O Estiloso
Francis Ford Coppola
por
Marcelo Silva Costa
Ele
já havia feito o melhor filme sobre gangsters de todos os tempos
(O Poderoso Chefão 73/75). Ele já havia feito o melhor
filme sobre as loucuras da guerra de todos os tempos (Apocalipse Now,
79). Já havia feito o filme mais estiloso sobre o amor (O Fundo
do Coração, 82). Mas em 1983, Francis Ford Coppola
estava perdido. Os altos custos de seus últimos dois filmes aliados
ao fracasso nas bilheterias resultou em uma enorme dívida cujos
maiores prejuízos foram a falência de sua recém aberta
Zoetrope Studios e a perda de milhões de dólares. Só
que seus fracassos são mais brilhantes do que o sucesso da maioria
dos outros diretores, dizem e eu concordo plenamente.
E foi nesse período de desacertos
financeiros que Coppola se deparou com um livro da escritora Susan Hilton,
The Outsiders (Vidas sem rumo, 83), e resolveu filmá-lo,
com baixo orçamento. O excelente resultado abriu as portas para
uma nova parceria e surgia assim um dos mais belos cult-movies dos anos
80: The Rumble Fish - O selvagem da motocicleta. O melhor
filme sobre adolescentes em dúvidas (redundância?), sem dinheiro,
sem perspectiva, sem futuro.
De cara, destaco o erro na tradução
do título. Rumble Fish, literalmente significa Peixe de isca,
mas a autora do livro que serve de roteiro para esse conto dolorido de
Coppola foi buscar a inspiração em uma espécie de
peixe toda particular, ornamental, o Peixe de Briga, cuja
característica principal é ser um peixe que só de
ver o próprio reflexo no vidro começa brigar com ele, uma
auto-violência que se torna cruel e doentia. Com a persona toda trabalhada
em cima dessa imagem, o garoto da motocicleta (Mickey Rourke, irrepreensível,
inspirado em Camus e Napoleão) é tudo, menos selvagem. Ele
é o herói, idolatrado. Briguento na adolescência, virou
uma lenda. Seu fã número 1 é o irmão mais novo,
Rusty James (Matt Dillon, perfeito), caso comum quando se tem apenas
a família como espelho. O herói é aquele que pode
tudo mas que na verdade não quer nada. Essa contradição
é o emblema do filme. Em busca de respostas para perguntas que talvez
nem saiba, o garoto vai de moto à Califórnia. Na sua ausência,
o irmão mais novo faz tudo aquilo que fez do mais velho uma lenda:
briga, arranja confusões, é expulso da escola, afinal, o
que um garoto pobre pode fazer num bairro perdido de uma cidade esquecida,
a não ser brigar de gangues?
Quando o garoto da motocicleta retorna,
percebe-se que algo mudou. Há como fugir de uma persona? Cansado
de ser o mito, desmontará com sua indiferença desiludida
o irmão, mas não a polícia. E qual é o destino
de um herói? Coppola domina a tela. O filme é em preto e
branco de absoluto sonho porque nosso herói é daltônico,
e quase surdo como uma tv preto e branco com volume baixo, explica.
Vê apenas vislumbres de cores. E vê que viver não é
e nunca será fácil. O selvagem da motocicleta é
forte e perturbador porque fala da juventude, para a juventude. Um perfeito
cult-movie, talvez o melhor.
Depois dessa pequena obra-prima de
realismo perdido, Coppola ainda fez um dos melhores filmes sobre roteiros
idiotas (o genial Peggy Sue, 87), um dos mais belos romances de
todos os tempos (Dracula de Bran Stocker, 92) e uma tocante fábula
para adultos (Jack, 95). Seu último filme foi O homem
que fazia chover, em que Coppola mostrava como extrair um pouco mais
de emoção do surrado tema filmes de tribunais.
Aliás, sonhei com Claire Danes uma semana inteira depois do filme...
Pretensão, gênio e domínio
das técnicas fazem de Coppola um mestre. E o mestre costuma dizer
que o cinema é lindo, mas está morto. Talvez esteja
certo. Mas sei que o que tem sua assinatura traz como emblema, arte, ressurreição.
Assim são quase todos os filmes que fez. Assim é O selvagem
da motocicleta. Um dos meus filmes prediletos e um dos prediletos do
próprio Coppola. Uma pequena obra-prima sobre a juventude. Uma pequena
obra-prima.
Marcelo,
29, é um dos editores do zine Scream & Yell e já foi
Rusty James um dia, mas hoje é apenas um garoto sem motocicleta
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