CALMANTES COM CHAMPAGNE
Teoria da Conspiração

por Marcelo Costa
27/01/2003

Um dos fatores mais bacanas no rock é sua mutabilidade. Com o corpo já velhinho (afinal, já se vão 50 anos desde Elvis), o estilo continua vigoroso, embora já não estampe a virulência/contundência/aura mítica de outrora. Claro, já faz tempo que não existem tantas novidades nessa bolota azul e seria exigir demais de um estilo musical ser o portador das boas novas. Exigir demais? Talvez sim, talvez não. 

O fato principal é que vivemos um período especial, às vésperas de uma nova revolução que pode nos atingir em cheio no peito nos próximos dias rendendo centenas de livros daqui a cem anos como também pode ser apenas uma centelha inócua que renderá um mero rodapé no livro de algum escritor da história ocidental no próximo século. O que o rock tem a ver com isso? Tudo. E nada. Depende de onde você olha. E como.

Já há alguns anos que a indústria de ídolos massacrou a música pop com a megaexposição e o ganhar fortunas a qualquer custo. A vítima, por fim, acabou sendo a própria indústria, que amarga uma de suas piores fases, lembrando ainda, como aliada nessa derrocada, a popularização do MP3. 

O rock que, em suma, não teria de se preocupar com isso, e sim, apenas com o fato de ser rock e se lixar para as vendas, amarga um revival, muito semelhante à autocópia. Para que criar se quase tudo foi criado e, melhor, deu certo anteriormente?

OS GÊNIOS

De tudo que circula aqui e ali nesse enorme amontoado de terra e água vagando na via-láctea, quatro bandas merecem a caracterização de "geniais", das que estão em atividade. Usando o passado como trampolim para o futuro, Radiohead, Flaming Lips, Mercury Rev e Wilco são o que de melhor o rock anda produzindo em um período de franca decadência artística. 

Brincadeira marota da história, Inglaterra e Estados Unidos passaram tanto tempo alternando revoluções (do hippie ao punk, do grunge ao britpop) que a ressaca era inevitável. Resultado: qualquer coisa agora tem sentido de dejà-vu. O que outrora era genial hoje é apenas legal. O tempo, inevitável, cobra seu quinhão. 

A popularização do controle remoto, a vida atropelada das grandes megalópoles, bites e bytes, tudo aqui/agora, fazem a música pop perder um de seus maiores atrativos: a sedução na segunda audição. Com isso, é mais fácil ouvir o já ouvido do que se "adequar" ao novo. A história pára e ficamos todos sentados enquanto a Terra gira. Tempo perdido.

Radiohead, Flaming Lips, Mercury Rev e Wilco fazem "pop excêntrico". Canções que soam estranhas a primeira audição, mas conquistam, com seu emaranhado de detalhes, depois. Apesar da benção da crítica e do relativo sucesso, essas quatro bandas não são as portadoras dos estandartes dos novos tempos. 

Flaming Lips e Mercury Rev são bandas quase irmãs. Trafegam o mesmo território melodioso, embora a temática de um seja levemente diferente da do outro. Soam como a ampliação/continuação do mundo sugerido por Brian Wilson em Pet Sounds, no longínquo 1966, claro, ambientadas no século XXI. 

O Wilco de Jeff Tweedy, principalmente nos dois últimos álbuns (Summerteeth de 1999 e Yankee Hotel Foxtrot de 2002), surge como terceiro membro dessa "nova psicodelia", utilizando, por razões de gosto, o country ortodoxo, passado pela centrifuga psicodélica, para veicular suas imagens do novo mundo. Não à toa, Tweedy, em entrevistas, diz que sua banda só encontra paralelos na dupla Lips/Rev.

Já o Radiohead é ser único. Responsável pelo ponto mais alto que a música pop chegou nos últimos anos (o já clássico Ok Computer de 1997), o Radiohead abriu mão da continuação e decidiu brincar com a indústria em seus dois álbuns posteriores, tramando assim, inteligentemente, uma fuga da missão de novo messias (também abandonada pelo Pearl Jam, anos antes, com álbuns nada comerciais após o estouro da dobradinha Ten/Versus)

Fazendo música primeiro para si mesmo, as quatro bandas citadas deixaram o filão sem ídolos (o que é natural e admirável, se pensarmos na proposta do punk rock 77) e, assim, sem movimentos. Estático, o rock parece morrer, novamente, sob o olhar babão de jovens que não têm nada a dizer. 

A NOVA GERAÇÃO

Após o grunge norte-americano ter manchado o teto de um quarto com os miolos de Kurt Cobain, após o Pearl Jam se recusar a liderar o movimento, após a Inglaterra ter recebido de braços abertos o britpop (que, afinal, só aconteceu lá mesmo), após a onda de alt-country quase na virada da década de um lado, refletida nas águas do Atlântico do outro como new acoustic moviment, o rock vira o século tentando voltar as raízes. 

