Matérias
Antológicas
Um
dos presentes mais bacanas que eu me dei no natal desse ano
(2001) foi o White Album dos Beatles. E consegui na versãozinha
luxuosa que foi lançada em 1998, e eu fiquei a ver návios
na época. Por que? Porque era uma edição
comemorativa de 30 anos de lançamento do álbum,
vinha no formato de capa de vinil e, pior, numerada. Só
sairam 500 mil cópias para o mundo todo, e o Brasil recebeu
5.000 para venda. Um tempo depois, já com uma grana sobrando
no bolso, fui a caça. Putz, o que custava R$ 36 no lançamento
agora estava R$ 100 nas lojas especializadas. "Está fora
de catálogo, doutor. Foi uma edição limitada",
tentava justificar a facada, um vendedor. Bem, mas uma das coisas
mais legais de São Paulo são os sebos e foi num
desses, na Rua Consolação, bem pertinho da Paulista,
que encontrei o meu White Album. Custou R$ 30,
estava completinho, com as fotos dos quatro beatles, o encarte
com as letras, a capinha bacana e a numeração
(0306959). Chegando em casa, a primeira coisa que fui fazer
foi procurar um velho texto do meu xará Orozco, conselheiro
crispiniano do S&Y, que comentava o álbum e servia
de capinha (reduzida, claro) para uma fita cassete (quem quer
a fita?). Lendo o texto, não pensei duas vezes: matéria
antológica. O texto foi capa da Ilustrada em novembro
de 1998 e cá está para você saber um pouco
mais sobre um dos álbuns duplos mais importantes da história
da rock and roll.
Marcelo
Costa
Editor
'Álbum
Branco' virou lenda com brigas e tragédia
por Marcelo Orozco
The
Beatles/White Album virou lenda menos pela música
que por outros fatos relacionados. É o álbum que
marca o início do fim dos Beatles, gravado entre tantas
brigas e ambiente tão pesado que o pacífico e
cordato Ringo Starr chegou a abandonar a banda por duas semanas.
Quando voltou, encontrou no estúdio uma cama que John
Lennon colocou para Yoko Ono deitar-se e ficar sempre perto
dele no início do romance. A presença constante
dela criou mais tensão entre os integrantes.
O
Álbum Branco também inspirou involuntariamente
o psicopata metido a profeta hippie Charles Manson a comandar
crimes sangrentos na Califórnia, como o assassinato da
atriz Sharon Tate em agosto de 1969. Após ser preso,
Manson disse que achava que músicas como Helter Skelter
e Blackbird tinham mensagens ocultas que
lhe mostravam que seria necessário matar e promover o
caos para realizar uma revolução.
Foi
a consequência mais trágica do hábito de
fãs de procurar pistas em letras, achando que os Beatles
eram uma espécie de novos líderes mundiais. Isso
já estava tão forte, antes mesmo do caso Manson,
que foi ironizado por John Lennon na música Glass
Onion. Tudo isso obscurece um pouco o valor musical de White
Album, possivelmente o melhor disco de rock feito sob más
relações pessoais.
Na
hora de tocar, os Beatles conseguiram transformar cada duelo
de egos em uma vantagem sonora. O piano tocado com a sutileza
de um coice na introdução de Ob-la-di, Ob-la-da
é um jeito malcriado de Lennon expressar que achava a
canção composta por Paul McCartney uma baboseira.
A pirraça deu energia à música e ficou.
Em
While My Guitar Gently Weeps, George Harrison abriu mão
de fazer o solo em sua própria composição.
Preferiu trazer o guitarrista Eric Clapton ao estúdio
para ver se os outros se comportavam bem. Deu certo: ninguém
parou de tocar para discutir, e o solo cortante do convidado
elevou a canção.
A
competição criativa pode ter dado certo na maioria
das faixas, mas o produtor George Martin sabia que nem todas
eram ótimas e insistiu que fossem selecionadas 14 para
um álbum simples. Perdeu, pois nenhum beatle queria ver
uma composição sua de fora.
Isso
permitiu que inconsequências como Wild Honey Pie
(com McCartney tocando todos os instrumentos) e Revolution
9 (uma colagem sonora feita por Lennon e Yoko que costuma
ganhar toda eleição de "pior faixa dos Beatles")
enfraquecessem o White Album em comparação
aos outros discos mais importantes do quarteto.
Se
é menos enxuto e coeso que Rubber Soul (65), Revolver
(66) e Sgt Pepper (67), o White Album é
a obra mais intensamente rock dos Beatles.
Apesar
de ter folk suave como Julia ou Mother Nature's Son
e o jazz leve de Honey Pie, esse é o álbum
da banda com a maior quantidade de rock pouco polido. Nas guitarras
cruas, nos rugidos conturbados de Lennon em Yer Blues
e Everybody's Got Something to Hide Except Me and My Monkey
e no heavy metal sinistro de Helter Skelter berrado por
McCartney, os Beatles repetem o entusiasmo que levou a banda
a ser fundada cerca de dez anos antes.
Mas,
em 68, isso não bastava para contornar a crise quando
os amplificadores eram desligados.
Marcelo
Orozco, hoje é conselheiro crispiniano do zine
S&Y. O Kbla, para os amigos, foi editor de esportes
do Noticias Populares
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Essa
matéria foi publicada na Ilustrada, da Folha
de São Paulo, em 28/11/1998
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