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Antológicas
"Por uma Noite Apenas" vale por todo o ano
por
Marcelo Rubens Paiva
Por
uma Noite Apenas é um dos melhores filmes que vi neste
ano. "Two thumbs up" (dois polegares para cima), como dizem os
americanos.
Não sei até que ponto interessa saber que Por
uma Noite Apenas é um dos melhores filmes que vi
neste ano. De repente, só vi porcaria. De repente, vi
quase nenhum filme.
Nem
sei se é assim que um crítico deve começar
sua crítica. É uma opinião para lá
de categórica. Como deve proceder um crítico?
Como não sei, direi o que diria na mesa de um restaurante,
com meus amigos:
"É
imperdível. Até vejo de novo. Que elenco, que
direção, que história linda, que filmão.
Passe o sal...".
É dirigido e roteirizado por Mike Figgis, que já
tinha mostrado sua boa mão no filme Despedida em Las
Vegas, outra produção "two thumbs up". Max
(interpretado por Wesley Snipes) é um publicitário
rico. É casado com a bela Mimi (Ming-Na Wen). Mora em
Los Angeles. Está em Nova York para visitar um amigo
HIV positivo (Robert Dowley Jr.).
Nova
York é o bicho. As comemorações dos 50
anos da ONU transformam a cidade num caos. Há vias bloqueadas,
manifestações, hotéis abarrotados, táxis
escassos. Max acaba perdendo o rumo. O avião.
Acidentes do cupido vão levando a se aproximar de Karen,
engenheira espacial, também casada, tão sem rumo
quanto ele.
Max
já havia exibido sua propriedade moral ao recusar o convite
de sua assistente para o sexo. Mas as coisas vão acontecendo,
uma caneta que estoura, um convite para um concerto "sold out"
(esgotado) que sobra, e Max e Karen vão se aproximando.
Karen
é Nastassja Kinski. Existem duas mulheres com quem
eu me casaria sem tremeluzir. Uma é minha mãe,
por razões óbvias, afinal, sou normal. Outra é
a Nastassja Kinski. Max também foi enfeitiçado
(não pela minha mãe). E, detalhe, não é
aquela Nastassja de outros carnavais, lascívia, com a
libido escorregando pelas mãos. É Karen, de óculos,
bem comportada, certinha.
Mas
isso é só o começo. Sabe o que chama a
atenção? Não há quase diálogos.
Não há quase motivos. É um filme para se
ver de lupa. O que acaba detonando o (desculpe a palavra) adultério
são os detalhes, os esbarrões, os flocos de imagens,
os lapsos. Nos lapsos está a verdade. Isso é Jung,
não? Sincronismo...
Max
trai porque a mulher o impede de fumar? Karen trai porque o
marido tem um comentário preconceituoso involuntário?
Droga, por que as pessoas traem? Por que acaba um casamento?
Max volta para Los Angeles. Algo mudou nele. Até seu
cachorro percebe. Mas nada mudou. Foi por apenas uma noite,
apenas. Mas claro que mudou.
Um
ano depois, o reencontro casual. A prova: tudo mudou, desde
aquela noite. Virem-se, então. Nada é verbalizado.
Afinal, quantos conflitos são exibidos, diariamente,
graças à arquitetura das palavras? Livros, peças,
novelas. Chega de palavras! Já encheu. Uma coisa nova,
por favor.
Figgis
conta a história por meio dos olhares. Que denunciam
mais do que qualquer escaramuça do caráter. Se
um olhar fala mais do que tantas palavras, para que ficar escrevendo
diálogos? Isso é cinema. E quem joga com isso
acerta ou erra. Figgis acertou. Não perca! E atente aos
olhares.
Texto
publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.
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