Chega de Rock Gaúcho 
por André Takeda

Eu sou um porto-alegrense nascido à beira do Arroio Dilúvio, por isso acredite em mim: não existe povo mais bairrista do que o gaúcho. Provavelmente não há uma explicação lógica para tanto orgulho regional, mas, como nunca tive medo de parecer óbvio, arrisco aqui algumas teorias. A primeira diz respeito à localização geográfica. Viver no extremo sul do Brasil 
fez com que o gaúcho levasse tão a sério a distância que adquiriu um certo distanciamento intelectual. Ou seja, estar longe é uma boa desculpa para se olhar, única e exclusivamente, para o próprio umbigo. Minha segunda teoria fala sobre a colonização. Já que o Rio Grande do Sul tem muitas semelhanças climáticas com a Europa, o Estado tornou-se o destino predileto de alemães e italianos. Mas, diferente dos imigrantes do País da Bota que chegaram a São Paulo, aqueles que 
escolheram o solo gaúcho eram predominantemente agricultores. E assim, longe do comércio, os europeus investiram suas forças na terra. Se por um lado perdemos em malícia e tino para negócios, por outro lado ganhamos em garra e força. Não é à toa que o gaúcho é conhecido por seu espírito de luta e união. E é aí que está o problema: às vezes união demais 
atrapalha. Finalmente, minha terceira teoria envolve a Revolução Farroupilha. E é muito simples. Veja só, o Rio Grande do Sul idolatra tanto um dos principais movimentos separatistas da história brasileira, mas idolatra tanto que ainda acredita que ele não terminou. Aposto com você que a maioria dos gaúchos adoraria que o Brasil fosse apenas um país vizinho. 
Eles podem até não admitir, mas que desejam tal absurdo, desejam. 

Mas agora a história é outra. Já que é impossível declarar independência, os gaúchos decidiram dominar o Brasil. Pelo menos é isso que os roqueiros do Rio Grande do Sul parecem querer. Aos poucos, eles estão invadindo a mídia, os aparelhos de cds, as conversas dos moderninhos. E o que é pior: trazem consigo o já citado bairrismo e o aval de grande parte da imprensa musical. 

O fato é que não podemos negar. O rock gaúcho é hype novamente. Digo novamente porque, não sei se você lembra, mas no final dos anos 80 o selo Plug lançou uma coletânea chamada “Rock Grande do Sul”, com bandas que, meses depois, lançariam seus próprios álbuns. Duas delas tiveram grande destaque. O DeFalla, com seus dois primeiros discos, criou uma sonoridade a frente de seu tempo. Fez o que muita banda estrangeira só faria anos depois, misturando de forma genial rock, punk, metal, funk e hip-hop. Infelizmente, não vingou. Já o Engenheiros do Hawaii ultrapassou as fronteiras. De longe demais das capitais, logo Humberto Gessinger estaria vendendo milhares de cópias, tocando em grandes festivais e colocando seus trocadilhos na ponta da língua de fãs espalhados em todo o Brasil. E é justamente este o meu medo. Sinto que estamos criando um novo Engenheiros do Hawaii. Afinal, qual é a diferença entre Bidê ou Balde, por exemplo, e os 
autores de hits como “Infinita Highway”? As duas começaram a tocar em lugares pequenos – eu mesmo assisti a diversos shows dos Engenheiros do Hawaii de graça –, escrevem letras engraçadinhas e são extremamente pop. 

A única diferença, e que torna a primeira geração muito mais honesta, é o maldito bairrismo. O rock gaúcho hoje está se levando muito a sério. As bandas, com todos seus méritos, conseguiram projeção nacional, porém não deixaram de lado a mania que o Rio Grande do Sul tem de produzir cultura para consumo interno. Acreditam que estão em Porto Alegre, tocando no circuito Garagem Hermética-Ocidente-Opinião. E a imprensa musical brasileira, cada vez mais parecida com a inglesa ao procurar insistentemente “the next big thing”, está vendendo o rock gaúcho como uma cena, o que definitivamente ela não é. São apenas bandas que dividem os mesmos produtores, algumas influências – alguém aí falou em Weezer? – e uma temática que privilegia o humor. 
 
 
 

Então, chegamos ao x da questão. A crítica aqui não é contra a música das atuais bandas gaúchas. É contra este bairrismo que contaminou até a imprensa do centro do país e o público que lota o Orbital em cada festa memorável do e-zine London Burning. É contra o bairrismo que, mais cedo ou mais tarde, irá trazer talentos como Diego Medina de volta ao Segundo Caderno do jornal Zero Hora. É contra o bairrismo que diz que o rock gaúcho é a salvação. Rock gaúcho não é a salvação. Nem o paulista, nem o mineiro, nem o baiano. Rock para ser bom não precisa dizer de onde vem. Precisa, sim, dizer por que veio. E se todos continuarem a inflar egos, as bandas de Porto Alegre não irão conseguir dizer nada. Irão morrer na praia. Porque até agora elas fizeram um trabalho acima da média, mas estão mais próximos da boa vontade dos Engenheiros do Hawaii em seus dois primeiros álbuns do que do DeFalla. E o DeFalla de Edu K., Biba Meira, Flávio Santos e Castor Daudt provou que não é preciso de imprensa, público, gravadora e muito menos bairrismo para entrar para a história. 

André Takeda, gaúcho, é escritor e editor da revista eletrônica de literatura TXTmagazine.com 

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