nos está em meramente analisar fatos políticos recentes com uma visão intelectual. Ao longo das crônicas (coletadas do Jornal do Brasil e aqui cuidadosamente organizada em cinco blocos eficientemente ligados), o autor sempre confronta os aspectos sociais e humanos que envolvem os acontecimentos, ligando causa e conseqüência com pouquíssimas palavras e levando a reflexões que freqüentemente tem resultados contundentes. Assim, ao lançar Catita (a cadela que salvou duas crianças do ataque de um pitbull) à Presidência da República, Veríssimo apresenta argumentos tão claros que a eleição dela parece lógica e iminente. Qualquer outro autor soaria patético ao apoiar a candidatura de um cachorro, mas aqui está quem sabe e comprova que às vezes os instintos caninos são mais sábios que a racionalidade humana - principalmente se o humano em questão for do PSDB.

O fundamental é que, entre todas as colocações, explicações e indagações, o escritor não arrota juízos e opiniões incontestáveis, mas procura elucidar o que nos parece imperscrutável em um primeiro momento. E essa elucidação nos mostra que a principal responsável pela situação em que estamos é a nossa cômoda e estúpida apatia. No Brasil, lembra Veríssimo, tudo fica para depois, "aquele estranho dia que nunca chega, pois quando chega vira agora e depois fica para depois". É amargamente hilário perceber o quanto nós somos causa disso, pois este é o único país em que "a maioria é o lado mais fraco".

A leitura desse livro é prazerosa, porém é difícil não sentir grandes desconforto e embaraço com nossa própria conformidade após alguns trechos. Se você se sentir suficientemente incomodado a ponto de querer fazer alguma coisa, certamente valerá a pena ter lido esse livro e passado a vergonha que ele nos suscita.

Leonardo Vinhas confia na mudança de atitude do povo brasileiro, só espera que ele não deixe isso para depois.