Trilogia
das Cores
de Krzystof Kieslowski
Por
Marcelo Costa
1999
Talvez
você, assim como muita gente, não goste do cinema
europeu por achá-lo chato demais. E, na maioria das vezes
é chato mesmo. Mas se toda regra tem uma exceção,
Krzystof Kieslowski, cineasta polonês, é a exceção
desse caso.
Kieslowski fez ao total 23 filmes, dentre os quais se destacam
Amator (1979) - que conta a história de
um cineasta abandonado pela mulher - e o Decálogo
(1988 - feito para tv), dividido em dez partes contando cada
uma, um mandamento bíblico. O destaque é o sexto
mandamento, Não Amarás, que conta a história
de um jovem ("Entre o amor platônico e a violência
do desejo", conforme anuncia o cartaz...) que corta os
pulsos ao ser rejeitado por uma mulher mais velha.
Mas sua obra-prima ainda estava por vir. Morando em Paris e
desiludido com a política, Krzystof resolveu filmar as
dores do mundo. A Trilogia das Cores, inspirada nas cores
da bandeira francesa, e em seus significados, é um dos
momentos mais poéticos do cinema nessa década.
Bleu, A Liberdade é Azul, (1993) é o primeiro
e é um drama. Julie (a bela Juliette Binoche de O
Paciente Inglês) perde o marido (famoso compositor)
e a filha pequena em um acidente de carro. Tenta se matar mas
não consegue pois se acha fraca para fazer isso. Fica
só. E ser livre é, muitas vezes, difícil.
Um flautista de rua lhe diz que é preciso se agarrar
a algo mas ela já não quer mais nada pois bens,
recordações, amigos, vínculos, são
tudo armadilha. Gostaria mesmo é de pular no espaço,
no céu azul, mas no fundo sabe que não se pode
renunciar a tudo. Kieslowski transforma dor em sublimação.
Bleu é um filme silencioso mas todos os sentimentos
são para qualquer um tocar. Cada um é livre para
fazer o que quiser embora a liberdade maior seja estar vivo.
A fotografia é linda e a trilha sonora, do inseparável
Zbigniew Preisner, sinfônica e imponente.
Blanc, A Igualdade é Branca, (1993) é o
segundo e o mais perto que Kieslowski chega de uma comédia.
Para Karol Karol (Zbigniew Zamachowski), estar vivo não
é nada fácil. Polonês de Varsóvia,
vai à Paris e é humilhado. Sua mulher, Dominique
(a linda Julie Delpy de Antes do Amanhecer e Um Lobisomen
Americano em Paris), pede o divorcio pois diz que Karol
Karol não "consumou" o casamento (o que já
é comédia demais, pois, imagina só, ser
impotente com uma mulher linda como aquela, que ainda por cima,
é francesa e lhe diz "se digo que te amo você
não entende"!!! Ahh, é piada).
Em Paris tudo dá errado, desde seu cartão de crédito
ser cancelado até ser alvo de um tiro certeiro de um
pombo. Acaba sem dinheiro, sem passaporte e sem esposa. Consegue
voltar para a Polônia dentro de uma mala, mas ao chegar
lá, a mala é roubada (sujeito de sorte esse).
Quando, enfim, consegue chegar a sua casa, está todo
arrebentado. Volta a trabalhar normalmente e com o tempo arquiteta
um plano para montar uma fortuna que o possibilite aplicar as
mesmas peças na ex-esposa, afinal, a igualdade é
branca, como um véu de noiva, como a neve, como pombos
voando e como um orgasmo. Blanc é cômico
mas não chega a ser uma comédia. Kieslowski fez
um belo filme que, se não fica a altura de Bleu
e Rouge, com certeza alegra coração e alma.
A trilha de Preisner é pontuada por tons melancólicos
extraídos de clarinete com suavidade e, ás vezes,
silêncios. Ah, eu já ia me esquecendo. A profissão
de Karol Karol no ínicio do filme era cabelereiro...
Rouge, A Fraternidade é Vermelha, (1994) é
o terceiro e último e é simplesmente sublime.
Parece mais uma poesia sem palavras amparada em uma fotografia
magistral e no rosto de Irene Jacob (musa de Kieslowski que
havia feito com ele, dois anos antes, o misterioso A Dupla
Vida de Verónique) flutuando em tons vermelhos de
carros, sinais fechados, bolas de boliche, outdoors, cerejas
e sangue.
Irene é Valentine, modelo suíça vivendo
em Paris, longe do namorado ciumento. Sua história é
interligada a de um jovem que estuda para ser juiz. Certa noite,
Valentine atropela uma cadela e ao leva-la ao endereço
da coleira, conhece um estranho senhor que passa seus dias ouvindo
ligações telefônicas dos vizinhos. Desse
encontro surge uma amizade iniciada em repulsa mas que, aos
poucos, modifica a vida dos dois personagens. Kieslowski brinca
e se diverte com os acasos, com destinos marcados para se cruzar
pois a inevitabilidade existe, embora cada um tenha que viver
a sua própria vida. Para ele não é difícil
adivinhar os caminhos da vida. Basta se comunicar. Olhar nos
olhos.
Rouge é arrepiante e sua cena final, uma pequena
surpresa, mas só para quem assistiu aos outros dois.
Ravel passeia com seu Bolero em várias cenas e
é a base da excelente trilha sonora de Preisner. Rouge
transborda poesia e possibilidades, em silêncios comoventes,
mesmo quando caí um cinzeiro, mesmo quando vidraças
se quebram, mesmo quando um alarme de carro dispara. É
tudo como se incendiássemos gelo. Água que escorre
entre os dedos e deixa, por fim, as mãos molhadas...
Consagrado internacionalmente após a trilogia, em 1995,
Kieslowski abandonou as câmeras por que disse que estava
achando tudo muito chato e preferia viver ao invés de
fazer cinema. E não fez mesmo. Não teve mais tempo.
Morreu de enfarto, aos 55 anos, em março de 1996.
A Liberdade é Azul ganhou o Leão de Ouro
em Veneza como melhor filme e melhor fotografia, tendo ainda
Juliette Binoche como melhor atriz. Binoche também ganhou
o Cesar que também foi concedido ao filme nas categorias
melhor montagem e melhor som. Para fechar, três indicações
ao Globo de Ouro: Melhor filme estrangeiro, melhor música
e melhor atriz.
A Igualdade é Branca deu o Urso de Prata em Berlim
para Kieslowski como melhor diretor.
A Fraternidade é Vermelha ganhou Cannes como melhor
filme, o Cesar por melhor trilha sonora e foi indicado ao Globo
de Ouro como melhor filme estrangeiro e ao Oscar como melhor
direção, melhor roteiro e melhor fotografia.
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