Março
2001
Tapas e Beijos
Inclua-me fora desta!
por Alexandre
Petillo
Dia desses eu levei um tapa na consciência
e decidi que era hora de acabar com tudo. C’est fini. Já era. Larguei
mão.
Eu já fui um cara legal que
era co-editor de um zine bacana sobre cultura pop. O barato? O barato era
que eu escrevia por tesão de partilhar com as outras pessoas as
impressões que eu tivera sobre cds, livros, filmes e toda a gama
de bobagenzinhas que são a ordem do dia na vida de algumas pessoas.
Como eu.
Agora não faz mais sentido
continuar imitando Lester Bangs e Marcelo Orozco.
O zine cresceu e as coisas se complicaram.
Passamos a adotar uma postura mais séria, já que tínhamos
como meta tentar revolucionar o mercado editorial musical, conseguindo
transpor o tesão e o amadorismo zineiro à grande mídia,
coisa de apaixonados, não de ’jornalistas profissionais’(o sócio
Marcelo ainda vai manter a meta, ele merece, é o melhor da novíssima
geração). Mas as coisas não são bem assim na
vida real. As pessoas não são tão apaixonadas assim,
e não consideram a música como uma coisa sagrada, não
do jeito como eu considero e, sorry, não consigo ser impessoal quando
o negócio é música.
Antes eu apenas desconfiava, agora
eu tenho certeza de que talento não diz nada no ramo, e a porta
de trás é a entrada principal do jornalismo musical brasileiro.
Se você quiser escrever em algum veículo que tenha mais de
10 leitores, você tem que ser amigo e puxa-saco do editor ou de alguém
grande no local. Panelinha é vital. Tem que entrar, senão,
terá que fazer as pazes com o cara do xerox para caprichar nas cópias
do zine. E a maioria das pessoas dessas panelinhas não sacam nada
de música e tudo que sabem foi chupado da internet e das revistas
inglesas.
Acabou o tesão, a vontade broxou.
Junto com o rock.
Há tempos não é
lançado um disco de rock que tenha me arrepiado a espinha. Há
tempos não ouço uma balada de amor com um solo distorcido
que realmente me emocione. Então, esse é momento de dar um
tempo. De renovar as energias, de recuperar o tesão. De encontrar
energia suficiente para me fazer sentar diante do computador e fazer textos
realmente bons, informativos e orgânicos. A imprensa rock agora sofre
da síndrome de pavão. Todo mundo quer aparecer, não
importa de que maneira. A briga agora é para ver quem entende mais
ou quem conhece mais bandas obscuras. A onda é ter a notícia
quente primeiro e depois deitar na fama.
Da mídia nanica ao ‘mainstream‘,
os tais jornalistas culturais são, na verdade, torcedores. Torcem
pela banda favorita e impõe suas preferências, principalmente,
em detrimento dos demais. Por isso, quem fala de rock atualmente vive uma
crise de identidade. Todas as revoluções formais e todas
as provocações parecem já ter sido feitas. Esgotou-se
um modelo e não se pensou em outro para substituí-lo. Se
tudo já foi feito, porém, nada ainda foi feito realmente.
Falta objetividade, falta distanciamento:
falta jornalismo. Toda uma geração, até mais que uma
geração, de jornalistas culturais foi criada para achar -não
necessariamente pensar, mas achar, sempre. O ‘achismo‘, pode-se chamar
assim, é a tônica. Não se vê um trabalho de reportagem,
sem dúvida, mas que contenha crítica, também, análise,
que entre no mérito. Mas crítico não é ‘opiniático‘,
então, o que resta, são revistas recheadas de ‘releases‘
e/ou, no muito, empurram bêbados em ladeira ou fazem ataques gratuitos.
Pode parecer coisa de covarde ou boiolice.
Mas eu preciso encontrar o fio da meada perdido. Recuperar o tesão
e procurar novas formas, pois afinal, como disse o meu camarada Barroso,
não dá para ficar para sempre no "papai-e-mamãe".
Escrever sobre música sempre
foi um sonho, não um ganha-pão ou um meio para que eu sobreponha
minhas opiniões.
Escrever sobre música foi
o meio que eu encontrei de transmitir o que eu senti quando ouvi um disco
espetacular, lá no quarto, sozinho ou com a minha menina. Chegou
a hora de colocar as coisas em perspectiva, de tentar sonhar tudo de novo.
