KLAATU
BARADA NITKO!
Rasgaram
o meu voto
por
Marcel Plasse
Que país
é este? O país em que o candidato que lidera a
campanha eleitoral para Presidente, que por acaso é de
oposição, esquerdista e conhecida figura pública,
é investigado por mais de um ano pela Polícia
Federal. Não num passado distante, quando existia SNI
e DOPS, mas durante 2001 e 2002. O país em que o gabinete
de um Prefeito do mesmo partido de esquerda é grampeado
pela PF sem maiores cerimônias. Um país em que
o Ministro da Justiça, o venerável, digníssimo
e letrado Miguel Reale Jr., vem a público dizer que não
há nada de errado nisso. Não pode ser mesmo o
país do ilustre professor, sociólogo e intelectual
Fernando Henrique Cardoso. Afinal, são todos doutos e
bem-intencionados os refinados líderes da nossa Roma.
A repugnância
que esses fatos despertam não tem nada a ver com a apuração
de propinas em Santo André. Pois propinas já foram
apuradas na administração municipal de São
Paulo e Maluf e Celso Pitta continuam por aí. Um deles
quer, inclusive, ser governador. Alhos e bugalhos, diz o virtuoso
José Serra. Mas nunca, desde o primeiro processo por
improbidade administrativa, datado de 1970, ouviu-se falar que
Maluf tenha sido grampeado pela PF. Ah, diz o porta-voz da PF,
foi o PT que pediu para ser grampeado. Foi? O prefeito de Santo
André disse que queria uma escuta em seu gabinete e no
de seus secretários? Ah, diz o porta-voz da PF, é
para apurar o assassinato de Celso Daniel. Pois eis uma sugestão
para a PF apurar o assassinato recente do caseiro de Fernando
Henrique Cardoso: grampear o Presidente!
É normal
investigar e/ou grampear líderes políticos de
esquerda numa democracia, diz o Ministro da Justiça,
que é entendedor da matéria, visto a quantidade
de livros que publicou antes de virar o que virou. Basta que
haja um pedido formal de uma testemunha, explica o porta-voz
da PF. Um fulano mentiroso, que se disse ex-Prefeito de São
Bernardo do Campo, registrou o tal pedido para grampear Lula.
Juntou uma foto de uma residência qualquer na cidade e
disse que ela teria sido obtida com o implicamento de Lula no
narcotráfico. Pois agora está lançada a
moda: basta incluir uma foto, fazer uma denúncia e dizer
que Miguel Reale Jr. está envolvido no narcotráfico.
Depois, a gente desmente. Mas o importante é investigar
o Ministro por um ano e meio. Se pegar algo, é peixe.
Não é o que os promotores do Ministério
Público estão dizendo com relação
às gravações obtidas de forma ilegal no
caso da corrupção em Santo André?
Um país
que dá nojo é um país sem imprensa livre.
Nos manualzinhos que os grandes jornais brasileiros fazem seus
empregados decorarem estão algumas regras que as Faculdades
de Jornalismo também ensinam. Falam, entre outras coisas,
em isenção, ouvir as duas partes, imparcialidade,
defesa da verdade, etc. Qualquer jornalista que se preze sabe
que é tudo falácia, empulhação.
Até a diagramação de um jornal é
politizada. Ou alguém realmente acha que é imparcial
abrir uma página com manchete acusativa em letras garrafais
e, depois, vislumbrar o outro lado em espaço menor, sem
foto, abaixo da paulada? Quem acha, com toda a sinceridade,
que existe imprensa isenta? Os hipócritas não
podem se manifestar, por favor. E os que acreditam em duendes,
devem achar também um bom negócio a ponte entre
Rio e Niterói que tenho para lhes vender.
