Abastacendo
o Abandono
de
Marcelo SIlva Costa
O relógio marca a hora do dilúvio
enquanto um pássaro assobia
uma melodia
qualquer...
a insônia ligou a tv
duas mãos sobrevoando uísques
acontecimentos inúteis
preciosismo imperfeito
reiniciação do silêncio...
ela disse: é só dizer,
quero!
e eu achei fácil demais...
...e impossível...
mesmo em um sonho inventado!
o relógio nesta hora está
parado
enquanto um pássaro assobia
uma sinfonia
qualquer... de Beethoven...
amanheceu o instante
descuidou-se a ausência
um pequeno imprevisto
o último avesso
ensaio de tempestade...
ela disse: vou embora,
tudo para mim é viagem de
volta...
fiquei perdido
o momento não conta
nem a distância, o sonambulismo
ou a loucura:
acham a minha irresponsabilidade
encantadora
e eu agradeço a faca
olhando seus olhos no escuro...
é assim que abasteço
o abandono:
olhando seus olhos castanhos no escuro...
e o relógio marca a hora do
dilúvio...
"De noite o silêncio estica
os lírios."
Manoel de Barros
"Livro sobre Nada"