A MADAME AQUI
A teoria das malas na esteira
por Flávia Ballve-Boudou

Quem já viajou de avião e despachou a mala conhece a alegria que dá recuperar as bagagens depois do vôo. Nós saímos do avião, cansados, e aí passamos alguns minutos olhando para aquele desfile de malas na esteira, até identificarmos a nossa e irmos pra casa contentes.

Na minha última viagem, comecei a pensar nas semelhanças entre essa espera pela mala e a espera por um amor que, acreditamos, aparecerá um dia nas nossas vidas.

Algo que sempre me impressionou, vendo as malas passarem pela esteira rolante, é que há pessoas que rapidamente encontram suas malas, enquanto outros têm que esperar até o fim. Não há maior felicidade, entre os que esperam, do que a daqueles que, assim que a esteira começa a funcionar, rapidamente já identificam a sua mala. Há pessoas que são assim: desde cedo já viram seu amor vindo, lá de longe, e tudo o que têm a fazer é esperar a vida - a esteira - girar mais um pouco até que seja o momento de pegá-lo.

As vezes, temos a sensação de que já identificamos a mala - é ela, certamente é ela! - para, quando a mala chega mais perto, percebermos que nos enganamos. Não era bem isso o que a gente esperava - aquele amor que achávamos ter identificado, lá de longe, não nos correspondia.

Frustrante, até porque temos que esperar novas malas aparecerem e, muitas vezes, já estamos escaldados; com um ar blasé, vemos todas as malas passarem e nenhuma parece ser a nossa. São geralmente essas as pessoas que, tendo perdido as esperanças depois de uma decepção (achei que era a minha mala / o meu amor, mas não era), desistem de esperar e não prestam atenção quando sua mala está passando na sua frente.

O contrário também acontece às vezes. Conscientemente, nós conhecemos a cor, o formato, o jeito das nossas malas; sabemos o que esperar. "Minha mala é verde!", "meu amor será carinhoso!", clamamos. Às vezes, erramos: "é a minha vindo ali, tenho certeza!", só pra depois percebermos que não tinha nada a ver com o que esperávamos. Outras vezes, nos iludimos, fingindo acreditar que aquela ali, que está vindo, pode ser a nossa mala - mesmo que ela seja azul ou vermelha. E perdemos tempo. E podemos acabar deixando passar a que é realmente nossa.

E o que dizer daqueles que sonham com outras malas que não as deles? "Aquela mochila carregada de coisas é pra mim…", quando na verdade o que nós mais queremos da vida não é aventura, mas conforto e TV debaixo do cobertor. Ou "eu queria tanto uma mala Louis Vuitton, por que aquela ali não pode ser a minha?", quando sabemos que na verdade somos pessoas sem muitos luxos. Conheça a sua mala antes de sair à sua procura - ou você pode acabar achando que o que tem a ver com você é algo completamente diferente da verdade.

Muitas malas vêm enfeitadas, chamando a atenção: fitas coloridas, etiquetas, grandes cadeados, cores chamativas, marcas chiques. E realmente atraem todos os olhares, facilitando a identificação por seus donos. Mas aprenda: não é porque uma mala chamou a sua atenção que ela será necessariamente a sua. Uma mala que passa despercebida na esteira pode conter muitos presentes - e de que adianta ir pra casa com uma mala que não corresponde a você, por mais linda que ela seja?

Olhando para a esteira, vemos muitas malas passando sem dono e muitos passageiros ainda esperando sua bagagem. Parece até que estão todos na esteira errada, de tanto tempo que demoram a achar suas malas (à exceção daqueles felizardos que acham rapidinho). É preciso um certo tempo de adaptação do olhar - parece que nenhuma das malas é a minha… até que eu olho de novo e vejo chegando a mala que eu esperava.

Mas não se iludam: há, sim, pessoas que nunca encontram suas malas. São poucas, dizem as companhias aéreas; mas existem, e dá pena de ver a desolação dessas pessoas no aeroporto, às vezes ainda acreditando que vão encontrá-la, às vezes já conformados e apenas tristes com tudo o que perderam.

E o importante é saber que existem milhares de aeroportos onde procurarmos nossas malas, milhares de vôos onde tudo pode acontecer, milhões de malas pelo mundo inteiro à espera daquele que lhes corresponde.

O que você está esperando para comprar a sua passagem?

Flávia Ballvé-Boudou, 29 anos de muito aeroporto, pensou nesse texto enquanto esperava sua mochila em Dublin, onde fôra visitar sua mala há tempos encontrada.

Post Script: Se você não entendeu que eu estava falando de malas = amores, mande-me um email espinafrando a minha coerência mental e eu te explico tudo: (atenção: gracinhas do tipo "eu tenho direito a várias malas" ou "todas as mulheres são umas malas sem alça" ganharão uma passagem só de ida pra Timbuctu…) . Qualquer coisa, escreva, mas já sabe... flabb@wanadoo.fr


Blog da Flávia Ballvé-Boudou: http://www.tonterias.org/


Leia as colunas anteriores 

#1 - Uma partida de futebol
#2 - A vida pouco ordinária de Dona Linhares
#3 - O desafio nosso de cada dia
#4 - As pedrinhas são as notas, a melodia o caminho
#5 - La Politique
#6 - "Uau, você mora em Paris?"
#7 - O tempo que volta
#8 - Ohana
#9 - Dois filmes, uma coluna


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