O grande problema é que o que chamam de revisionismo soa como picaretagem das maiores. É muito mais fácil tentar tocar como Lou Reed e cantar como Ian Curtis do que buscar a sonhada personalidade própria. É mais fácil recriar o som punk 77 do que criar o som rock 2002. A juventude sônica carente de história ("BRMC soa como Jesus & Mary Chain e McLusky soa como Pixies, mas quem são Jesus & Mary Chain e Pixies?") engole o engodo, mas não consegue expandir horizontes. Vivemos tempos de pequenos núcleos. Revolução mundial nunca mais. 

O contraditório é que vivemos, também, tempos de internet. Que no momento em que você lê este texto, alguém está invadindo o computador alheio em busca de um MP3 enquanto outro está ouvindo o novo disco de Nick Cave, que só será lançado no próximo mês. Nunca a tal aldeia global foi tão aldeia. O mundo ao alcance do seu mouse em um mundo sem gatos, cachorros e dinossauros. Tudo fica tão mais fácil que o tédio impera. 

Assim, por mais que soem vigorosos, honestos, inventivos, seminais, bandinhas como Strokes, Libertines, Walkmen, Yeah Yeah Yeahs, The Music, The Coral, The Streets, são boas, mas nem tanto. De Nova York a Londres, nada de novo no front. As mesmas caras, as mesmas roupas, os mesmos batons, os mesmos riffs, as mesmas histórias. Sim, você já viu isso antes. E melhor. Quem dera fosse nostalgia, quem dera. Coletâneas do Rolling Stones (40 anos se passaram, você estava vivo?), Jesus & Mary Chain (o que você estava fazendo em 1986?), Nirvana (dez anos se passaram, já?) e Manic Street Preachers (você conhece Richey James?) estão brilhando nas prateleiras. Quem me traz boas novas?

A DESCENTRALIZAÇÃO

Mais do que qualquer outro momento na história, essa é a hora do primeiro mundo se curvar ao terceiro. Do ocidente se curvar ao oriente. Dos países que não falam língua inglesa imporem seus valores. Não em guerra, mas em admiração. Já que o dejà-vu impera na rota EUA/GRÃ BRETANHA, por que não pinçar a nova novidade fora do eixo anglo-saxão? 

A aposta começou no cinema. Com os mexicanos Amores Brutos e E Sua Mãe Também, os argentinos Nove Rainhas e O Filho da Noiva, os brasileiros O Invasor e Cidade de Deus e os espanhóis Lúcia e o Sexo e Fale Com Ela. Característica principal: todos são falados em sua língua nativa. E todos ganharam destaques nas principais publicações ao redor do mundo, alcançando uma boa exibição nos cinemas (longe, ainda, do padrão dos blockbusters hollywodianos, mas, um passo de cada vez). 

Agora é a vez da música. Do México, de Portugal, do Japão, da Argentina, do Brasil, o novo rock tem sotaque todo particular, empolgação e, principal, vitalidade. Mutabilidade. Agora, o estilo incorpora o som de cada região. A música - como veículo de idéias, modas e costumes - a serviço da globalização, convenhamos, muito melhor que governos. O rock reinventando-se para o novo século. Está tudo pronto para a invasão. O tédio norte-americano. O cansaço de se ver e fazer e ouvir as mesmas coisas. A sedução (olha ela aí) de uma nova língua, de um novo som, world music o catzo, isso tudo é rock and roll.

Os primeiros sinais surgem com o francês Manu Chao no discoteca básica Clandestino, cantado em espanhol e sucesso no mundo todo, Brasil incluso. Dentro dos EUA temos os Los Lobos, combo de Los Angeles que mistura rock, country, folk e blues com ritmos latinos de tradição espanhola e mexicana. Outro nome já lançado no Brasil, porém não com tanta exposição/sucesso que os dois citados acima, é El Vez, o autodenominado Elvis mexicano. Radicado em Los Angeles, El Vez mistura o Rei com David Bowie e Iggy Pop, tudo cantado em castelhano. Pure Aztec Gold teve edição caprichada pela gravadora indie inglesa Poptones e chegou ao Brasil. O resultado é arrebatador. 

Do Japão, a onda é ocidentalizar. Do bairro de Shibuya para o mundo, o pop japonês destacou-se com o duo Pizzicato Five. Sonzinho retrô-chique e bublegum, têm com dica a coletânea Made In USA, lançada em 1994 e The Fiftheen Release de 2000, ambos com edição nacional. Enquanto a banda descansa, outros nomes do pop japonês seguem em frente: Cornelius (do excelente Fantasma de 1997 e do recente Point de 2002), Cibo Matto (Stereo Type A 2000) e Fantastic Plastic Machine (Beautiful 2001), a destacar. 

