Esse
você precisa ouvir
Fuzzy -
Grant Lee Buffalo
por
Carlos Eduardo Lima
cel_rp@yahoo.com.br
Alguns discos mudam comportamentos.
Outros geram tendências. Uns poucos mudam o mundo. E, raríssimas
vezes, um disco é perfeito. "Fuzzy" tem um pouco dessas qualidades
concentradas em suas onze canções. Como um time de jogadores,
cada música cumpre sua função e serve de espelho/compensação
da anterior ou subseqüente, gerando o que os comentaristas esportivos
chamam de "conjunto". É um disco cheio de equilíbrio e beleza.
Senão vejamos.
Grant Lee Phillips era uma guitarrista
que amava REM, John Lennon e David Bowie em escalas quase iguais. Dono
de uma voz celestial e de uma criatividade exuberante, Grant começou
cedo a querer ter uma banda de rock. Encontrou em Paul Kimble e Joey Peters
os contrapontos perfeitos para suas ambições artísticas.
Sob o clássico formato de baixo, bateria e guitarra, mas contando
com esquisitices como o domínio de Kimble sobre o pinao e a chamada
pianola (aqueles pianos dos saloons americanos), o já batizado Grant
Lee Buffalo despontou para a mídia em 1993. Após um dos primeiros
shows, o selo Slash Records, distribuído pela Warner, assinou com
a banda e levou-a para o estúdio a fim de gravar sua estréia.
"Fuzzy" nasceu como uma espécie
de declaração de intenções do grupo diante
do objetivo implícito por parte de Grant de recriar climas e sons
remetentes a uma América mitológica, cheia de peregrinos
do Mayflower, lendas do sul do país, cowboys empoeirados, o assassino
de Abraham Lincoln, John Booth e até gente como Al Capone. Para
isso, o instrumental oscila numa espécie de fio da navalha em que
interagem punk, flok, country, psicodelia e o tão chamado “novo”,
contido em algum lugar entre os timbres da voz de Phillips e o clima criado.
"Fuzzy" começa arrasador com
"The Shining Hour", levada com pinao anos 30 e permeada por letras surrealíssimas,
em que versos etílicos como "it kills me to think that I´m
no longer living, just looking for excuses to drink" convivem com loucuras
como "I propose a toast to the memory of the horse who carried King Tut
and his gold... into the sun". Uma das mais perfeitas baladas do pop vem
em seguida, "Jupiter and Teardrops", narrando o amor impossível
entre um artista mambembe e uma ex-presidiária. Em certo momento
Grant faz um trocadilho perfeito com o nome Teardrop e uma das mais lindas
canções dos anos 50, "Lonely Teardrops", do Elvis negro Jackie
Wilson, que toca no rádio enquanto a ação se desenrola.
As alegrias prosseguem em "Stars’n’Stripes"
na qual o cenário desolado de um ferro velho serve de metáfora
para uma grande cidade e principalmente em "Dixie Drugstore", que fala
do amor entre um casal de fantasmas em Nova Orleans em meio a vocais que
murmuram "jambalaya" (uma saudação típica do Sul),
cantados pelo próprio Grant com falsete de fazer inveja aos grandes
mestres da soul music.
"Fuzzy" levou o Grant Lee Buffalo
ao sucesso, mais na Europa que nos Estados Unidos, mas a banda nunca repetiria
o arraso de sua estréia em seus três discos seguintes, "Mighty
Joe Moon" (1994), "Copperopolis" (1996) e "Jubilee" (1999). Neste mesmo
ano Grant deixou-a após uma turnê na Austrália em decorrência
de problemas contratuais com a Warner e embarcou em uma belíssima
carreira solo, que já conta com o maravilhoso "Ladie’s Love Oracle",
lançado em 2000 pelo minúsculo selo Magnetic Fields. Em fevereiro
de 2002 foi lançado (lá fora, claro), "Storm Hymnal - Germs
From The Vault of" - Grant Lee Buffalo", coletânea dupla que tem
seu maior atrativo no cd 2, contando com vários b-sides e raridades,
incluindo uma versão acústica de "The Shining Hour".
"Fuzzy" foi inexplicavelmente lançado
no Brasil em 2000 pela Warner (com sete anos de atraso). Numa década
que teve medalhões como "Nevermind", "Bloodsugarsexmagic", "Automatic
For The People", entre outros discos mais emblemáticos, "Fuzzy"
passou por uma elegante discrição que acabou fazendo com
que adjetivos como perfeito, belo, consistente e pungente só tenham
sentido se forem usados em conjunto para definir a sua real dimensão.
Carlos
Eduardo Lima é colunista S&Y e sub-editor da revista Rock Press |