A
MADAME AQUI
Dois
filmes, uma coluna
por
Flávia Ballve Boudou
Fale com ela
Fui assistir
com meu marido, 5a feira passada, à pré-estréia
do novo filme do Almodóvar, « Hable con ella ».
Ao sairmos do filme, estávamos tão embasbacados,
tão repletos de beleza, que conversamos sobre o filme
durante toda a noite. Meu marido teve reflexões interessantíssimas
mas, como ele é francês, permito-me uma tradução
bem livre das suas idéias, para dividi-las com vocês.
A história
do filme, se não é comum, é simples de
explicar. Apesar do filme se chamar “Fale com ela”, as personagens
femininas estão mudas e imóveis a maior parte
do filme – estão em coma. O filme mostra a relação
de dois homens com essas duas mulheres. Um dos homens é
enfermeiro e ama platonicamente a jovem bailarina em coma, de
quem ele cuida com adoração. A relação
dos dois, que ele acredita realmente existir, é bela
e tranqüila, como um casamento feliz de longa data. O outro
homem é um jornalista, cuja namorada, que é toureira,
entra em coma. Apesar de ser um homem sensível, ele não
consegue nem mesmo tocar a namorada imobilizada.
O filme vai
então mostrar a amizade destes dois homens e, principalmente,
as diferentes maneiras de se dar ao mundo, de se abrir aos outros.
Quais são os limites do amor? O que é correto,
o que não é? Almodóvar ousa tudo, mas sem
querer chocar pela simples provocação, mas sim
para nos levar a descobrir os limites da nossa moral – ele nos
ensina, como pai extremado, mãe amorosa, que devemos
estar sempre atentos aos nossos julgamentos, para evitar de
engessá-los. E que a redenção só
vem pela entrega.
Haverá
momentos em que você se dirá, antecipando uma cena,
“não, o Almodóvar não vai fazer isso conosco”.
Mas ele vai. Vai cutucar a ferida, mas olha, é pra você
curar do dodói mais rápido, veja, ele está
até mesmo soprando o mertiolate.
Porém,
o mais impressionante é a sensação que
o filme nos deixa no final. E aqui dou a palavra a meu marido:
é como se tivéssemos lido um livro.
Em um bom
livro, mesmo que não haja reviravoltas, apenas a riqueza
e a descrição da vida já nos transportam
para outro mundo. Quando se lê um livro, entra-se num
estado diferente, não pertencemos mais a lugar algum.
Há uma certa sensação de abandono, é
algo de muito poder, grandiosidade. Temos o suspense, as descrições
e os pequenos detalhes de uma vida, como se estivéssemos
vendo realmente as pessoas.
Nós
temos 5 sentidos mas vivemos numa sociedade audiovisual, somos
bombardeados por imagens e sons o tempo todo. Um livro, apenas
com as palavras, nos dá a possibilidade de imaginar todos
os outros sentidos.
Este filme
nos dá uma liberdade, uma distância para fazer
trabalhar a imaginação. Durante todo o filme,
temos a impressão de realmente estarmos naquele mundo
– que nada tem de fantástico, que é o mundinho
de cada dia. Impregnamo-nos do filme, penetramos aquelas vidas
ali retratadas. Aqui, é como se vivêssemos as mesmas
emoções que durante a leitura de um livro; a imaginação
trabalha mesmo enquanto vemos as imagens, justamente porque
entramos no filme, muito além dos sentidos da visão
e da audição. Por exemplo, vendo uma paisagem
ou um diálogo, tudo é tão rico de significados
que temos a impressão de estarmos lendo aquela passagem,
uma descrição. Impressão de não
estarmos vendo, mas produzindo em nossas mentes algo que nos
contam, como se estivéssemos imaginando aquilo que estamos
vendo.
E olha, se
isso tudo não basta para convencer você a assistir
a este grande filme, dou mais quatro razões : as cenas
de ballet são belíssimas, a Geraldine Chaplin
faz uma ponta com toda a majestade que só a elegância
da família proporcionaria, o filme tem aquele espanhol
falado de forma pura e super sexy, e o Caetano Veloso (“peixe”
do Almodóvar) aparece numa cena (Caetano é tudo,
até cantando “Cucurrucu Paloma”!).
