O
CEL é o Limite
Um Taxi Com O Marillion
por
Carlos Eduardo Lima
10/01/06
Você lembra de 1985? Eu lembro. Há vinte anos que procuro por alguma coisa que ficou
perdida naquele ano estranho. Sabe como é, algumas desilusões, algumas
frustrações, algumas empreitadas bem sucedidas, uns poucos arrependimentos,
afinal de contas, ter quinze anos em 1985 ainda era algo light e que exigia
pouca responsabilidade para com os outros e o mundo. De qualquer forma, por
uma maneira um tanto óbvia, me lembro de 1985 em forma de música. Só que, como já
disse em outras Blips do passado, a música tem uma característica estranha de
se travestir de acordo com o grau de afeto que sua memória lhe confere.
Explicando: se você viveu um momento bom e ele, por algum motivo, foi
sonorizado por uma música ruim, um abraço para você, sua trilha sonora vai
obrigatoriamente passar por aí em recordações futuras.
A minha trilha sonora internacional de 1985 gira em torno de quatro discos.
The Head On The Door, do Cure; The Dream Of The Blue Turtles, do Sting; Songs
From The Big Chair, do Tears For Fears e Misplaced Childhood, do Marillion.
Sei que poderia ser muito melhor. E também pior. Para minha felicidade, Dire
Straits não grudou na minha cabeça nessa época. Mas não posso exatamente
contar vantagem do que me lembra esse ano tão querido.
O grande lance nisso tudo é que eu não tinha o Misplaced Childhood do
Marillion há até poucos dias. E comprei hoje. Explico: em 1985 eu
tinha o vinil. No advento do CD, a obra dos progressivos ingleses foi
adquirida prontamente. Nas idas e vindas da existência, o disquinho veio e
foi. E, para minha surpresa, ele foi e não voltou. Erro corrigido hoje. Com
classe. Me dei ao trabalho e ao gasto de comprar uma versão dupla, com o disco
propriamente dito e uma série de outtakes e lados B. A glória maior que eu
poderia querer.
Eu precisava ouvir aquilo de qualquer jeito. Das músicas em
suíte, que formavam o antigo lado A do vinil, eu ainda sei a
letra de cor. São mais de trinta minutos ininterruptos de verborragia
simbolista, parida pelo então vocalista Fish, sobre juventude
perdida na Inglaterra oitentista. Dane-se, eu amo. A caminho
do trabalho, atrasado, tive que lançar mão de um táxi e, surpreso
com minha própria cara-de-pau, perguntei ao senhor que dirigia
o Santana se ele poderia dar a licença de ouvir o disco. O senhor
ouvia tango, Por Uma Cabeza, conhecido por muitos como
o tango que toca em Perfume de Mulher, no qual Al Pacino
dança com Gabrielle Anwar. Enfim, o tango, que é lindo, foi
sacado do CD player e deu lugar à versão alternativa de Heart
Of Lothian. E eu cantei a letra toda, com vontade, imitando
o sotaque escocês de Fish.
Vibrei nos maravilhosos e um tanto flácidos versos "It’s
six o’clock in the tower blocks, stalagmites of culture shock,
and the trippers of the light fantastic boedow, hoedow, spray
the pheremones on this perfume uniform". Ou "The anarchy
smiles in the royal mile" ou ainda "Rooting tooting
cowboys with lucky little ladies on the watering holes, they’ll
score the friday night goals". Nossa, isso tudo é muito
legal. Cantando loucamente no táxi atingi o bairro da Tijuca,
local de trabalho. Agradeci imensamente ao motorista e percebi
que saltei do táxi com quinze anos de idade. Quase parecia que
era do velho Integração Metrô-Ônibus que eu saltava, rumo ao
velho Colégio Santo Agostinho.
Sobre o disco do Marillion, recorro
à velha verdade de que não adianta entender baldes de música,
basta sentir alguma coisa boa para a música ser boa. Com quinze
anos a gente entende melhor essa máxima do que com 34. Ou mais.
Talvez seja um caso de inversão proporcional do gosto, vá lá
saber. E, só pra constar, esse é o disco que tem o maior hit
da carreira da banda, Kayleigh. Só soube que era um nome
de mulher recentemente. Talvez com quinze anos eu intuísse essa
verdade.
Carlos
Eduardo Lima, o CEL, tem quase 35 anos, é caucasiano,
apolítico,
incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br
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