Manual do Perfeito Idiota
Latino Americano
de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos
Alberto Montaner e Alvaro Vargas Llosa
(Editora Bertrand Brasil/ Instituto
Liberal)
Você
por acaso já teve algum rompante nacionalista, já
vibrou pelo Brasil, chorou de amor pela pátria? E você
acha que nossa miséria tem mesmo alguma coisa a ver com
a riqueza alheia? Você já foi ou é de esquerda?
Já teve sua simpatia por Cuba e os piores sentimentos
em relação aos EUA? Algum dia já acreditou
na palavra imperialismo e pensou que a única forma de
mudar o mundo seria fazendo a revolução? E não
vá dizer que você é desses que crê
na relação entre o pensamento neoliberal e o que
chamam por aí de capitalismo selvagem?
Perdão,
mas se respondeu sim a alguma das questões, você
é um idiota. Mas fique calmo. Você não é
um idiota qualquer. Você é o perfeito idiota latino-americano.
É
isso, pelo menos, o que afirma, desse jeitinho mesmo, o Manual
do Perfeito Idiota Latino-americano... e Espanhol, livro
lançado no início do ano neste pobre continente
coalhado de imbecis, relançado em nova versão
na Espanha, no mês passado, e que deve chegar ao Brasil
em março de 97, em edição da Bertrand Brasil.
Seus
autores são três. O mais conhecido é filho
do escritor peruano Mario Vargas Llosa, Álvaro. Os outros
são o jornalista e ensaísta cubano Carlos Alberto
Montaner e o escritor e jornalista colombiano Plinio Apluleyo
Mendoza. Em comum, eles têm o fato de terem sido de esquerda,
hoje convertidos em ardorosos defensores da visão neoliberal
não só da economia, mas da própria vida.
Trata-se, como assinala o escritor Vargas Llosa no prefácio,
de um panfleto. São 13 capítulos e 330 páginas
de escárnios, zombarias, caçoadas e gracejos contra
os pobres idiotas de esquerda. Um passeio pelos títulos
de alguns capítulos dá uma idéia do espírito
que anima o trio. "A Bíblia do Idiota", "Cuba: um Velho
Amor Não se Esquece nem se Abandona" e por aí
vai.
O
sucesso da primeira versão do "Manual" foi tamanho que
no prefácio à versão espanhola papai Vargas
Llosa se pergunta se a carreira fulminante do livro na América
Latina é prova de que a idiotia política está
encolhendo por aqui ou, pelo contrário, se os personagens
do livro se precipitaram em massa a comprá-lo porque,
além de idiotas, são masoquistas.
Como não se cansam de repetir os autores ao longo do
texto, o pecado maior não é ter sido idiota (afinal,
todos éramos, dizem eles), mas continuar sendo. Seguindo
à risca esse "argumento", podemos enumerar alguns casos
domésticos de quem se livrou deste mal.
O
atual ministro da Cultura, o ex-petista Francisco Weffort, já
teria sido um perfeito idiota. Deixou de sê-lo no momento
em que reconheceu em Antônio Carlos Magalhães uma
figura com "grande sensibilidade social". Da mesma forma, o
secretário da Cultura de Paulo Maluf, o ex-comunista
Rodolfo Konder, também se livrou da doença quando
descobriu que os conflitos ideológicos viraram pó
junto com os escombros do Muro de Berlim.
Verdade
ou sintoma
Exemplos
caseiros à parte, há duas maneiras básicas
de se ler este ''Manual'', desde já candidato a se converter
em Bíblia e best seller do neoliberalismo. A primeira
é tomá-lo ao pé da letra. Foi o que fez
o deputado Roberto Campos (PPB-RJ), num dos artigos da coluna
que publica na Folha de São Paulo. Campos dizia, repetindo
os autores, que "o subdesenvolvimento não resulta da
espoliação internacional ou da falta de recursos
naturais. É sempre um fenômeno cultural, um misto
de idiotice e mau-caratismo. Infelizmente, ambas as coisas são
abundantes neste subcontinente".
A
outra maneira de se ler o "Manual" é vê-lo como
um sintoma de época. O que importa então não
é tanto a doutrina que anima os autores, mas o uso que
fazem dela. Pela via do deboche desprovido de superego, a adesão
ao ideário hegemônico de nosso tempo surge como
subversão. Mal-comparando, o mecanismo é o mesmo
de Nélson Rodrigues, quando, nos anos 60, usava a cafajestada
para desqualificar a esquerda, podendo assim ser reacionário
e ao mesmo tempo parecer subversivo. Hoje, como ontem, os liberais
dão sinais de que estão com um ótimo humor.
