Kid A, o novo do Radiohead, faixa a faixa.
Por Marcelo Silva Costa e Alexandre Petillo

Estranho no começo, apaixonante depois, Kid A é o tipo do disco que ou você larga nas duas primeiras audições ou vai ouvindo e gostando cada vez mais.

Everything in its right place 

O álbum começa da forma mais estranha possível. Um sampler de voz sobre base de piano repetida ao infinito - everythiiiiing. Climas sobrepostos, vocais repetidos aliados à guitarras distorcidas cheias de efeitos de computador. 
Sons indo e vindo confundem a mente do ouvinte, num efeito similar à um contato com extraterrestres.
No meio disso tudo, Thom Yorke canta: Yesterday I woke up sucking a lemon.  
Quem já viu alguma foto dele sabe que isso deve ser prática diária. Viagem total. Tão linda quanto difícil. 

 Kid A 

A faixa título é outra viagem. A esquisitice se intensifica. Começa com um piano que remete a sons infantis. 
É lenta, eletrônica. Efeitos na voz a deixam meio enjoadinha. Batidas sufocantes acompanham um Thom Yorke robotizado. Dificílima, mas melhora do meio para o final. Thom fez as bases em computador e o resto da banda trabalhou em estúdio com teclados e efeitos. Talvez a faixa mais estranha do disco. 

The National Anthen 

A primeira a parecer música música mesmo e uma das melhores do disco. Voz com efeitos, baixo a frente, introdução longa. Viagem em clima rock com uma letra que gira em torno de si mesma perguntando What's going on?. Nessa música o Radiohead conseguiu juntar o groove do jazz ao usual rock potente e melancólico da banda. Um pedal fuzz transforma o som do baixo, contrastando com a delicadeza do theremin. Foi gravada logo depois do fim da tour de Ok Computer e, a princípio, era para ser um b-side, mas a banda gostou tanto do resultado que ela acabou ficando para Kid A. Não a toa lembra bastante o último disco. 

How To Disappear Completely 

A primeira com violão. Balada com crescendo matador. Thom Yorke consegue com perfeição - mais uma vez - destilar toda a melancolia do mundo nas seis cordas. No meio um teclado lindo. Poderosa, para entrar no rol das melhores baladas da banda. Yorke canta de maneira transcendental. Começou a ser escrita em Toronto, junho de 97. Balada viajante de letra triste que diz The moment's already passed/Yeah, it's gone. Explorando o falsete - sua marca registrada - Yorke afunda-se: I float down the Liffey/ I’m not here/ This isn’t happening.

Treefingers 
Instrumental lento, viajante, ambient, praticamente conduzido apenas por teclados. Lembra David Bowie na fase Lows. Caberia perfeitamente como b-side de algum single. 

Optimistic 

Cadenciada, lembra a faixa Kid A, mas sem a voz enjoadinha. Guitarra envenenada dá o tom da canção. O primeiro rock‘n‘roll de verdade do disco. Chega arrombando como um Tiranossauro. Guitarra no talo e cozinha potente acompanham Yorke declamando sobre o fim do mundo, sobre peixes maiores comendo os menores. Parece com o R.E.M da fase “Monster”. Ed O’Brein disse que a letra lembra PJ Harvey: Amo essa letra, principalmente o trecho "this one just crawled out the swamp"

In Limbo 

Outro ponto alto do disco. Cadenciada, mas melódica/melancólica. Parece como alguma canção do The Bends versão Ok Computer. A banda trabalhou muito nessa e só nove meses depois que conseguiram chegar a um resultado satisfatório. Yorke chora sobre arpejos límpidos de cordas: I’m Lost at sea. Destaque para o final crescente. 

Idioteque 

Esta música é o exemplo perfeito de como será o rock no ano 2000. Programação eletrônica à frente à la Aphex Twin, são sobrepostas pelo vocal potente de Thom Yorke. Ambígua, a melodia tradicional confronta-se com o emaranhado de ruídos e efeitos. Thom Yorke canta muito e deixa a guitarra em segundo plano. A letra pega pesado: 
Let me tell you that you're the first - I'll laugh till my head comes off - I'll swallow till I burst

Morning Bell 

Eletrônica à frente novamente, mas dessa vez com levada lenta e baterias eletrônicas conduzidas por Thom e pelo produtor Nigel Godrich. A respiração de Thom Yorke pode ser ouvida sob a chuva, num dia cinzento. O vocal sai soluçado. Uma guitarra nervosa entra no meio da música e aumenta a tempestade. Mesmo assim soa meio chatinha até o meio quando entra uma guitarra nervosa. A letra é um tormento. 

Motion Picture Soundtrack

A favorita de Thom Yorke. Bela. Alias, a mais bela. Teclado triste que faz a canção acabar como uma coda. A letra - talvez a mais direta que Thom Yorke já escreveu - e os efeitos de teclado no meio remetem diretamente a Atmosphere do Joy Division. Um piano eletrônico mistura-se com uma harpa alucinada. Yorke berra: I think you‘re crazy. Deveria ter entrado em Ok Computer, mas acabou saindo na última hora. Um verdadeiro gran finalle, como um grande disco merece. Na última estrofe, o vocalista afirma o tom dramático do álbum:
I will see you in the next life.
Depois de ouvir Kid A é difícil não ir com ele.