Por
encanto
de
Marcelo Silva Costa
Uma palavra sobrevoa a paisagem nublada da
minha alma. Tento entender a chuva. Molha. Tento pegar o amor.
Escapa. Tento aceitar que
o telefone não toca. Espero um segundo. Respiro o vinho.
Deixo cair uma lágrima.
Frank Sinatra canta. Uma
palavra rasga o meu peito. O amor escorre. Lento.
Uma saudade sem jeito nina
o meu coração que teima em não querer
dormir assim. Molho o sonho com vinho.
Mancho a camisa. A poesia
não escrita. A pele branca. Fico sorrindo. E a inocência
me acena de uma velha fotografia.
Era tão simples.
Tento entender onde foi que eu errei. Eu não sei. Se
alguém souber como começar de novo, me ensina.
A loucura não me
abandona. Uma cena. Sina. A poesia não rima. As pessoas
não me conhecem. A faca não corta.
O coração
não esquece. Esqueci o que quero da vida. Queria saber
o que a vida quer de mim. Espero uma estrela cair. Respiro.
Falta alguma peça nesse quebra-cabeças que são
os meus sonhos. Nunca chego ao fim. Tento resistir.
Olho a temperatura. 12 graus.
Garoa na esquina da Consolação com a Paulista.
Chove forte e venta na ilha
perdida em que deixaram meu amor. Eu só queria proteção.
E alguns brownies.
E alguns beijos. Eu já
falei do seu sorriso? Apaixonei-me por ele a primeira vista.
Tento entender essa mentira.
É tão bonita.
Verdadeira. Espero essa música acabar. I dream of you.
Penso em outra.
Penso em quando encontrarei
sua boca. De novo. Sonho.
Falta uma peça, um
mapa, uma palavra, um caminho, um riff de guitarra, um beijo
na nuca.
Se alguém souber
os números da loteria, me avisa. Se alguém quiser
explicar "Into My Arms" para mim, essa é a hora.
Me perdoa. A vida é
doce. Mancho o orgulho. Tenho medo.
Oscar Wilde sorri por eu
estar ouvindo Nick Cave às cinco horas da tarde de
uma terça-feira fria.
O que ele estaria fazendo,
na cadeia? O que ela está fazendo, em meu coração?
Meu amor ainda se veste de dúvidas. Teme em deixar
que os sorrisos mais lindos escorram pelos dedos. Fecho as
mãos. Seguro os aneis. Guardo um brinco. Mesmo assim,
escapa. Espero o samba acabar. Acabou. O silêncio grita
o teu nome, baixinho.
A esperança de que
tudo seja eterno me consome, aos poucos. Sonho. Refaço.
Caminho para um abrigo imaginário.
O dia passa e não
estamos de mãos dadas. Quero uma casa. Quero seu colo.
Querer não adianta nada.
Uma palavra sobrevoa a paisagem
nublada da minha alma. Eu tento escapar pela porta dos fundos.
Tropeço na escada
e caio em seus braços, indeciso. Se não era
para ser perfeito, por que acontecer?
Por que vislumbres de felicidade?
Promessas de dias bonitos? Sonhos pela metade?
Quero me esconder na gaveta
da escrivaninha. A última. Olho a temperatura. Frio.
Rio. Estou inteiro vazio.
Deixo-me levar pelo raciocínio.
Não tenho perguntas. Nem respostas. Devo estar indo
em direção a um abismo.
Parece piada. Eu queria
chorar, mais. Queria ser menos sincero. Devia esquecer o tempo,
as estações. Os beijos.
Beijos. Espero um segundo.
Molho o sonho com vinho tinto. Ando na chuva de domingo.
Deixo-me ser levado pelo
vento. Tento entender o amor. Vou esquecer, mas não
queria.
Queria saber por que sempre
termina?
Queria saber por que sempre
começo? Uma palavra sobrevoa a paisagem nublada da
minha alma. Insisto.
E desisto, apenas por enquanto.
Por enquanto.
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