August Sander Hod-carrier, Köln, 1928 

fotosite.com.br - Se eu lhe perguntasse qual a fotografia que marcou sua vida? Ela existe, qual é?

Oliviero Toscani - Sim, eu tenho uma fotografia. Não sei se aqui vocês conhecem, mas é uma imagem de um fotógrafo alemão. Uma imagem dos anos 20, August Sander, sabe quem é?

fotosite.com.br - Sei sim, conheço o ensaio que ele fez sobre o povo alemão...

Toscani - Pois é. É a imagem do rapaz com vários tijolos empilhados nos ombros. Essa é a minha imagem!

fotosite.com.br - Por que?

Toscani - .... porque representa de um modo muito simples a condição humana. Afinal todos nós suportamos algum peso para construir alguma coisa


EDITORIAL
Julho 2003
Quase
07/07/2003

Enquanto mastigo uma bolacha passatempo daquelas recheadas e olho a pilha de CDs ao lado do monitor (Nenhum de Nós e Terminal Guadalupe, vocês não perdem por esperar, logo sai algo), penso que, caralho, está faltando tempo no meu dia. Tremenda besteira, você que está lendo deve estar pensando, afinal, todo mundo reclama da falta de tempo, da Patagônia a Urano. Mas é preciso explicitar que, mesmo caminhando contra o vento, o S&Y poderia (e deveria – e quer) ser bem melhor do que é. Mas, como diria outro, lama. 

Foda-se? Mais ou menos. A gente está trabalhando para melhor servir. :-) O fato é que, entre uma página e outra do novo livro do Salman Rushdie (logo logo resenha – espero), eu fico pensando na foto que o polêmico Oliveiro Toscani escolheu como uma de suas preferidas em todos os tempos, que eu emprestei para ilustrar esse editorial. Tijolos. O mundo parece pesar cada vez mais sobre nossos ombros. 

Se eu for pensar que, como pessoa comum, estou entrando no meu dito "inferno astral", um "fudeu" cabe direitinho neste amontoado de reclamações que eu escrevi até agora. Porém, e graças aos céus sempre existe um porém, algumas coisas acontecem em nossas vidas tornando esse monte de tijolos nos ombros, algo em segundo plano. Isso começa, em uma escala primária, na família, com os amigos, no relacionamento. E depois, com os passatempos, e ai podemos incluir discos, filmes, livros, quadros, artes e uma porção de coisas que nos tiram da rotina e nos fazem felizes (e porque não, tristes) naquele espaço/tempo especial. 

Acho que isso é viver. Acordar todos os dias e preencher essas horas, em que o cérebro está a todo vapor e os olhos abertos buscam informação com pequenas coisas que, no final, fazem tudo valer a pena. É pouco, eu sei, mas é sobre isso que lidamos aqui: o prazer de se falar de cultura pop. 

Para fechar esse editorial de "inferno astral", um texto creditado a Luís Fernando Veríssimo que recebi via e-mail, de uma amiga (valeu Fernanda). Ela abre mais ainda o tema que eu discorri acima. Claro, com toda genialidade de Veríssimo...

Marcelo Costa
Editor


Quase... 
Luís Fernando Veríssimo 

Ainda pior que a convicção do não, é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase! É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase amou não amou. 

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e na frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados. 

Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor. 

Mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. 

Preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Para os erros há perdão, para os fracassos, chance, para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. 

Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando... Fazendo que planejando... Vivendo que esperando... Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.