INSTANTE ANTERIOR
Vaidade, Ganância e video-tapes
por Bruno Medina

O texto desse mês pode ser facilmente tachado como dor de cotovelo. Alguns vão dizer que sou mal perdedor e para esse argumento não pretendo apresentar nenhuma defesa, pensem o que quiserem. Vou falar de vaidade, o pecado capital que faz parte da vida de todo mundo e que para mim esteve emoldurado, exposto e personificado no VMB desse ano. 

Vaidade da MTV que se esqueceu um pouco da patrulha estética e do conceito visual que sempre criou com tanta competência, preferindo ceder a tentação de ser grande como os canais de tv aberta, fazendo indiscutíveis concessões para se popularizar. Vaidade da classe artística que definitivamente entregou uma das mais belas e eficientes formas de expressão nas mãos de publicitários ávidos por troféus. Para ilustrar mais claramente o que quero dizer vou citar uma passagem de dois anos atrás quando comecei a elaborar minha teoria; No ano de 2000 o Rappa foi o grande vencedor da noite com o clipe "Minha Alma", arrebatando 7 prêmios (corrijam-me os atentos). Numa das diversas vezes em que a banda teve que subir ao palco, aclamada em glória por uma platéia que não se cansava de aplaudi-los, um dos integrantes me pareceu constrangido ao tomar o microfone e atribuir os méritos da esmagadora vitória aos diretores do clipe e a produtora. 

O clipe é bacana mesmo, tem até carro virado e é todo em preto e branco, o que costuma ser barbada nas categorias de fotografia e direção de arte, mas cadê a banda? Quando eu vejo um clipe na tv gosto de perceber as mãos do artista naquela produção e como ele contribui para imprimir sua personalidade, seu discurso, sua cara naquela peça. Assistir ao VMB desse ano foi como assistir a uma parada militar: fria, asséptica, formal e distante. Os ganhadores, salvo àlgumas poucas exceções, foram os artistas que mais uma vez contribuíram para fazer um belo portifólio para os diretores de seu clipes. Se você não entendeu o que eu quis dizer comece a suspeitar se "Minha Alma" não foi uma eficiente forma de captar recursos para "Cidade de Deus", ambos produzidos por Kátia Lund. Aliás, já que o texto é sobre vaidade, não posso deixar de comentar o que aconteceu com essa moça recentemente. Numa das entrevistas sobre o filme Kátia disse que havia ligado para um traficante preso a fim de pedir autorização para filmar na área sob seu comando. Anteriormente a cineasta já havia dito a revista TPM que se tivesse nascido no morro provavelmente se deixaria seduzir pelo poder do tráfico e que Marcinho VP, conhecido traficante carioca, era o máximo. Resultado em bom português: quis tirar onda de influente com os bandidos acabou na delegacia prestando esclarecimentos. 

Retomando aos clipes, vou ser mais didático para explicar a estória do portifólio, tomemos o clipe do Frejat, vencedor na categoria pop,  como exemplo. É fofo, lindo, parece até estrangeiro de tão bem feito, mas poderia ser o clipe do KLB, do Sepultura ou até mesmo uma parte do programa eleitoral do Serra. Não há nada que se relacione com o Frejat, que faça alusão ao seu discurso ou a sua estética, a não ser o bonequinho que se parece mesmo com ele. "Instinto Coletivo" do Rappa foi agraciado com os prêmios de direção e direção de arte mas ninguém me convence que dirigir um clipe que mais se assemelha à tela de apresentação de um jogo de vídeo game onde um boneco joga capoeira tem mais mérito do que comandar um elenco de atores reais, que era o caso de muitos outros concorrentes. Esses são apenas dois casos de questionáveis méritos do artista sobre a propriedade do clipe. Pelo menos teve uma coisa bacana nesse ano: o clipe do Charlie Brown que chegou com pinta de grande campeão e orçamento hollywoodiano não levou nada. O bom senso ou sei lá o que resolveu não premiar um clipe em que os músicos aparecem rolando na cama com mulheres de calcinha, armas e sangue, xô clichê! 

Isso serve para manter viva a esperança de artistas que não usam o clipe para promoção pessoal e sim da música em questão. Podem me chamar de conservador mas essas produções pomposas não me seduzem, prefiro aqueles clipes chinfrins do Fantástico com o artista em close num fundo preto. Nós do Los Hermanos preferimos fazer os clipes nós mesmos. Normalmente o orçamento é bem baixo e comumente nos equivocamos bastante pela falta de experiência, mas quando você tiver a oportunidade de ver um de nossos clipes e achar uma merda, saiba que somos totalmente responsáveis por aquele erro. Se você fosse a gente desperdiçaria a chance de brincar com o dinheiro (pouco) dos outros? Fazer as coisas desse jeito nem sempre rende muitos prêmios a não ser que houvessem categorias como "clipes feitos com menos de 10 mil reais" ou "clipes feitos pelo próprio artista", mas caso algum dia formos premiados nessas ou em quaisquer outras categorias podem ter certeza que ninguém vai ficar constrangido em dizer "nosso clipe".   

Bruno Medina, 23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e escreve neste espaço mensalmente.


Leia as colunas anteriores

#1 - O Latifúndio Musical e a Dinastia do Essencial
#2 - A Bola da Vez
#3 - A Fábula do Submarino à Deriva
#4 - A Força de um Hábito
#5 - Apenas uma questão de números
#6 - Soluções simples para um problema grave numa manhã qualquer


Por que "Instante Anterior"? 

Conversando com uma amiga cheguei a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos que não encerram uma música, como uma sétima maior que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais ou menos isso. 


Sunday, de Edward Hopper, 1926. The Phillips Collection, Washington, D.C