O México é outro território conspiratório. O grande destaque cai sobre o Café Tacuba, banda que já andou faturando Grammy Latino e já goza de certa notoriedade nos dois lados do Atlântico. No momento, em descanso (os membros oficiais preparam projetos paralelos), os destaques do grupo são os álbuns Re de 1994 e Avalanche de Exitos de 1996, este último lançado por aqui. O Titan é outra banda a se destacar com o elogiado Elevator de 1999. Ainda pode ser citado o Plastilina Mosh com o álbum Juan Manuel de 2000. 

Na Argentina, os Beatles se chamam Soda Stereo. A banda, que encerrou as atividades em 1995, retornou em 2002 para um tour que rendeu o álbum Ruido Blanco In Vivo. Outro grande nome do rock argentino é o Los Fabullosos Cadilacs. O álbum La Marcha Del Golazo Solitário (1999) é item obrigatório em se tratando de rock cantado em espanhol. O último álbum de estúdio, El Satanico Dr. Cadilac (2000) também merece menção, assim com o lançamento mais recente, o show En Vivo En Buenos Aires, de 2001. Da novíssima geração temos os Babasónicos, anote: Miami de 2000 e Jessico de 2002. 

No Brasil a lista é grande (também, olha o tamanho do país). Depois do acerto em Bloco do Eu Sozinho, o terceiro álbum dos Los Hermanos, a chegar às lojas (provavelmente) em março/abril, é item a se destacar. Uma canção inédita apresentada no Festival Upload em SP, dez 2002, apresentava como tema um sambinha. Los Hermanos promete sacudir o cenário. O Brasil também é terra de maracatus com peso de uma tonelada (vide Nação Zumbi, o álbum recém-lançado pela Trama). E ainda temos Stela Campos (Fim de Semana 2002), Wado (Cinema Auditivo 2002) e o Mundo Livre S/A de Fred 04, ainda em descanso, com álbum semipronto, apenas acertando com gravadoras. 

A lista é enorme, a coluna está enorme, e o assunto não se esgota. Ainda poderiam ser citados os islandeses do Sigur Rós, os galeses do Super Furry Animals, os portugueses do Clã e do Coldfinger e os peruanos da Libido. Em texto para o No Minimo (http://nominimo.ibest.com.br/), o jornalista Arthur Dapieve lembrava do rock da Espanha de bandas como Jarabe de Palo e Migala. E tudo isso só vem comprovar que o momento é agora e esta é a hora dos guerrilheiros tomarem o palácio. Não com armas, mas com instrumentos. Isso se chama revolução cultural. 

Em um tempo distante, o rock teve muita ligação com esta "causa". 

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Ps. Bárbara Lopes, uma das editoras do site B*Scene, conta mais sobre o pop japonês no texto "O colorido caleidoscópio de Shibuya". Alias, Bárbara aconselhou-me sobre pop argentino também. Babasónicos é coisa dela. 

Ps1. A outra editora, Katia Abreu, cujo tema de conclusão de curso de jornalismo foi um livro sobre o rock português, prepara novidades da terra de Roberto Leal para as próximas edições do mesmo B*Scene. Anote: http://www.gardenal.org/bscene/

Ps2. Outro texto a ver com toda essa discussão neste mesmo site é o olhar de Alex Antunes sobre a MPB. Confira aqui.

Ps3. O amigo Alexandre Matias comenta com muita propriedade o álbum "Elevator" da banda mexicana Titan. O cara aproveita e ainda dá uma peneirada na história do rock no México.

Ps4. Faz calor pra burro em SP. São quase 18hs e daqui a pouco o mundo cai em forma de chuva. É todo dia a mesma novela. Mexicana?

Ps5. Capa da Folhateen online, no momento em que finalizo esses post scripts: "O Brasil redescobre o Brasil - Banda paulista atualiza o pop sessentista e a jovem guarda". As frases são sobre o Monokini, grupo bacana de São Paulo que acaba de lançar Mondo Topless por aqui e deve ganhar distribuição nos EUA ainda neste primeiro semestre. Teoria da Conspiração? Mesmo?

Ps6. Falam sério quando dizem que Strokes é o último sopro de criatividade no rock? Putz, eutánasia já!

Ps7. Propostas de emprego, cartas de amor, garrafas de uisque e comentários para maccosta@hotmail.com


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#1 - Entrevista
#2 - O Futuro da Internet
#3 - Álvaro Pereira Júnior
#4 - Coldplay, Travis, Starsailor
#5 - Um cd e sete ps
#6 - Ano novo, vida nova. Exato?