KLAATU
BARADA NITKO!
Bebidas
e cigarros fazem mal à cultura
por
Marcel Plasse
Música
não é sabonete. Mas tem sido tratada assim desde
a "profissionalização" do mercado. A ironia de
o último VMB "brincar" com as logomarcas em sua festa
deve ter passada batida até para seus organizadores.
Afinal, é durante o VMB que a MTV mais fatura em cotas
de publicidade. Ainda não vemos o VMB Dove, mas quase
todos os eventos relevantes de música do Brasil são
hoje decididos em reuniões de marketing das grandes empresas
de publicidade.
Temos o prêmio
Visa de música. Costumávamos ter o Sharp. Tínhamos
o Free Jazz, o Hollywood Rock, o Close-Up Planet, o Philips
Monsters of Rock. Ainda teremos o Skol Beats? E o Kaiser Music?
O Bavária Vibe só durou um verão. Que fim
levou o Philips Experience? Smirnoff, Axe, Levis, Carlton e,
sim, Confort, já patrocinaram eventos que passaram pelo
calendário cultural brasileiro.
Já reparou que a maioria
desses eventos acabou? E nada ocupou seus lugares. É
fácil culpar o dólar, imitando os organizadores
do Free Jazz no ano que vem, a culpa seria do Serra. Mas alguns
festivais, como Hollywood Rock e Philips Monsters of Rock, sucumbiram
antes da crise cambial. Negar a existência de uma tendência
é acreditar no que diz FHC sobre o Brasil não
precisar do empréstimo que depois se viu obrigado a tomar
do FMI.
Não
se pode negar as peculiaridades do mercado brasileiro, vinculado
à Argentina e Chile numa ponte aérea em ruínas,
nem as dificuldades para o empresariado local capitalizar projetos
para a vinda de artistas ao País. Mas o patrocínio
foi uma descoberta relativamente recente. O primeiro Rock in
Rio, em 1985, era simplesmente Rock in Rio. Um marco histórico.
O último quase virou AOL Rock in Rio.
De fato, sobrou
apenas o Rock in Rio, talvez por Roberto Medina ser do meio
e ter consciência do que significa atrelar um evento a
uma marca. Olhar para o calendário musical hoje é
lamentar o fim do sabonete, do cigarro e da cervejinha gelada.
Infelizmente,
a prática de nossos empresários culturais é
primeiro fechar com a marca, para só depois dar a formatação
definitiva a seus eventos. Praças de atuação,
tamanho do evento, duração, até o número
de atrações são decididos por diretores
de marketing. O conteúdo artístico tem sido o
último elemento considerado na criação
de um festival de música no Brasil.
Os promotores acabam trabalhando
para cervejarias, destilarias, fábricas de cigarro, desodorante
e sabonete como mão de obra terceirizada de departamentos
comerciais. No afã de convencer investidores a apostar
num projeto cultural, rendem-se à ingerência e
à falta de intimidade dos burocratas com as novidades
musicais ou de qualquer outro ramo artístico.
São
publicitários que determinam que shows vamos ver nos
grandes palcos do País.
E é sabido e notório
que as empresas mudam suas estratégias e campanhas sazonalmente.
Se nem slogans resistem por muito tempo qual era a cerveja
"número 1" e qual tinha pingüins em seu marketing
até recentemente? -, o que dizer do uso de festivais
de música como estratégia de divulgação?
A
associação com música visa aliciar o público
jovem ou forçar uma identificação entre
esse público e uma marca. Mas a parceria nunca se mostrou
duradoura. No primeiro Rock in Rio, houve grande investimento
da cerveja Malt 90 e do refrigerante Montain Dew. Ambos sumiram
das prateleiras antes do segundo Rock in Rio.
Geralmente,
a associação cultural é usada como forma
de alavancar vendas. Um produto líder de segmento raramente
investe nesse tipo de propaganda, pois já está
consolidado. Qual é o evento patrocinado por Brahma ou
Antarctica, por exemplo?
Quando atinge
seu objeto de penetração ou alguma marca de vendas
significativa, os marketeiros costumam considerar desnecessária
a continuação das parcerias com os promotores
dos festivais. Não vêem motivo para reforçar
marca fortalecida.
Em tempos
de crise econômica, como esta que alguns ainda resistem
em assumir que estamos atravessando, a verba cultural
simplesmente some. Sobram chapéus na mão dos promotores,
que passam meses esboçando novos projetos e em reuniões
com departamentos comerciais, tentando a todo custo e, por
que não, até heroicamente viabilizar uns poucos
eventos culturais, sem, enquanto isso, colocar um centavo no
próprio bolso. Começa a haver uma debandada no
setor, com profissionais mudando de ramo.
O impasse
a que chegamos resulta desse sistema assumido pelo mercado cultural.
Sem patrocínio, nada se faz nesse País. Há
até uma revista voltada ao nicho da busca de patrocínios
e uma coluna semanal no velho Estadão. Só que
esse endeusamento do dinheiro multinacional tomou proporções
tão sufocantes que, mesmo com o apoio de grandes patrocinadores,
o futuro dos eventos culturais ou, no caso, o presente também
se tornou inviável.
Decisões
de departamentos comerciais deixaram o Brasil sem uma tradição
de festivais de música. Enquanto no exterior os festivais
acumulam décadas de organização ininterrupta,
ganhando tradição e respeito internacional, os
eventos nacionais surgem ao sabor do interesse comercial das
fábricas de líquidos, sólidos e gasosos.
A tenda se arma hoje para não voltar a ser armada no
ano que vem. E assim ficamos, ano após ano, lendo artigos
sobre os festivais europeus que os jornalistas da Folha de S.
Paulo dizem que perdemos por sermos brasileiros.
Como levar
a sério eventos sem tradição, é
o que os promotores com grande rodagem no mercado deveriam se
perguntar antes de assinar na linha que custa suas almas ou,
ao menos, suas credibilidades profissionais.
Em vez de
construir marcas de sabonete, desodorante ou creme dental, deveriam
trabalhar para construir a marca dos grandes eventos.
Um exemplo
a ser seguido é o do Festival de Cinema de São
Paulo. Somente após estar consagrado internacionalmente
aliou-se a uma marca comercial. Pode, portanto, mudar o patrocinador
a qualquer tempo, sem nunca deixar de ser o Festival de Cinema
de São Paulo.
O mesmo jamais
poderá acontecer com eventos que nascem como Skol Beats,
Free Jazz, etc. São marcas registradas de companhias
que nada tem a ver com cultura e sim com produtos à venda
em supermercados. Quando muito, inspiram ironias ferinas como
"The Who Sell Out".
É difícil,
mas o Abril pro Rock existe para provar que um caminho alternativo
é possível.
Marcel
Plasse é Marcel Plasse, um dos jornalistas que inspiraram
a criação do império S&Y. :) Plasse
escreverá neste espaço bissextualmente, ou conforme
as noites se transformarem em madrugadas e as madrugadas se
transformarem em manhãs.
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