Ou depositar em algum ponto alegre da lembrança.
Alexandre Petillo, 23, editor-licenciado
do Scream & Yell, está em busca do elo perdido ou do amor de
uma boa mulher.
Eu gosto
de Ramones
por Marcelo
Silva Costa
Eu sou sonhador. Alguém pode
achar isso boiolice, mas não é. Eu vivo acreditando sempre
que tudo se resolverá da melhor maneira, com todo mundo feliz, e
Pixies tocando no cd player.
Mas, admito, as coisas não
estão faceis. Nunca foram, mas o desânimo anda parecendo velho
companheiro e afinal, lutar pra quê? Por quem?
Eu sei que é cansaço,
muito dele fruto de tudo que o sócio falou ai em cima. Não
tem nada a ver com sermos pés rapados e não termos
dinheiro para estudar em Londres, nem para ir no Reading ou para ir a analistas.
Tem a ver com desamor, falta de tesão e bobagaria empacotada para
impressionar.
Quer exemplos? Eu gosto de Ramones.
Precisa explicar? Não que seja complicado explicar o porque do sol
ser quente, da água molhar, do Ramones ser legal. É
que é tão simples que soa ofensivo. Só falta de tesão,
muito dengo da avó e excesso de heavy metal na adolescência
justificam não gostar de Ramones.
Se algum Zé Mané qualquer
me dissesse que Ramones é uma porcaria, eu iria seguir o conselho
sábio de Renato Russo (um fã de Ramones, alias) que dizia
que a maior falta de razão é discutir com alguém que
não tem a mínima noção do que seja razão.
Mas andou acontecendo coisa pior.
Não foi um Zé Mané
qualquer que disse isso (tá, há controvérsias) e sim
o editor de uma das principais revistas de música pop do país.
O que pensar?
O único modo que me possibilitou
entender a questão foi de imaginar que dizer uma bizarria dessas
é coisa de quem descobriu o rock através do Faith No More
e do Metallica, e leva em conta coisas como virtuosismo e rostinhos bonitos
no lugar de simplicidade e espontaneidade. É de se imaginar, ainda,
um filhote do sujeito, daqui a 10 anos, dizendo que o Nirvana era uma porcaria,
o máximo mesmo é o Korn e o Delftones, esses sim é
que são rock. Vai acontecer, anota ai e não precisa me pagar
nada depois não.
Outro caminho foi recorrer ao velho
e surrado exemplar da revista “Brasa” que eu tenho aqui comigo. A
“Brasa” foi um projeto bacana do André Forastieri (outro fã
de Ramones) e do Rogério de Campos, teve apenas um número
e saiu logo após o fim da “General”. É, resumindo, um fanzine
lançado por editora. É tão espirito zine que não
traz nem numeração nas páginas, mas, ali pelas últimas,
há um texto sensacional que ensina os truques e manhas de ser um
crítico musical, desde mentir com segurança até descolar
viagens bancadas por gravadoras. O décimo e último item desse
manual calha bem no caso discutido:
“Cultive algumas idiossincrasias –
É chique pacas defender algumas opiniões indefensáveis,
como por exemplo ´Menudo é genial´ ou ´David Bowie
copiou tudo de Marc Bolan´...”
Se o cara seguiu por esse caminho,
ele é chique, e eu pego o meu banquinho e saio de mansinho com o
meu vinil do Rocket To Russia embaixo dos braços, afinal,
com chiquê não se discute.
Todo mundo tem o direito de ter e
expressar a sua opinião, sempre, de preferência em colunas
pessoais, berço de sentimentos insatisfeitos. E, claro, já
que a opinião foi expressa, a chuva de garrafas é cortesia
da casa e é só sair para abraçar o Carlinhos Brown,
expert no assunto.
Adinata alguma coisa? Vão se
as garrafas e a palhaçada continua. Eu não descobri ainda
como isso tudo funciona. Na verdade, nem sei se quero. Basta ter olhado,
tapado o nariz com o cheiro, e voltado para o meu canto. E o meu canto
é aqui, ouvindo meus analistas prediletos, Brian Wilson, Neil Young
e Ian McCuloch e escrevendo do único jeito que sei: com paixão.
O resto é coisa de rock star.
Marcelo Silva Costa, 30, editor do
Scream & Yell, não entende o sentido da vida, acha que está
vivendo a vida de Brain, mas continua em busca do calice sagrado. |