Ana Cristina César

Descoberta tardia, porém, descoberta. 

Um post-it amarelo no meio da correspondência RJ/SP (Ballvé/Costa) pergunta: "Posso te mandar um livro que adoro, emprestado, no esquema carta registrada?"

O livro em questão era "A Teus Pés" de Ana Cristina César, da série Cantadas Literárias da Editora Brasiliense

O poema escolhido é o que abre o livro em questão. E mais um ou dois...

Ana Cristina César nasceu no Rio de Janeiro em 1952 e se suicidou no dia 29 de outubro de 1983. 

A Editora Ática relançou toda obra da escritora em edições especiais e luxuosas. "A Teus Pés", lançado originalmente em 1982, surge com 33 páginas a mais que a edição anterior da Brasiliense, incluindo um extenso material iconográfico, que inclui fotos inéditas, cartas e poesias. 

Dois agradecimentos. A Flávia Ballvé, por tudo, e a Livia Dotto Martucci que pescou o livro que eu namorei em uma viagem a São Carlos, interior de SP, e trouxe para mim, de presente. 

Marcelo Costa
Editor S&Y

"trilha sonora ao fundo: piano no bordel, vozes barganhando 
uma informação difícil. agora silêncio; silêncio eletrônico, 
produzido no sintetizador que antes construiu a ameaça das 
asas batendo freneticamente.
Apuro técnico.
Os canais que só existem no mapa.
O aspecto moral da experiência.
Primeiro ato da imaginação.
Suborno no bordel.
Eu tenho uma idéia.
Eu não tenho a menor idéia.
Uma frase em cada linha. Um golpe de exercício.
Memórias de Copacabana. Santa Clara às 3 da tarde.
Autobiografia. Não, biografia. 
Mulher.
Papai Noel e os marcianos.
Billy the Kid versus Drácula.
Drácula versus Billy the Kid.
Muito sentimental.
Agora pouco sentimental.
Pensa no seu amor de hoje que sempre dura menos que o seu 
amor de ontem.
Gertrude: estas são idéias bem comuns.
Apresenta a jazz-band.
Não, toca blues com ela.
Esta é a minha vida.
Atravessa a ponte.
É sempre um pouco tarde.
Não presta atenção em mim.
Olha aqueles três barcos colados imóveis no meio do grande rio.
Estamos em cima da hora.
Daydream.
Quem caça mais o olho um do outro?
Sou eu que admito vitória.
Ela que mora conosco então nem se fala.
Caça, caça.
E faz passos pesados subindo a escada correndo.
Outra cena da minha vida.
Um amigo velho vive em táxis.
Dentro de um táxi é que ele me diz que quer chorar mas não chora.
Não esqueço mais.
E a última, eu já te contei?
É assim.
Estamos parados.
Você lê sem parar, eu ouço uma canção.
Agora estamos em movimento.
Atravessando a grande ponte olhando o grande rio e os três 
barcos colados imóveis no meio.
Você anda um pouco na frente.
Penso que sou mais nova do que sou.
Bem nova.
Estamos deitados.
Você acorda correndo.
Sonhei outra vez com a mesma coisa.
Estamos pensando.
Na mesma ordem de coisas.
Não, não na mesma ordem de coisas.
É domingo de manhã (não é dia útil às três da tarde).
Quando a memória está útil.
Usa.
Agora é a sua vez.
Do you believe in love...?
Então está.
Não insisto mais."


Um Beijo 
que tivesse um blue. 
Isto é 
imitasse feliz a delicadeza, a sua, 
assim como um tropeço 
que mergulha surdamente 
no reino expresso 
do prazer. 
Espio sem um ai 
as evoluções do teu confronto 
à minha sombra 
desde a escolha 
debruçada no menu; 
um peixe grelhado 
um namorado 
uma água 
sem gás 
de decolagem: 
leitor embevecido 
talvez ensurdecido 
"ao sucesso" 
diria meu censor 
"à escuta" 
diria meu amor



Recuperação da adolescência 

é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço 



Cartilha de Cura

As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios