William
Blake
Conheci
William Blake aos 14 anos, tomado por uma paixão avassaladora
por The Doors e, claro, Jim Morrison. A paixão pelo grupo
foi tanta que sai a procura de mais coisas relacionadas. Nisso,
cheguei a Aldous Huxley e William Blake, ambos citados como fonte
de inspiração para o nome The Doors.
De Huxley, o nome foi tirado do livro The Doors of Perception
(As Portas da Percepção - Editora Globo),
livro que conta as experiências do escritor com mescalina.
A edição nacional deste livro, bastante interessante,
traz o ensaio O Céu e o Inferno. Pessoalmente
prefiro os futuristas O Macaco e a Essência, A
Ilha e, zuzu bem, Admirável Mundo Novo. De
Blake a citação veio de um verso:
"If the doors
of perception were cleansed, everything would appear to man
as it is, infinite"
(Se as portas da percepção estivessem livres,
tudo se mostraria ao homem como é, infinito).
O trecho citado foi retirado da obra O Casamento do Céu
e do Inferno, escrito em 1793. E é nesta obra que
está o mais famoso texto de Blake: Proverbs of Hell. Com
uma visão mordaz, crítica e, sobretudo, profética,
Blake enfilera ataques contra as principais instituições,
dentre a maior, a igreja.
As Mercenárias chegaram a musicar aproximadamente 80%
dos versos dos Provérbios do Inferno em sua estréia
na EMI, 1987, ainda inédito em formato digital.
Em 1997, em um trabalho de faculdade, para a matéria
Estética da Cultura de Massa, cujo tema era A
Divina Comédia de Dante Alighieri sob a ótica
dos alunos, escrevi um poema em três partes (claro, "inferno,
purgatório e céu") que foi musicado por Ricardo
Loberto e Cléber Vinicius em formato drum'n'bass/metal
(se isso lá existir). Como introdução usei
o poema O Macaco e a Essência de Huxley e, para
o final, sob toneladas de microfonia, uma declamação
dos provérbios. A apresentação aconteceu
no último dia da Semana da Comunicação
da Universidade de Taubaté, de surpresa, com vários
tochas iluminando o local.
Voltei a declamar os provérbios em um sarau de poesias
na I Mostra Internacional de Cultura Independente de São
Paulo, em 2000. Na ocasião, dividindo uma seqüência
de poemas com a poetisa e amiga Alesandra Aldenora, os provérbios
encerraram a apresentação e renderam uma pequena
historieta (leia
aqui), que foi publicada posteriormente no site Viés.
Aqui,
os Provérbios surgem na integra. A tradução
é de Paulo Vizioli e pode ser encontrada no livro Poesia
e Prosa Selecionadas, uma edição bilíngüe
(Inglês/Português) da editora Nova Alexandria. O
preço varia de R$ 18,00 a R$ 21,00 e contém uma
excelente biografia do autor, analisada pelo Prof. Paulo Vizioli.
No
mais, respire e mergulhe.
Marcelo
Costa
Editor S&Y
Próverbios do Inferno
No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constróem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
O rugir de leões, o uivar dos lobos, o furor do mar tempestuoso e da espada destruidora são fragmentos de eternidade grandes demais para os olhos humanos.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e o melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes;
o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
A cisterna contém; a fonte derrama.
Um só pensamento preenche a imensidão.
Dizei sempre o que pensas, e o homem torpe te evitará.
Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade.
A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.
A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.
Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da educação.
Da água estagnada espera veneno.
Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.
Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco na coragem é forte na esperteza.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa.
Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.
Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma florzinha é o labor de séculos.
A maldição aperta. A benção afrouxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
A Exuberância é a Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
Onde o homem não está a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
É suficiente! ou Basta.
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