E é fácil entender. Como qualquer idiota sabe,
o mundo nunca foi tão maravilhoso.
O
presidente Fernando Henrique Cardoso não tem sossego.
Não bastasse a esquerda, que o acusa de ser um neoliberal,
agora vêm os autores do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano...
e Espanhol" incluí-lo entre os intelectuais que contribuíram
de forma decisiva para moldar a idiotia da esquerda no continente.
Há várias menções a FHC no livro.
A mais comprometedora, segundo a ótica dos autores, é
a inclusão de seu livro clássico, "Dependência
e Desenvolvimento na América Latina" (1967), escrito
em parceria com Enzo Faletto, entre as dez obras que mais "comoveram
o idiota latino-americano". Em três páginas e meia,
os autores procuram desqualificar o livro de FHC - como eles
próprios reconhecem, um sucesso internacional, tendo
vendido apenas no México nada menos que 26 edições.
Com
a truculência e a ligeireza analítica que convém
a um panfleto, os autores escrevem que FHC entendia a sociedade
como "um arranjo mecânico de vontades, onde não
há espaço para o acaso, os indivíduos ou
as paixões irracionais, nem há qualquer indício
de liberdade individual na tomada de decisões". E concluem:
"Toda a obra está atravessada por essa maneira mecanicista
e reducionista de entender o devir histórico". FHC poderia
facilmente refutá-los, já que a teoria da dependência
é mais ou menos o oposto do que eles dizem. Mas as coisas
não ficam por aí.
Na
tentativa de salvar o presidente ao mesmo tempo em que condenam
o sociólogo, os autores dizem: "É muito provável,
levando-se em conta seu programa de governo, que, nos 30 anos
transcorridos entre a redação do livro e sua vitória
eleitoral, FHC tenha mudado profundamente sua maneira de entender
a realidade econômica latino-americana". Outro erro. O
presidente, não importa o que faça como político,
tem mostrado em seus discursos (como o do México, em
fevereiro último) que continua pensando exatamente o
que pensava há 30 anos.
O
índex do qual faz parte o livro de FHC é encabeçado
pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, com seu livro "As Veias
Abertas da América Latina", definido pelos autores do
"Manual" como "a 'Bíblia' dos idiotas".
Além
dele, foram para o pelourinho "O Homem Unidimensional - A Ideologia
da Sociedade Industrial", do filósofo alemão Herbert
Marcuse, "Para uma Teologia da Libertação", do
peruano Gustavo Gutiérrez, "Para Ler o Pato Donald",
de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, e "A Guerra de Guerrilhas",
de Che Guevara, entre outros.
FRASES
"A
venda de nossas empresas estatais como forma de salvar o país
não pode ser aceita pela esquerda. Não podemos
nos deixar levar pelas teses do neoliberalismo. O Estado tem
um papel importante e preponderante."
Luiz Inácio Lula da Silva, em 1993.
"Presido
um governo que não é socialista, mas que abrirá
sem hesitações o caminho para o socialismo."
Salvador Allende, ex-presidente do Chile, 1972.
"Pobre
México, tão distante de Deus e tão próximo
dos Estados Unidos."
Porfirio Díaz, ex-ditador mexicano, no fim do século
19.
"Se
não fosse por Cuba, os Estados Unidos teriam chegado
até a Patagonia."
Gabriel García Márquéz, 1992.
"A
culpa de muitos de nossos intelectuais e artistas reside em
seu pecado original: não são autenticamente revolucionários.
As novas gerações virão livres do pecado
original. Nossa tarefa consiste em impedir que a geração
atual se perverta e perverta as novas."
Ernesto Che Guevara, em 1961.
"Dentro
de dez, 20 ou 50 anos terá chegado a todos os nossos
países, como agora em Cuba, a hora da justiça
social, e a América Latina inteira terá se emancipado
do império que a saqueia, das castas e da exploração,
das forças que hoje a ofendem e a reprimem."
Mario Vargas Llosa, em 1967.
"Esse
liberalismo selvagem está provando que é hoje
a pior coisa que pode acontecer a qualquer povo, as coisas não
podem ser medidas pelo dinheiro e pelo êxito."
Pedro Almodóvar, em 1996.
"Senhores,
devo confessar aqui que tenho apenas um par de sapatos, não
porque queira parecer pobre ou exagerado, mas porque não
necessito de mais."
Alan García Pérez, ex-presidente do Peru, em
1992.
Texto
publicado no caderno Ilustrada do jornal Folha de São
Paulo do dia 12 de outubro de 1996
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