A Globo a
gente já conhece. Deu destaque à acusação
de corrupção na "Prefeitura do PT". Mas aí
o advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalg chamou, em coletiva,
a imprensa à responsabilidade, apresentando documentos
que comprovavam escuta da PF na prefeitura de Santo André
- um mês antes negada pelo Ministro da Justiça
de forma categórica. O detalhe é que a cobertura
global da coletiva aconteceu sem chamada no Jornal Nacional
– nem na abertura nem no bloco que antecedeu a apresentação
da matéria. A desculpa, bem subentendida, foi a Copa
do Mundo. A notícia até apareceu, espremida entre
informações gerais, com edição manjada
a dar ao Ministro da Justiça a última palavra
– nada de questionamentos ao Ministro, apenas o discurso oficial
para deixar claro que as escutas são algo normal na administração
do País. Dias depois, novamente sem chamada nenhuma,
a Globo minimiza a investigação a Lula com palavra
final da PF – nada teria sido investigado. E Papai Noel existe.
Boris Casoy,
na Record, deu maior espaço ao tema. Embora sua habitual
indignação populista - contra coisas que qualquer
um se indignaria - tenha desta vez sido tímida. Talvez
porque o jornalista goste de vestir a camiseta da seleção
de FHC, a quem só falta comparar com Salomão.
Sempre que convida a câmera a chegar mais próximo,
ele parece rir da cara do telespectador como outro intelectual
do PSDB na mídia, o ex-cineasta Arnaldo Jabor. Ambos
acreditam que FHC é como a mulher de César, puríssimo.
Se algo de errado acontece, FHC não deve saber, falam
sempre. Quem é mais ignorante, o que aceita a ignorância
de um líder e considera isso uma virtude ou o que, por
ignorância própria, não consegue ver a esperteza
do mesmo líder?
Devaneios, enfim, não
levam a nada. Então, espera-se a repercussão na
imprensa, ainda em busca da suposta imparcialidade e repercussão
de fato inédito na história da República.
No Estadão? Nada na primeira página em nenhum
dia após a revelação feita por Greenhalg
e da confirmação da PF e do Ministério
da Justiça. Nenhuma chamadinha sequer. Ao contrário,
títulos que implicam o PT o tempo inteiro: "Pedido bloqueio
de bens de secretário petista", "Para Brindeiro, 'há
fortes indícios' contra José Dirceu", etc.
Tudo bem,
vamos à Folha, que seus leitores consideram pender para
o PSDB – foi assumido pelo ombudsman –, embora seus articulistas
jurem ser isentos. De fato, há Jânio de Freitas,
Clóvis Rossi e Eliane Cantanhêde protestando em
colunas de nomes sugestivos: "Terrorismo face 2", "Às
favas as intituições" e "À margem da lei".
Mas falta a dimensão do que realmente houve.
Está
lá, num dos menores títulos e na parte mais inferior
da capa de 27 de junho: "PF realizou investigação
sobre Lula até ontem". Foi mais importante para os editores,
e imagino que para FHC também, a "fraude" que derrubou
"o mercado global". Reflexos do neoliberalismo dando tchau para
a fase ingênua da globalização. Importante,
sem dúvida, mas... você acha que o Washington Post
daria a fraude da WorldCom como manchete principal tendo nas
mãos o caso Watergate?
O que houve no Brasil à
margem da lei foi pior que o escândalo político
que derrubou Nixon. No famoso caso, espiões do partido
do Presidente americano foram flagrados no escritório
da campanha eleitoral do partido rival, fazendo menos do que
a PF fez até agora contra o PT. O F, da PF, para quem
esquece, quer dizer federal. Federal, ensinam na escola primária,
tem a ver com o estado, o país, o executivo máximo,
que é Fernando Henrique Cardoso. Qualquer criança
sabe disso. Senão, repete de ano.
Quantas pessoas
mais não foram ou estão grampeadas neste momento
no Brasil? Vivemos uma ditadura para isso continuar acontecendo?
A lição que se deve tirar desse episódio
é que não basta votar para que se estabeleça
em terras devastadas a lisura e a honestidade que se espera
de um regime democrático. Os interesses políticos
e econômicos são quem realmente mandam na democracia
brasileira – e na de muitos países, oras, já escreviam
pessoas mais inteligentes no século 19.