Assista, e
me conte. Não, me escreva, para que eu leia suas sensações.
Flávia
Ballvé-Boudou (flaballve@imagelink.com.br),
carioca, escreveu este texto sob a inspiração
do seu marido Olivier Boudou, francês, e espera ver todos
os filmes do mundo ao lado dele.
Em volta de mim
mesma, e tranquila
São
5:30 da tarde, e estou voltando do cinema. De tarde, faz sol,
faz calor, e estou me sentindo muito, muito bem. Para quem não
sabe, estou desempregada (ah, como gostaria de viver escrevendo
!), e embora esteja procurando com afinco um novo emprego, estou
também aproveitando o tempo para esses pequenos prazeres
como a sessão de 3 e meia no cinema.
Fui ver «
I’m with Lucy », que aqui na França ganhou o nome
de « Autour de Lucy », ou em volta de Lucy. Não
sei se ele já estreou aí no Brasil, nem que nome
terá. É um filme bobo, gostoso, uma comédia
romântica daquelas que se vê com outras amigas também
encalhadas, num sábado à noite, antes do barzinho
onde cada uma tentará – sem admitir – colocar em prática
o sonho do Príncipe Encantado. Aliás, é
um filme que lembra aquele "Next stop Wonderland".
O filme não
me tocou muito, provavelmente porque eu já estou numa
relação – um casamento – e me sinta exatamente
como Lucy no final do filme, ou seja, como ela mesma diz, «
com o cara certo, não com o cara perfeito ». A
história do filme é simples, simpática
e eficaz : garota encontra 5 garotos em blind dates, até
achar seu par ideal (yeah, right - como se a vida nos desse
o tempo todo essas colheres de chá…). Este filme vem
na mesma embalagem em que vieram "O diário de Bridget
Jones" e afins ; a garota é meio maluquinha (afinal,
somos todas sobrinhas da Meg Ryan), há vários
desencontros, mas no final o cara faz algo super bacana e eles
ficam juntos.
O que é
legal deste filme é que ele não cai na receita
fácil de brincar com os caras que passam na tela e diante
de Lucy. As personagens masculinas são todas desdobramentos
de um estereótipo que já vimos em algum lugar
: o rico egoísta, o latino sensual… Só que, por
incrível que pareça, todos são tratados
com muito respeito. O filme é engraçado e ao mesmo
tempo é puro amor : até o meio do filme, a gente
não sabe por qual dos caras torcer, pois todos se mostram
por inteiro, qualidades e defeitos. Assim como Lucy, o filme
vai além daquela primeira impressão, revelando
que as pessoas são bem mais do que suas imagens levam
a crer. Ah, se todos fossem iguais a você…
Saindo do
filme, me sentia leve, já tinha me esquecido dos 3 quilos
que devo eliminar (ok, 4), vinha tranquila e consciente de tudo
que se passava à minha volta, com um intenso carinho
por todas aquelas pessoas que eu estava só vendo. Até
o café que nunca abre, hoje está aberto. Tudo
contribuindo para esta paz que me fez correr pra casa e vir
escrever. E o mais curioso é que o filme, como eu dizia,
não me tocou ; já encontrei aquilo que Lucy procurava,
e se um dia vier a perdê-lo, saberei sempre que já
existiu, e isso já é tudo. Gostoso foi, no metrô,
olhar para um garoto de uns 7, 8 anos, que esperava paciente
a hora de descer, com o casaco arrastando no chão. Tive
muita vontade de passar a mão nos seus cabelos espigados,
rebelde fofinho, e dizer para tomar cuidado com o casaco. O
amor já está aqui, agora quero Crescei e multiplicai-vos…
Flávia
Ballvé-B, agora também com blog: http://www.tonterias.blogger.com.br
Nossa colunista encarnando
uma personagem de Almodovar
Leia
as colunas anteriores
#1
- Uma partida de futebol
#2
- A vida pouco ordinária de Dona Linhares
#3
- O desafio nosso de cada dia
#4
- As pedrinhas são as notas, a melodia o caminho
#5
- La Politique
#6
- "Uau, você mora em Paris?"
#7
- O tempo que volta
#8
- Ohana
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