Faixa
a Faixa
"Surfando
Karmas e DNA" - Engenheiros do Hawaii
por
Marcelo Silva Costa
"Se eu soubesse antes o que eu sei
agora, erraria tudo exatamente igual", canta Humberto Gessinger em "Surfando
Karmas e DNA", faixa que abre e dá título ao décimo
terceiro disco dos Engenheiros do Hawaii. Nada mais apropriado, já
que Humberto chutou todo mundo da formação anterior, assumiu
a guitarra (como só havia feito na estréia da banda, em "Longe
Demais das Capitais", de 1986) recrutou sangue novo e não mudou
nadica de nada no som. Ok, as guitarras estão um tiquinho mais sujas,
mas é aquilo mesmo que todo mundo conhece bem (até a capa
é horrível, como quase todas as anteriores dos Engs). Chega
a surpreender a aversão de Gessinger a modimos. Modas vem e vão
e os Engenheiros continuam os mesmos. No saldo final, "Surfando" é
o melhor dos últimos trabalhos da banda. Não é um
"A Revolta dos Dândis" muito menos um "Várias Variáveis",
mas fica ali, podendo até cavar espaço num quarto ou quinto
lugar na discografia dos Engenheiros.
Todos os gessingerismos que os fãs
amam e a crítica detesta estão aqui. De e-mails com o ex-parceiro
Carlos Maltz (que rendeu a gauchesca "e-stória") até as velhas
frases de Gessinger. "Sei Não" revive "Nunca Mais Poder" quando
diz "Tentei ficar na minha, tentei ficar contigo, o que há de mais
moderno ainda é um sonho muito antigo". "Quem mente antes diz a
verdade", canta Gessinger em "3ª do Plural". Em "Esportes Radicais"
a letra explica: "Adrenalina é um menina dormindo, dançando
em silêncio, imaginando um reggae".
Humberto Gessinger, o eterno engenheiro,
explica, faixa a faixa sua cria:
SURFANDO
KARMAS & DNA
por Humberto
Gessinger
Gravamos SURFANDO KARMAS & DNA,
13º disco dos Engenheiros do Hawaii, no Rio de Janeiro, no segundo
semestre de 2001. Pela primeira vez optei por fragmentar o período
de gravação. Geralmente, paramos tudo por seis semanas para
finalizar um disco. Agora fizemos diferente : foram várias idas
ao estúdio, para gravar duas ou três canções
de cada vez. Não saímos da estrada neste período e
2001 foi o segundo ano com maior número de shows na história
dos Engenheiros do Hawaii. Acho que foi esta atividade intensa que definiu
a sonoridade e deu unidade ao disco. SURFANDO KARMAS & DNA é
da família de "Revolta dos Dândis" (1987) e "Ouça O
Que Eu Digo : Não Ouça Ninguém" (1988).
De todas as formações
da banda, esta foi a que amadureceu mais rapidamente: Dividindo as guitarras
comigo, Paulinho Galvão. Guitarrista superversátil que eu
conheci tocando com Paulo Ricardo e que participou da gravação
do disco acústico do Roberto Carlos, mas cujo forte mesmo é
o rock'n'roll. Gláucio Ayala, toca bateria e faz os vocais de apoio
nos shows. Além da competência musical, é o cara de
melhor astral com quem já toquei.
No baixo, Bernardo Fonseca. Apesar
de ser o mais jovem, ficou com a parte mais delicada, já que era
meu este território desde o segundo disco da banda. Em pouco tempo
ele conseguiu achar a medida certa entre a tradição da engenharia
hawaiiana e a personalidade própria. Frequentemente me esqueço
que já toquei baixo naquelas músicas. A produção
do disco foi de Gil Lopes, empresário dos Engenheiros Do Hawaii
desde "Alívio Imediato" (1989) e seguidor do mantra do mestre Rick
Rubin : produtor é o fã profissional.
As canções
"Surfando Karmas & DNA"
Ela abre e dá nome ao disco
... já vínhamos tocando há algum tempo nos shows ...
no estúdio, acrescentamos
uma pequena orquestra ... ficou cinematográfica ...
segundo o Aurélio, carma é
o conjunto de ações dos homens e suas consequências
;
DNA é substância química
envolvida na transmissão de caracteres hereditários ;
surf já é uma questão
muito mais complexa, difícil de definir, né?
"Terceira Do Plural"
foi escrita em 94, mas só agora
cheguei no arranjo certo ... é o primeiro single do álbum
...
apesar de conter o palavrão
"obsolescência", é minha letra preferida do disco ... um panfleto
bem humorado ...
hay que endurecer pero sem usar a
expressão "tá ligado!" jamais ...
"Pra Ficar Legal", "Sei
Não" e "Ritos De Passagem"
são três parcerias minhas
com Paulinho Galvão nas quais ele fez a música e eu, a letra
...
acho que ainda faremos muitas outras
... ele já escreve com o arranjo na cabeça ...
sei muito bem como é isso,
pois também sou assim ...
"Esportes Radicais"
Mixando a demo de "Esportes Radicais"
me caiu a ficha : é uma continuação de "Infinita Highway"
...
pop-existencialismo ... Mark Knopfler
e Albert Camus fumando o mesmo cigarro ...
"otimismo da vontade e pessimismo
da razão", se não me engano, é Gramsci ... ? ou será
Beach Boys ?
"Nunca Mais"
foi gravada para fazer parte do "!Tchau
Radar!"(1999). ...
na época não gostei
da minha voz e ela acabou ficando de fora ...
tentamos de novo agora e consegui
a interpretação que eu queria ...
é uma versão que fiz
para a canção "Lullaby" de Shawn Mullins ... a tradução
é tudo menos literal,
já que o ambiente da letra
original não tem paralelo no Brasil ... mas a onda é a mesma
...
"Nem + 1 Dia"
é a mais intimista do disco
... uma daquelas músicas que nascem prontas, letra e música
ao mesmo tempo ...
não é muito frequente,
mas é muito bom quando acontece ...
o arranjo de cordas é do Glauco
Fernandes, mesmo maestro que também trabalhou a música "Surfando
Karmas & DNA"
"e-Stória"
saiu de uma troca de e-mails com Carlos
Maltz ... montamos a banda em 1985 na Escola de Arquitetura de Porto Alegre
e ele tocou comigo até o "Simples De Coração" ( 1995)
... não nos falávamos fazia muito tempo quando recebi um
e-mail com nome dele ... como nunca se sabe quem é quem na rede
(anonimato digital : muita gente se passa por todo mundo) , fiquei em dúvida
e repliquei : "Se tú é tú mesmo, diz aí qual
o sabor de crepe favorito do Pitz (primeiro baixista da banda)" ... a resposta
veio na próxima conectada : "Crepe de Banana"... então ,
tá : era Carlos Maltz mesmo ... musiquei nossa conversa eletrônica
e convidei Borghetinho pra tocar com a gente ... pra variar, ele arrasou
...
"Datas & Nomes"
são reflexões sobre
os benefícios de surfar a passagem do tempo ao ritmo de uma bela
linha de baixo ...
"Arame Farpado"
Talvez seja uma canção
sobre ser artista num país como o Brasil ...
ter que sobreviver e manter intacta
a sensibilidade em meio a uma realidade tão grosseira ...
um avião reabastecendo em
pleno vôo : agora eu sei o que nos faz sobreviver ...
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