Todo
mundo tem um disco que mudou a sua vida. Ou dois, ou três.
Mais que cinco não vale.
Não
é disco que a gente gostou, é disco que realmente
marcou uma época e levou a gente a mudar de alguma maneira.
Muitas vezes é um disco famoso de um cara importante.
Às vezes é uma bobagenzinha.
E
as vezes é uma bobagenzona. Por exemplo: da minha lista,
um dos discos reúne trechos de um grande show de caridade
e o outro é a trilha de um filminho adolescente idiota.
Flashback
1980: Concert For Campuchea, um álbum duplo de
capa vermelha, registro de um showzão que rolou em Londres
em 1979, em benefício de desabrigados, crianças
carentes e miseráveis em geral do Camboja. Comprei a
única cópia que tinha na loja, que era a Som 6,
a maior da minha cidade.
Foi
meu primeiro contato com Clash, Elvis Costello, Pretenders _e
só por esse choque do novo já teria sido importante
o suficiente na minha vida. O velho vinil está quase
furado em Armageddon Time, The Imposter e Precious
(Chrissie Hynde era um tipo novo de mulher. Um tesão).
Mas
também tinha Queen, The Who, Paul McCartney, Robert Plant.
Velhinhos, talvez não tão velhinhos assim naquela
época. Campuchea era uma combinação
de gêneros e épocas que dava uma pala da variedade
que o rock estava para ganhar.
Flashback
1983: Times Square, trilha sonora de um filme com a Trini
Alvarado e, se não me engano, uma moreninha chamada Phoebe
Cates. O filme estava disponível em cópia pirata
numa locadora da avenida Rebouças, e um amigo meu comprou
o disco.
Lembro
claramente da gente ouvindo o disco sem parar, no quarto do
Beto e do Sérgio, fumando como uns desesperados e apagando
os cigarros num balde gigantesco de cinza, que eles guardavam
em cima de uma estante. Esse disco tinha Ramones (I Wanna
Be Sedated), Gary Numan (Down In The Park), Tubes
(acho), Joan Jett. Gravei, gastei a fita, joguei fora, vou acabar
comprando em CD (que nem sei se existe).
E
Bryan Ferry, que verei (vi) sexta-feira à noite. Bryan
Ferry com o Roxy Music, tocando Same Old Scene, a música
a que o Duran Duran deve sua carreira glamurosa, cocainômana,
com um arranjo luxuoso, mas intenso. Fru-fru relevante. "Nothing
lasts forever, that is true/now I've made an offer you can't
refuse." O choque do novo, parte 2.
A
compra desses dois discos levou à compra de discos de
todos esses caras acima. E das bandas antigas de alguns deles.
E de gente que fazia parte das mesmas ondas. Esse disco acabou
virando uns cem discos na minha prateleira, pelo menos.
Por
causa deles, talvez mais do que por causa dos outros três
ou quatro discos que mudaram a minha vida, é que comecei
a ler sobre música. Tentar me informar, conversar com
os amigos, tentar entender o que se passava. Isso tudo deu no
fato de que, quando fui contratado para ser repórter,
rapidinho comecei a escrever sobre música.
Quer
dizer, em boa parte devo a esses dois discos o fato de estar,
hoje, escrevendo isso, e você lendo. Achei que você
gostaria de saber... E é por tudo isso que fui ver Bryan
Ferry. Senti que devia isso a ele.
Este
texto foi publicado na coluna "Ondas Curtas" (10/04/95) que
o jornalista André Forastieri teve durante um bom tempo
no caderno Folhateen do jornal Folha de São Paulo. Forastieri
foi editor da Bizz, da General e agora comanda a Editora Conrad.
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