CALMANTES COM CHAMPAGNE
Ano novo, vida nova. Exato?

por Marcelo Costa
27/12/2002

Mais ou menos. Antigamente eu pensava, e muito, em uma frase do 'meu amigo' Humberto Gessinger, em que ele dizia que o 31 de dezembro é sempre igual ao primeiro de janeiro. Mas não é sempre ('nunca é sempre', tenta corrigir HG). Tem a ressaca. Tem a obrigação de que temos que voltar ao trabalho e que o feriadão se foi. E, principalmente, tem a sensação feladaputa de que alguém nos passou a perna e cá estamos nós (de novo) na roda cíclica da vida, vivendo o primeiro dia que, a maioria dos que lêem está coluna já viram mais de vinte vezes (ok, vocês lembram só de umas dez, mas ai já é outra história). 

E lá vamos nós de novo, certo? Certo. Mas aceitar não basta. Deveria, mas não basta. Entender sim deveria ser a maluquice que nos guia. Assim, por que ir de novo em um caminho que a gente tão bem conhece e que não reserva lá muitas novidades? 

A resposta eu não tenho, mas, 1, 2, 3, 4: acredito que seja pela chance de tudo mudar. 

Ansiamos mudanças. Planejamos, sonhamos, calculamos e na maioria das vezes esperamos melhoras em nossa vida particular que nos façam mudar (claro, para melhor), mesmo que muitos de nós tenhamos pavor de mudanças. Antagonismo chave para entender que, sim, a maioria de nós não se entende. (risos)

O fato é que esse movimento cíclico do tempo é, como bem definiu Carlos Drummond de Andrade, genial: 

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente." Drummond

O fato principal é que o peso que doze meses acarreta sobre os nossos pobres ombros de pessoas comuns, envolvidas em dramas e alegrias comuns, nós faz abstrair e muitas vezes abrir mão da principal carga emotiva que um fim de ano nos brinda: a experiência. 

Sim, porque a experiência é, sem dúvida, nosso maior bem. É olhando, pensando, analisando como passamos 365 dias vivendo nossas vidas que podemos ver até que ponto satisfazemos nossos próprios anseios. É claro que isso está ligado a outro departamento pessoal, o dos planos, e aqui é que podemos ver o quanto crescemos no ano que passou. E entendermos a rotina de caos que nos guia, gerada quase sempre a mercê de acasos nos caminhos que pretendíamos seguir, mas, em determinado momento, pareceu ser um bom atalho. 

Assim, analisando e, sobretudo, assumindo erros e acertos (que podem e devem freqüentar a sessão "vivendo e não aprendendo") podemos pensar que, ano novo, vida nova. 

É claro que tudo isso é assunto discutível. Eu ajo assim, você não é obrigado a fazer o mesmo. Tem gente que prefere desculpas cósmicas e justificações astrológicas. Tem gente que prefere nem pensar no assunto (felizes aqueles que conseguem). Tem gente que nem gosta de ano novo, acha tudo isso idiotice e deverá ler essa coluna palitando os dentes, com o pouco caso reservado aos momentos mais chatos do dia. 

Mas eu não posso, por dever próprio, fugir do clichê e vir a público agradecer pelo ano sensacional que eu tive. Eu não sou Kurt Cobain, acho feminino demais essa coisa de diários, mas, se daqui a 68 anos eu ainda estiver vivo e não me lembrar mais como foi 2002, sei que será cool alguém aparecer com uma folha de papel dizendo: "o seu 2002 foi sensacional, você escreveu aqui". 

Ano novo, vida nova, então. 

E tudo de bom para todos nós. A felicidade mora ali do lado, não tenha medo, viver é foda, mas vale (e muito) a pena. Afinal, esperança é a última que morre...

Ps. Woody Allen em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
"Duas senhoras param em uma lanchonete e pedem dois salgadinhos. A primeira morde e acha o salgadinho horrível, no que comenta com a segunda:

- Que salgadinho horrível. 

E a outra, responde:

- Realmente, olha como ele é pequeno....

É (continua Allen) assim que eu entendo a vida. Viver é complicado, a gente sofre, se magoa, passa tragédias, muitas tristezas, mas o ruim é que a vida passa rápido demais..."

Ps1 – Alias, não existe nem noivo neurótico nem noiva nervosa nesse filme do Allen. 

Ps2 – O trecho do primeiro ps. foi resgatado na memória, ou seja, não deve condizer com o original. Mas a idéia é aquela mesma. 

Ps3. – Eu acho "post script" tão legais.

Ps4. Stuart "O primeiro amor é o único amor" – Oliver "O máximo possível de amor é o único amor" – Gillian "O amor verdadeiro é o único amor". A trinca de opiniões acima faz parte do livro Amor, etc, de Julian Barnes, leitura cool que tem me acompanhado para cima e para baixo nessa capital maravilhosa do caos, São Paulo S/A. 

Ps5. Trilha sonora desta coluna – Neil Young & Crazy Horse, Everbody Knows This Is Nowhere. Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa, mas eu digo outro dia. 

Ps6. Eu detesto calendários. Alias, detesto relógios. Mas celulares eu acho legal.

Ps7. Antes tarde do que nunca: Woody Allen é gênio e Annie Hall é, provavelmente, a melhor comédia romântica de todos os tempos. Procure e, seja feliz. 

Marcelo Costa - maccosta@hotmail.com


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#1 - Entrevista
#2 - O Futuro da Internet
#3 - Álvaro Pereira Júnior
#4 - Coldplay, Travis, Starsailor
#5 - Um cd e sete ps