Recordar é
viver. Por que as bolas levantadas sobre dossiê Caiman,
compra de votos de reeleição, EJ, escândalos
de privatização, etc., não tiveram acompanhamento
de equipes de jornalistas especialmente montadas para desvendar
todos os bastidores dessas verdadeiras manchas na nossa história
recente? Por que também a imprensa não dá
a devida importância ao fato de que um candidato a Presidente,
um prefeito e a cúpula de um partido tenham sido grampeados
pela PF? E quem vai acreditar numa imprensa tão omissa
assim?
Imagine se
isso tivesse acontecido nos EUA? Já tinha gente na rua,
para dizer o mínimo. Sem falar nas CPIs e manifestações
do Judiciário, até o momento estranhamente quietos.
Onde está o Congresso nesse momento? E o STF? Por que
tanto silêncio sobre a violação das liberdades
institucionais? Não tem jornalista querendo saber a opinião
dessas instituições? Será possível?
A revolta explode como
rajadas de fuzis contra prédios oficiais. FHC pega a
bala, sem acreditar, e se diz indignado. Vai colocar a PF para
trabalhar no Rio. O narcotráfico, segundo ele, já
ultrapassou os limites. Já ouvimos isso antes. Umas três
vezes. FHC faz cara de ultrajado e diz que todos os limites
já foram ultrapassados. Os limites foram, realmente,
senhor Presidente. E como!
O incrível é
que a PF, depois de passar mais de um ano gravando Lula, integrantes
da cúpula do PT e da administração de Santo
André, não tenha ainda acabado com o narcotráfico
no País. Afinal, foi para isso que obteve autorização
judicial para implantar escutas, não foi? E que aparato
usou para tanto? Quantos delegados? Já apareceram cinco.
Delegados dedicados à apuração do narcotráfico.
Enquanto isso, o Rio de Janeiro continua lindo...
Não
se sabe se a cara de pau é maior do Presidente, do Ministro
da Justiça, da PF ou da imprensa que não junta
os fatos nem protesta como uma imprensa livre e democrática
deveria fazer.
Os fatos, que só
vieram a público por meio de uma denúncia do advogado
do PT, fazem supor que há, sim, muitas conspirações
acontecendo nos bastidores do poder. E assim se percebe que
falta uma imprensa investigativa, que busque desvendar de fato
essas conspirações. O rei está nu. Os reis
da mídia demonstram descaso com a democracia. E nisso
revelam a morte do jornalismo investigativo, o único
que realmente importa. Nos EUA, há o pessoal da desinfo.com
e do alternewswire, que tem no editor Russ Kick uma espécie
de vigilante da mídia. Falta isso por aqui. Falta a imprensa
cumprir seu papel – uma dica: está nos manualzinhos de
redação.
Com a notória
impunidade brasileira e instituições que se consideram
acima da lei, ficou claro que vivemos em qualquer coisa menos
numa democracia legítima. Os fãs de FHC adoram
dizer que ele não é Collor. Verdade. Fernando
Collor foi decente em deixar o processo democrático seguir
seu caminho – e isto lhe custou o cargo. Já FHC foi reeleito.
Sabe-se que deputados foram afastados por aceitar propina para
votar a favor da reeleição. Poder-se-ia saber
muito mais, caso vivêssemos num país sério
de imprensa isenta. Sem saber, vivemos todos no Big Brother
Brasil. "Eles" estão ouvindo – lendo? – tudo o que dizemos
e editando o que podemos saber.
E de repente
se percebe, na desculpa esfarrapada para tamanho barbarismo
contra os direitos individuais, qual o nome do país que
é este. É só comparar o que a PF fez-faz
com o que a CIA sugere fazer Trata-se da mesma nefasta doutrina
das eras Reagan-Bush, o pai: quando a guerra contras as drogas
justificava atropelar democracias terceiro-mundistas.
Que país é este
mesmo? Como Ronald Reagan um dia já disse, é a
Bolívia.
Marcel
Plasse é Marcel Plasse, um dos jornalistas que inspiraram
a criação do império S&Y. :) Plasse
escreverá neste espaço bissextualmente, ou conforme
as noites se transformarem em madrugadas e as madrugadas se
transformarem em manhãs.
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